Campanha de Bolsonaro pagou pai de autor de dossiê que tentou ligar STF ao PCC

Produtora de vídeo foi paga pela campanha de Bolsonaro; filho é investigado por associar Alexandre de Moraes ao PCC

Por Amanda Audi, Alice Maciel, Agência Pública

A campanha de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição em 2022 contratou os serviços da produtora de vídeo do pai de um dos alvos da Operação da Polícia Federal “Vigilância Aproximada”, que investiga a suspeita de espionagem ilegal usando a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Segundo a PF, o advogado Ricardo Wright Minussi teria participado da elaboração de um documento apócrifo que associava ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), incluindo Alexandre de Moraes, e parlamentares, com a facção criminosa PCC.

Apesar da Minussi Filmes estar registrada na Receita Federal no nome de Ricardo Minussi (pai de Ricardo Wright), o endereço que consta na nota fiscal emitida pela empresa à campanha do ex-presidente é o mesmo do escritório de advocacia do seu filho, investigado pela PF: a Wright Minussi Sociedade Individual de Advocacia, localizada em Brasília.

A reportagem esteve no endereço, mas informaram na portaria que a sala encontra-se vazia. Segundo o funcionário do Edifício Business Point, a Minussi Filmes mudou do local há pouco mais de um ano. Ele disse ainda não se recordar de ter funcionado o escritório de advocacia – apesar de ser o endereço oficial da empresa de Ricardo Wright.

Por que isso importa?

  • A reportagem revela que a produtora de vídeos Minussi Filmes, que prestou serviços para a campanha de Jair Bolsonaro, é comandada pelo pai de Ricardo Wright, apontado pela PF como responsável pelo documento que tentou associar ministros do STF ao PCC.

Segundo prestação de contas de Jair Bolsonaro à Justiça Eleitoral,a Minussi Filmes recebeu R$ 36,8 mil “para eventos de promoção da candidatura” no dia 27 de outubro de 2022, às vésperas do segundo turno das eleições, que ocorreu em 31 daquele mês.

A nota diz que a produtora fez a transmissão de uma live do ex-presidente no Facebook e Instagram, fotos, um vídeo para as redes sociais e um vídeo institucional de até sete minutos. Naquela data, Bolsonaro fez uma live de 45 minutos em que atacou o Partido dos Trabalhadores (PT) e citou a suposta denúncia de que rádios do Norte e Nordeste deixaram de veicular propagandas dele.

Na época, o então ministro das Comunicações, Fábio Faria, e o ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação, Fábio Wajngarten, afirmavam que a campanha de Bolsonaro havia sido prejudicada porque inserções de rádio não teriam sido veiculadas conforme a lei. Uma apuração do Aos Fatos de 2022 mostrou que o relatório elaborado pela campanha de Bolsonaro e enviado ao Tribunal Superior Eleitoral a fim de provar uma suposta “fraude eleitoral” tinha mais de 9,7 mil inserções a mais do que as rádios citadas haviam veiculado.

Em suas redes sociais, a produtora informa que faz cobertura jornalística; conteúdo para parlamentares; documentários; fotografia; transmissões ao vivo; vídeo institucional; vídeo para web, tv e cinema; vídeo publicitário e imagens aéreas. “A Minussi está diariamente no Congresso Nacional produzindo conteúdo personalizado de atividades e projetos parlamentares”, destaca.

Conforme levantamento feito pela Agência Pública no portal da Transparência do Senado, a Minussi Filmes recebeu o total de R$ 105 mil de cota parlamentar em serviços prestados para o senador bolsonarista Alan Rick (PL/AC), no período de 2020 a 2023. E não foi só o patriarca da família que recebeu recursos oriundos da verba do gabinete do político acreano.

A ex-companheira de Ricardo Minussi , Lia Noleto Rachid, foi contratada em 2023 como chefe de gabinete de Alan Rick; e seu filho, Ricardo Wright, está lotado desde 2023 como assistente parlamentar também no gabinete de Alan Rick. Além disso, há registros no portal da transparência da Câmara e do Senado que ao menos desde 2018 os dois prestam serviços de consultoria para o parlamentar como “pessoa jurídica”, e que são pagos pelo Legislativo. O casal se separou em meados do ano passado.

O advogado Ricardo Wright foi apontado pela Polícia Federal como autor do documento nomeado como “Prévia Nini.docx”, “cujo conteúdo remete à tentativa de associar deputados federais, os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, e outros parlamentares, à organização criminosa PCC”.  Para Moraes, relator do processo, este seria um forte indício de que a agência foi instrumentalizada para fins políticos, conforme ressaltou em sua decisão.

Wright, segundo a PF, supostamente teria atuado em um grupo apelidado de “Portaria 157”, composto por três servidores da Abin e duas pessoas de fora do órgão — incluindo ele — com o objetivo de encontrar conexões de desafetos do ex-presidente ao crime organizado. O advogado foi alvo de busca e apreensão autorizada pelo ministro do STF na mesma decisão que atingiu o ex-diretor da Abin, o deputado federal Alexandre Ramagem.

A Operação Vigilância Aproximada apura a utilização do sistema de inteligência First Mile pela Abin, durante a gestão de Ramagem, no monitoramento de dispositivos móveis, sem a necessidade de interferência e/ou ciência das operadoras de telefonia e sem a necessária autorização judicial. A Polícia Federal identificou a existência de uma organização criminosa com intuito de monitorar ilegalmente pessoas e autoridades públicas, invadindo aparelhos e computadores, além da infraestrutura de telefonia.

Relações familiares

O advogado Ricardo Wright e seu pai, Ricardo Minussi, se aproximaram da família Bolsonaro por meio de Lia Noleto Rachid. Mineira de Belo Horizonte, ela chegou a ocupar, em 2020, um cargo no gabinete do senador Flávio Bolsonaro.

No início do governo Bolsonaro, Rachid foi alçada a postos no Executivo. No começo de 2019, foi chefe de gabinete da Subchefia de Assuntos Parlamentares da Casa Civil, que na época era comandada por Abraham Weintraub. Em seguida, virou assessora especial de Álvaro Antônio, que acabara de ser nomeado ministro do Turismo, cuidando do relacionamento com o Congresso.

Em maio de 2020, Rachid passou a ocupar a função de assessora da Terceira Secretaria do Senado, na época comandada pelo senador Flávio Bolsonaro. Depois, foi lotada diretamente no gabinete do filho do então presidente. Ela também prestou serviços de consultoria a deputados.

Rachid é sócia de um escritório de advocacia que recebeu R$ 72 mil por serviços jurídicos para Alan Rick entre 2018 e 2019, pagos através da cota para o exercício da atividade parlamentar. Ela também recebeu R$ 72 mil de Marcelo Álvaro Antonio em 2018, também pela cota do deputado. Ele era então presidente do PSL em Minas Gerais e, segundo a investigação da PF, teria destinado parte das verbas de campanha para candidaturas laranja e empresas de fachada.

Indicado por Rachid, em março de 2019, aos 25 anos, Ricardo Wright abriu uma empresa de advocacia e também passou a atender os deputados Alan Rick, Marcelo Álvaro Antonio e o ex-deputado Márcio Labre. No mesmo período em que teria ocorrido a chamada “Abin paralela”, ele circulava pelos gabinetes de apoiadores do ex-presidente.

Ao todo, Ricardo Wright, seu pai e a ex-companheira dele receberam R$ 685,5 mil de serviços prestados aos três deputados federais entre 2018 e 2023, pagos com recursos públicos da cota para atividade parlamentar. A maioria do valor recebido, ou R$ 579,7 mil, foi por serviços de consultoria e pesquisa.

Outro lado

A Agência Pública entrou em contato com todos os citados nesta reportagem. “O escritório foi contratado legalmente pelo gabinete, onde os serviços prestados eram exclusivamente à minha atividade parlamentar e muito bem executados por sinal”, disse o ex-deputado Márcio Labre. “Desconheço as relações contratuais e comerciais desta empresa fora do escopo dos serviços prestados ao meu mandato”.

Marcelo Álvaro Antonio afirmou que “Ricardo [Wright] prestou serviço como consultor legislativo, ou seja, na elaboração de proposições e análises sobre matérias em pauta no Congresso Nacional durante o mês de março de 2021, em meu mandato anterior.”.

O Senador Alan Rick declara que teve conhecimento dos episódios mencionados apenas por meio da imprensa. O político afirmou, em nota, que “considera inaceitável que reportagens façam ilações e pré-julgamentos como se o parlamentar tivesse alguma responsabilidade sobre um serviço prestado por seu assessor quando este não fazia parte de sua equipe”. O senador disse que ainda que “as funções exercidas pelo seu assessor não permitem ingerências em suas decisões parlamentares”, que “não compactua com qualquer tipo de ilegalidade e que sua conduta perante a situação será pautada em fatos concretos, assim que estes forem plenamente esclarecidos”. Por fim, o senador enfatizou “seu profundo respeito e deferência a todas as instituições republicanas” e disse que é essencial aguardar a conclusão das investigações e espera que a verdade prevaleça.

Edição: Bruno Fonseca | Dados: Bianca Muniz

Imagem: Minussi Filmes, do pai Ricardo Minussi , está registrada no mesmo endereço do escritório de advocacia Wright Minussi, do filho Ricardo Wright, investigado pela PF na operação do uso ilegal da Abin – Alice Maciel/Agência Pública

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