Desastre da Vale: Justiça determina que indígenas que fizeram acordos com empresa também sejam contemplados em diagnósticos de danos

Decisão atende MPF e DPU e garante ainda que todas as comunidades indígenas atingidas sejam apoiadas por assessoria técnica independente

Ministério Público Federal em Minas Gerais

Após recurso do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) determinou que os estudos de diagnóstico de danos a serem realizados pelo Instituto de Estudos de Desenvolvimento Sustentável (Ieds) contemplem também os indígenas que celebraram acordos com a mineradora Vale. A decisão favorece os grupos que firmaram acordos de indenização com a mineradora a título de reparação pelos danos causados pelo desastre do rompimento da barragem de rejeitos da Vale na mina do Córrego do Feijão, localizada em Brumadinho (MG), em janeiro de 2019. A Justiça determinou, ainda, que seja disponibilizada assessoria técnica independente a todas as comunidades indígenas atingidas pelo desastre.

A atuação do MPF e da DPU se deu em agravo de instrumento que buscou modificar a decisão judicial de 1ª instância que excluiu a Aldeia Katurãma e o núcleo familiar de Dona Eline Pataxó dos estudos e diagnósticos de danos decorrentes do desastre. Nos termos da decisão judicial agravada, tais grupos não teriam direito a serem contemplados no diagnóstico de danos e a serem apoiados por assessoria técnica independente por já terem firmado acordos particulares com a mineradora Vale.

Na decisão que antecipou a tutela recursal, o desembargador Federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz, relator do agravo de instrumento, afirmou que “a adoção das medidas requeridas nestes autos também em relação aos integrantes da Aldeia Katurãma e do tronco familiar de Dona Eline Pataxó, em especial no que toca ao levantamento de danos a ser realizado por entidade de consultoria socioeconômica independente, constitui conditio sine qua non para que se possa aquilatar, com o mínimo de segurança, se os valores pecuniários ajustados nos acordos individuais são, efetivamente, suficientes à reparação civil integral desses dois grupos indígenas atingidos pela tragédia”.

“Neste contexto, é imprescindível a vigilância a fim de evitar que mais uma vez haja a aniquilação de uma cultura e seu povo, sob a justificativa da autodeterminação negocial, não é possível permitir que aquele que destruiu severamente o meio ambiente, locus essencial de vida das partes aqui em questão, possa eximir-se nas obrigações de financiar a assistência técnica aos que são vítimas, bem como do dever de viabilizar a mensuração de sua real responsabilidade”, prossegue a decisão do desembargador.

O magistrado também ressalta na decisão que o compromisso de contratar as entidades para quantificação dos danos e para prestar assessoria técnica independente às comunidades indígenas atingidas pelo rompimento da barragem foi assumido pela Vale em abril de 2019. Porém, passados mais de quatro anos, não houve o dimensionamento dos danos causados pelo rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho.

Nos termos da decisão que antecipou a tutela recursal, “a formalização de acordos que sejam plenamente ‘justos e suficientes’, como alega a Vale S. A., passa necessariamente pelo correto dimensionamento dos danos que foram ocasionados a todos os grupos indígenas atingidos pelo rompimento da barragem, o que apenas será possível de se aferir a partir de estudos realizados por entidade independente especializada em prestar assessoria nessa área, tal como assinado no termo de ajuste emergencial originariamente firmado”.

Para o procurador da República Edmundo Antonio Dias e o defensor público Federal João Márcio Simões, que apresentaram o agravo de instrumento, “a sóbria decisão do Tribunal Federal da 6ª Região mostra-se inteiramente adequada e oportuna, pois é essencial que mesmo os grupos indígenas que realizaram acordos sejam contemplados no diagnóstico de danos, já que estamos falando de acordos celebrados sem o efetivo conhecimento da extensão e profundidade dos danos que sofreram”.

Assessoria Técnica – A Lei estadual 23.795/2021, que instituiu a Política Estadual dos Atingidos por Barragens em Minas Gerais, garante o direito a assessoria técnica independente, escolhida por pessoas atingidas por barragens, a ser custeada pelo empreendedor. Entre as finalidades da assessoria está a de orientar as pessoas atingidas no processo de reparação integral dos danos que sofreram.

Antes mesmo da promulgação da mencionada lei estadual, tal direito já havia sido previsto em acordo firmado pelo MPF e pelo povo indígena Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe com a mineradora Vale.

Conforme exposto no agravo de instrumento apresentado pelas instituições de Justiça, em 5 de abril de 2019, o MPF e o povo indígena Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe firmaram, com a Vale, um Termo de Ajuste Preliminar Extrajudicial (TAP-E), no qual a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) figurou como interveniente. Entre as medidas previstas no TAP-E, constaram a obrigação de a Vale contratar assessoria técnica independente da escolha da própria comunidade indígena e, ainda, uma consultoria socioeconômica que fosse responsável pela elaboração de diagnóstico de danos e impactos sofridos pela comunidade indígena.

Em reunião realizada em 12 de dezembro, na aldeia Naô Xohã, localizada no município de São Joaquim de Bicas (MG), as etnias Pataxó Hã Hã Hãe e Pataxó escolheram o Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (Insea) como a entidade que iria realizar a assessoria técnica independente.

Na decisão que antecipou a tutela recursal no agravo apresentado pelo MPF e pela DPU, o desembargador Federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz determina que, no caso dos indígenas atingidos que tenham firmado acordos, a assessoria viabilize o cumprimento do que foi estipulado nas transações, assim como permita a participação informada das comunidades atingidas e reduza as assimetrias entre as comunidades e a empresa causadora do desastre.

Íntegra do agravo de instrumento

Foto: Mauro Pimentel | AFP

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