Há muitos e muitos séculos, existiu um curioso país chamado Do Sol. Era uma sociedade muito primitiva, ainda do tempo em que a humanidade se dividia em países. Mas como toda sociedade daquele tempo, achava-se muito desenvolvida e esclarecida. Mas havia uma diferença do país Do Sol para os outros.
O povo de todo país daquele tempo se achava melhor e mais sábio que os demais, especialmente os de sua elite, que se achava não apenas superior em ideias e pensamentos aos de outros países, mas também superior aos de sua própria gente. Mas a elite do país Do Sol era diferente.
Tinha verdadeiro asco de seu próprio povo. E amavam as ideias, coisas e pessoas dos países mais ricos. Apesar de serem solares como todos os outros nascidos por lá, desejavam ser estrangeiros. Tinham vergonha do país Do Sol. Aprendiam a língua dos outros. Aplaudiam as ideias dos outros. Tudo dos outros era bom. E tudo que vinha do seu povo de verdade, era coisa desprezível.
Provavelmente, pensavam assim por causa de sua história. Houve escravidão por um longo momento. Mas mesmo após seu fim, todos permaneceram escravocratas. Antes, haviam os escravos da lavoura e do trabalho pesado e os escravos dos trabalhos domésticos dos patrões estrangeiros. Depois, haviam os trabalhadores, que eram tratados do mesmo jeito que os escravos da lavoura. E a elite, que pensava do mesmo jeito que os escravos da casa dos patrões, que defendiam os patrões e se sentiam da família.
Esta sociedade desenvolveu-se assim, cheia de conflitos internos e nenhum conflito externo porque sua elite não hesitava em prejudicar o povo para satisfazer aos estrangeiros, do mesmo jeito em que os escravos domésticos não hesitavam em prejudicar os seus para agradar aos patroezinhos. As coisas, as ideias, as pessoas, tudo do estrangeiro era bom e bem melhor que as coisas do país Do Sol.
Claro que isso significava uma piora constante para a vida do povo em geral, mas esta não era uma preocupação real das elites do país Do Sol. Preocupavam-se mesmo era com a eventual perda da docilidade daquele povo.
Às vezes, alguns se revoltavam contra a sociedade e contra as leis daquele lugar. E espalhavam a mais crua violência. Enquanto a violência estivesse apenas nas periferias, não era um problema, mas às vezes ela transbordava para as áreas da elite. Neste momento as elites diziam que o crime passou dos limites.
Cada vez que a violência passava dos limites atingindo alguém da elite, surgiam reivindicações de mais violência para acabar com a violência. Até que a elite ousou fazer o que até então só se especulava à boca miúda. Realizar a solução final da violência. Eliminar a gente pobre.
Cercaram as áreas pobres, amontoaram a população em pequenos espaços e bombardearam as construções. Dilaceraram casas e corpos. Doenças, fome e sede mataram outros tantos.
A elite comemorava a cada centena de mortes de pobres, para eles, todos bandidos. Alguns protestaram contra o que chamavam de genocídio, mas eram rapidamente desqualificados pela elite. Os jornalistas, todos da elite, diziam com elegância que as coisas estavam indo bem e que os estrangeiros estavam gostando.
Em pouco tempo, só havia gente da elite por lá. O trabalho pesado era feito por máquinas. E a elite Do Sol se divertia bajulando e esperando alguma migalha de consideração dos estrangeiros que iam até lá passear por suas belas praias. Violências continuaram acontecendo, mas agora só passavam do limite quando atingiam um estrangeiro.
O país Do Sol teve seu fim quando os estrangeiros o cercaram e bombardearam para acabar com aquela gente pusilânime, bajuladora e violenta. E só então as elites dos estrangeiros puderam aproveitar aquelas praias paradisíacas longe da gentalha de seus países.
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Ilustração: Mihai Cauli