Como Paul Robeson se tornou socialista?

Os encontros de Paul Robeson com o movimento trabalhista internacional inspiraram sua trajetória socialista e anti-imperialista.

Por Taylor Dorrell, na Jacobin

Num fresco dia londrino em 1928, o admirável ator e cantor afro-americano Paul Robeson sentou-se para um almoço muito aguardado. Junto a ele estavam seus novos conhecidos: a Miss Douglas, o dramaturgo irlandês Bernard Shaw e a Miss Calvin Coolidge, esposa do presidente dos EUA, Calvin Coolidge. Robeson testemunhou um debate acalorado entre Shaw e Coolidge. O tópico era o socialismo. “Quando Shaw me perguntou o que eu achava do Socialismo”, recordou mais tarde Robeson, “eu não tinha nada a dizer. Eu nunca realmente tinha pensado sobre o Socialismo.”

Nascido em Princeton, Nova Jersey, em 1898, Paul Robeson estava naquele momento nos estágios iniciais de uma carreira de atuação e canto que lhe rendeu fama internacional, quase sem precedentes. Esta fama veio em parte devido a uma variedade de talentos que possuia. “Nunca deixei de me surpreender com a combinação em uma pessoa de tanta força, grande ternura e intelectualidade”, escreveu o cantor folclórico comunista Pete Seeger sobre Robeson.

Ele exibia a grande força sendo jogador profissional de futebol americano, a ternura de um ator de palco e a intelectualidade de um advogado que, apesar do preconceito racial, se formou no topo de sua turma. Como homem negro de um país segregado, filho de um ex-escravo com ancestrais que foram forçados a deixar sua terra natal. Robeson lutou contra os preconceitos raciais que tinham direcionado a ele, optando em vez disso por construir “o desenvolvimento mais rico e elevado do seu próprio potencial”.

Durante o final dos anos 1920 até a década de 1930, Robeson viveu em Londres, onde sua vida foi agitada pessoal, profissional e politicamente. Com o avanço do século XX, ele se tornou um dos mais sinceros defensores do socialismo. Essa posição política levou os Estados Unidos a revogarem seu passaporte, colocarem-no em uma lista proibida e apagarem seu nome dos livros de história.

O americano mais respeitado de Londres

Robeson estava em Londres em 1928 para a estreia de Show Boat no Drury Lane Theatre. O musical de Jerome Kern e Oscar Hammerstein II, baseado no romance de Edna Ferber com o mesmo nome, incluía um personagem, Joe, escrito para um ator negro de renome. Devido a conflitos de agenda, Robeson estava visivelmente ausente da primeira exibição na Broadway, mas no Drury Lane, sua voz profunda e retumbante cantou sua agora famosa interpretação de Ol’ Man River.

Embora breve, esse momento no espetáculo deixou uma impressão duradoura no público. Marie Seton, atriz, crítica e amiga britânica de Robeson, recordou no livro Paul Robeson:The Great Forerunner que “todo o resto em Show Boat foi esquecido tanto pelo público quanto pela crítica”. Ele foi contratado como cantor no mesmo teatro, atuando em Show Boat todas as noites enquanto fazia um concerto solo aos domingos. Foi neste momento que todos, desde a intelligentsia de Chelsea até a juventude de Clapham, estavam falando sobre Paul Robeson. Ele se tornou, como Seton observou, “o americano mais admirado e respeitado em Londres”.

Paul e sua esposa, Essie, decidiram ficar em Londres, comprando uma casa em Hampstead com vista para a natureza. A imprensa londrina cobriu extensivamente as participações dos Robesons em eventos sociais, onde eles se misturavam, com uma certa hesitação, com algumas das pessoas e famílias mais proeminentes da cidade. “Dentro de seis meses, os londrinos liam sobre Robeson circulando em círculos onde raramente, se é que alguma vez, tinham ouvido falar de um ator circulando antes”, observou Seton; “entre aqueles que eram autoridades no Império Britânico, em sua economia e política, e entre os principais membros do Partido Trabalhista, que eram os oponentes tradicionais do imperialismo britânico”.

“Assim como Londres, aquela cidade uma vez descrita por um jornalista americano como um ‘receptáculo sem fundo do império’, abraçou Robeson, também o fizeram aqueles de todos os lados da luta anti-imperialista.”

Assim como Londres, aquela cidade uma vez descrita por um jornalista americano como um “receptáculo sem fundo do império”, abraçou Robeson, também o fizeram aqueles de todos os lados da luta anti-imperialista. Robeson lembrou uma grande festa organizada pelo editor e imperialista Lord Beaverbrook, que terminou com “nossa permanência com um grupo durante toda a noite depois que H. G. Wells acabara de se aproximar de mim e começar a me fazer muitas perguntas.”

O americano, que era tratado como cidadão de segunda classe por muitos de seus compatriotas em casa, acabou sendo convocado para uma Royal Command Performance (Performance de Comando Real), no Palácio de Buckingham, e fez amizade com membros do Parlamento. Foi também em Londres que Robeson se aproximou de líderes anti-coloniais, como Kwame Nkrumah do Gana, Jomo Kenyatta do Quênia e Jawaharlal Nehru da Índia.

Em novembro de 1928, Robeson foi convidado por um grupo de deputados trabalhistas para almoçar na House of Commons (Câmara dos Comuns). Sentado ao lado dele estava o ex-primeiro-ministro Ramsay MacDonald, que discutiu com Robeson o futuro das colônias britânicas. Mais tarde, Robeson foi acompanhado por James Maxton e Ellen Wilkinson até a sala de chá, onde eles informaram que o Distrito de Battersea, do outro lado do Tâmisa, havia reeleito o comunista de origem indiana e primeiro deputado de cor do Partido Trabalhista, Shapurji Saklatvala, um indivíduo cuja política o teria levado à prisão britânica se ainda vivesse na Índia.

Os efeitos duradouros dessas conversas eram evidentes anos depois. Em 1951, Robeson entregaria com William Patterson uma petição do Congresso dos Direitos Civis às Nações Unidas acusando os Estados Unidos de genocídio contra os negros americanos, argumentando que a violência policial prevalente, o racismo econômico e a negação dos direitos de voto naquela nação equivalem a “a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Como ele refletiu depois de deixar Londres: “Todo o meu desenvolvimento social e político foi na Inglaterra e eu me tornei tanto parte da vida inglesa quanto agora sou da América.”

Formação política

Em 1929, Robeson fez uma turnê pela Europa, ampliando ainda mais sua visão de mundo e entendimentos políticos. Ele testemunhou as lutas e culturas distintas, mas conectas ao continente, desde a pobreza do povo vienense até as semelhanças entre as canções folclóricas húngaras e os Black Spirituals. Ele cantou alguns desses  Spirituals no Albert Hall ao retornar à Londres, e depois em uma turnê local que incluiu Blackpool, Birmingham, Brighton, Torquay, Eastbourne, Folkestone, Margate, Hastings, Southsea e Douglas. “Desde muito cedo” Robeson lembrou, “eu tive a ideia de cantar no verão nos spas e resorts à beira-mar. Parecia-me uma maneira de alcançar o público britânico.”

Nesse período, Robeson também conheceu mineiros galeses em greve. Ele ficou encantado com as harmonias dos mineiros, que haviam viajado a pé do Vale do Rhondda para Londres para protestar contra salários miseráveis e condições perigosas, e ele se juntou ao protesto deles, iniciando um relacionamento duradouro e formativo. Os paralelos que ele percebeu entre a opressão racista dos negros americanos e a exploração dos mineiros e trabalhadores industriais da Grã-Bretanha, moldaram suas políticas socialistas e internacionalistas, com Robeson refletindo mais tarde: “Foi dos mineiros no País de Gales [que] eu primeiro entendi a luta do negro e do branco juntos.”

“Os paralelos que Robeson percebeu entre a opressão racista dos negros americanos e a exploração dos mineiros e trabalhadores industriais da Grã-Bretanha moldariam suas políticas socialistas e internacionalistas.”

Essa ligação com os mineiros galeses culminou no filme antirracista e trabalhista de 1940, The Proud Valley. Ambientado no sul de Gales, Robeson interpretou um marinheiro afro-americano desempregado acolhido pelos mineiros depois que líderes do coral o ouviram cantar. Entre seus numerosos papéis provocadores no cinema – em Show Boat, The Emperor Jones e King Solomon’s Mines – sua atuação em The Proud Valley continuou sendo um dos poucos personagens dos quais Robeson se orgulhou politicamente. No auge de sua carreira de ator, o radicalizado Robeson começou a recusar papéis degradantes, rasos e estereotipados, buscando em vez disso oportunidades para “representar o negro como ele realmente é – não a caricatura que ele sempre é representado na tela”.

“No auge de sua carreira de ator, o radicalizado Robeson começou a recusar papéis degradantes, rasos e estereotipados, buscando em vez disso oportunidades para ‘representar o negro como ele realmente é – não a caricatura que ele sempre é representado na tela’.”

Robeson contra a barreira racial

Éclaro que o tempo de Robeson em Londres nem sempre foi de inspiração positiva. Em 1929, Lady Colefax, uma anfitriã regular de festas para artistas e atores da cidade, o convidou, junto com Essie, para uma festa no Savoy Grill, onde o casal foi recusado na entrada. Descobriu-se que havia uma política não escrita entre a administração, inflamada pelos turistas americanos que frequentavam o local, para barrar pessoas de cor. Tal política teria sido comum nos Estados Unidos segregados ou mesmo em uma colônia britânica, mas foi inesperada em Londres – e após grupos da comunidade africana e das Índias Ocidentais convocarem uma conferência de imprensa, isso provocou um grande clamor.

Na semana seguinte do episódio, o deputado trabalhista James Marley anunciou que levantaria a questão na Câmara dos Comuns, e Ramsay MacDonald, em seu segundo mandato como primeiro-ministro, disse que era contra as práticas do hotel, embora tenha se recusado a intervir em nível governamental. Os Quakers criaram um “conselho conjunto negro-branco” para reunir a opinião pública contra o racismo; o Evening Standard, de Lord Beaverbrook, publicou um artigo de Richard Hughes pedindo uma investigação de todos os hotéis de Londres; gerentes de hotéis de uma variedade de estabelecimentos, incluindo o Mayfair, o Berkeley e o Ritz, se manifestaram contra as ações do Savoy Grill. Embora nenhuma ação legal tenha sido tomada, a opinião pública estava esmagadoramente do lado dos Robesons e contra a discriminação.

Assim como o escritor negro americano James Baldwin escreveria mais tarde sobre sua mudança para a França, “era preciso entrar em contato com essas instituições para entender que elas também eram obsoletas, exasperantes, completamente impessoais e muito frequentemente cruéis.” Foi em Paris, aquela cidade onde ele “não se sentia socialmente atacado, mas relaxado”, e que permitia que ele “fosse amado”, que Baldwin também foi preso por ter sido acusado de roubar lençóis.

Robeson também apreciava um grau de relaxamento social em Londres, em relação aos Estados Unidos, um país onde ataques violentos em seus concertos não eram incomuns. Mas ele experimentou em primeira mão e testemunhou as injustiças contínuas das hierarquias raciais e instituições europeias, com a polêmica do Savoy Grill sendo essa apenas um exemplo. Em outra situação, Robeson ouviu um aristocrata falando com raiva com um motorista particular, como se fosse um cachorro. Foi um evento muito menor, provavelmente refletido em cenas semelhantes acontecendo em toda a cidade naquele momento, mas abalou Robeson diretamente . “Percebi que a luta do meu povo negro na América e a luta dos trabalhadores oprimidos em todos os lugares eram muito parecidas”, refletiu. “Esse incidente me deixou muito triste por um ano.”

“Robeson apreciava um certo relaxamento social em Londres em comparação com os Estados Unidos, um país onde ataques violentos em seus concertos não eram incomuns. Mas ele também experimentou em primeira mão e testemunhou as injustiças contínuas das hierarquias raciais e instituições europeias.”

Poucos provavelmente entendiam essas contradições melhor do que Claudia Jones, uma mulher negra, ex-líder do Partido Comunista dos Estados Unidos, que após ser deportada dos Estados Unidos, fundou o West Indian Gazette – e mais tarde desempenharia um papel central na fundação do Notting Hill Carnival – em Londres. Seu jornal hospedou os Robesons em um evento descrito como “festivo” em 1959; “graças aos esforços de Jones, o casal foi recebido por percussionistas famosos de Gana”, escreve o biógrafo de Robeson, Gerald Horne. Em Londres, tanto Robeson quanto Jones poderiam desfrutar de uma cobertura da imprensa, que refletisse seu trabalho e suas conquistas, observou Horne, enquanto os jornalistas americanos só se importavam em sensacionalizar suas conexões com o Partido Comunista.

Uma mudança duradoura

O racismo e a exploração de classe que Robeson experimentou na Inglaterra não o desaceleraram. Em 1930, ele interpretou Otelo no palco em Londres, sendo o primeiro homem negro a fazê-lo em cem anos – ele deveria interpretar o papel nos Estados Unidos depois, mas a produção foi cancelada sob pressão racista. Em 1931, ele foi um dos primeiros cantores a gravar em um novo estúdio chamado EMI Recording Studios, que mais tarde se tornaria o Abbey Road Studios; em 1934, ele se matriculou na Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS), na Universidade de Londres onde estudou a cultura de seus antepassados africanos.

Naquele mesmo ano, a convite do diretor soviético Sergei Eisenstein, e junto com Essie e Seton, Robeson aventurou-se em sua primeira viagem à União Soviética, onde se sentiu “um ser humano pela primeira vez na vida”. Não foi apenas Eisenstein, grande amigo e mentor criativo de Robeson, que o teria convencido a fazer essa jornada. Múltiplas experiências em Londres inspiraram curiosidade nele, uma delas sendo uma conversa com o Decano da Catedral de Canterbury, que contou entusiasticamente a Robeson sobre o que ele tinha ouvido sobre o grande estado socialista.

Uma segunda situação, mais confrontadora, surgiu na League of Colored Peoples in London (Liga dos Povos de Cor em Londres), onde Robeson estava falando sobre a importância da cultura africana. Um homem se levantou no fundo e gritou para os intelectuais reconhecerem a dinâmica de classe das massas exploradas na África. “Por que você não vai para a África, especialmente porque você não segue o que está acontecendo na União Soviética”, gritou o homem. Robeson mais tarde refletiu sobre, admitindo que “aceitava o desafio”; “Um par de semanas depois, me vi em Moscou.”

Robeson estrelou vários filmes e peças britânicos do período entre-guerras antes de retornar permanentemente aos Estados Unidos às vésperas da Segunda Guerra Mundial, onde sua fama e política radical o colocaram na lista proibida, privando-o de seu direito de viajar para o exterior. Acontece que ele também estava sendo observado pelo MI5, enquanto estava na Inglaterra, que produziu um relatório em 1943, declarando que ele era “bastante anti-branco”.

Passariam anos antes que o macartismo diminuísse o suficiente para permitir que Robeson tivesse uma carreira e viajasse novamente. Mas a repressão não o impedia de tentar. Em maio de 1957, ele cantou para uma plateia lotada em Londres. Como não podia se apresentar pessoalmente, ele cantou através do recém-concluído cabo telefônico transatlântico. Em outubro, ele usou a mesma tecnologia para cantar para uma plateia de cinco mil pessoas no País de Gales. Mantendo-se firme na importância da conexão internacional para libertação coletiva, ele disse à plateia de Londres do outro lado da linha: “Indubitavelmente, o resultado [dessa solidariedade] será a atividade concreta aqui em torno da implementação de nossas liberdades básicas.”

TRADUÇÃO: PRISCILLA MARQUES

TAYLOR DORRELL é um escritor e fotógrafo baseado em Columbus, Ohio. É escritor colaborador da Cleveland Review of Books, repórter da Columbus Free Press e fotógrafo freelancer.

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