MPF e DPU emitem nota técnica contra internação compulsória de usuários de drogas no município do Rio de Janeiro

Documento foi enviado a Eduardo Paes após prefeito declarar, em redes sociais, a intenção de implementar medida

Procuradoria da República no Rio de Janeiro

O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, e a Defensoria Pública da União, enviaram, na última quinta-feira (23), nota técnica ao prefeito do Rio de Janeiro (RJ), Eduardo Paes, contra a internação compulsória de usuários de drogas em unidades terapêuticas no município.

O documento, assinado pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto, Julio José Araujo Junior, e pelo defensor regional de Direitos Humanos no Rio de Janeiro, Thales Arcoverde Treiger, foi expedido após o político declarar, em redes sociais, ter solicitado à Secretaria Municipal de Saúde a elaboração de proposta para implementação da medida. A nota foi elaborada no âmbito de procedimento que apura e acompanha as políticas para a população em situação de rua e a necessidade de articulação dos entes federativos.

No documento, o MPF e a DPU destacam que a internação compulsória dos usuários de drogas, ou seja, realizada contra a vontade do paciente, é inconstitucional, traduz uma medida higienista e atenta contra a dignidade do ser humano. “A Constituição Federal afirma que ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Ora, a internação compulsória é a privação de liberdade sob o pretexto de submeter um sujeito a tratamento de saúde”, frisam os representantes dos dois órgãos.

O MPF e a DPU também ressaltam que a saúde é um direito social, e não uma obrigação imposta aos cidadãos. “Ninguém pode ser privado de sua liberdade para, forçadamente, submeter-se a qualquer espécie de tratamento, sem o seu livre consentimento”, enfatiza a nota. “Esse tipo de ação trata as pessoas como sendo meros objetos de incidência da política estatal, e não como verdadeiros sujeitos de direitos que são”, complementa o documento.

Exceções e violações – De acordo com a legislação, a internação realizada para fins de tratamento de saúde decorre, necessariamente, de uma deliberação médica, e tal medida não pode ser imposta, autoritariamente, por agentes estatais. Outra possibilidade é se a pessoa estiver cometendo algum delito. No entanto, nesses casos, o abrigamento é uma medida socioassistencial, excepcional, temporária e voluntária.

Por meio da nota técnica, os representantes dos órgãos destacam ainda que a internação compulsória fere gravemente a Lei de Drogas e a Política Antimanicomial, voltadas para a adoção de um modelo assistencial em saúde mental, com ênfase na reinserção social, por meio de tratamento ambulatorial, que deve sempre ser priorizado. Eles também mencionam que, na maioria das vezes, as unidades públicas de saúde não têm capacidade de receber essas pessoas de maneira digna, tendo sido o Brasil, inclusive, condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos justamente em razão de um homicídio ocorrido dentro de uma unidade de internação.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) também já classificou a internação compulsória como uma anomalia contrária ao ordenamento jurídico no artigo 25 da Resolução 8/2019. Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) cita que os princípios de tratamento propostos devem ser fundamentados na garantia dos direitos à vida, à saúde e aos direitos humanos.

Termo de Ajustamento de Conduta – Por meio da assinatura de termo de ajustamento de conduta (TAC), o município do Rio de Janeiro havia se comprometido com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro a abster-se de empregar qualquer medida de remoção compulsória ou involuntária da população adulta em situação de rua, ressalvadas as hipóteses de flagrante delito ou por determinação médica.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), determinou aos Poderes executivos municipais, estaduais, federal e distrital a proibição da remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua. Sendo assim, o MPF e a DPU argumentam que a política sugerida pelo prefeito do Rio de Janeiro viola esse acordo, bem como a determinação do STF e demais normas municipais e federais.

Arte: Comunicação/MPF

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