Abrasco se posiciona contra retrocessos no debate sobre direitos reprodutivos no Brasil

Na Abrasco

A Abrasco manifesta seu amplo repúdio ao texto do PL 1904/24 e ao conjunto de iniciativas de retirada de direitos e penalização das meninas e mulheres brasileiras a que este PL se vincula no campo político.

Os direitos sexuais e reprodutivos, uma dimensão dos direitos humanos, se fundamentam no respeito à liberdade e dignidade e se constituem referência para formulação de políticas públicas, que devem ser transversais/intersetoriais e baseadas nos princípios da integralidade. Estratégias como educação sexual nas escolas, aumento das campanhas de informação, acesso a métodos contraceptivos e serviços de aborto legal em todo o país, inclusive em cidades de médio e pequeno portes, são essenciais para avançarmos na garantia desses direitos.

É urgente que toda a sociedade disponha de informações completas e atualizadas sobre as situações de aborto permitido por lei e sobre a distribuição dos serviços de aborto legal de acordo por região/estado, considerando os conhecidos vazios assistenciais do território brasileiro. Além disso, os profissionais de saúde devem ser devidamente capacitados para realizar os procedimentos necessários em tempo oportuno, e acolher as meninas e mulheres de modo a minimizar seu sofrimento. É importante incluir o tema do aborto previsto e da violência sexual, principalmente na infância e juventude, em todas as etapas da formação em saúde e para todas as categorias profissionais (do/a agente de saúde ao médico/a).

A consolidação das Redes de Atenção à Saúde (RAS) e da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres (PNAISM) no âmbito do SUS é também fundamental para articular integralidade, universalidade e intersetorialidade no desenho destas estratégias, para que o acesso a esses direitos seja efetivamente garantido a todas as meninas, mulheres e pessoas que podem gestar e abortar.

Contudo, quem tem lutado contra TODAS essas estratégias que destacamos são justamente os representantes políticos da direita ultraconservadora brasileira.

Ao ignorar a Constituição Federal e acionar moralidades religiosas fundamentalistas para pautar políticas públicas, esse campo político tem defendido papéis tradicionais de gênero e da família que dificultam o debate sobre as violências sexuais no âmbito familiar (68% dos casos),  ao mesmo tempo em que buscam impedir as escolas de abordar a educação sexual que poderia prevenir e apoiar a identificação dos abusos. Ainda, atua para dificultar políticas públicas de cuidado contraceptivo, com desinformação e estigma generalizado. E impõe inúmeras barreiras ao direito ao aborto legal, no legislativo e nos territórios, impedindo meninas e mulheres de acessá-lo oportunamente, dado que os serviços para interrupção legal de gravidez existem em apenas 3,6% do território brasileiro.

Se, como vimos, a direita ultraconservadora tem atuado deliberadamente na produção do esvaziamento de direitos que tem ‘empurrado’ meninas e mulheres a situações de aborto com mais de 22 semanas de gestação; agora, perversamente, busca criminalizar essas pessoas, desejando retroceder a lei brasileira em mais de 80 anos.

O PL 1904 também abre margem para dificultar o acesso em duas outras situações de aborto legal já previstas em lei. A insegurança jurídica que o PL produz pode impor barreiras de acesso ao aborto de forma generalizada, incluindo a gestantes de fetos anencéfalos ou com risco de vida. No caso da anencefalia, os diagnósticos da malformação podem ocorrer acima de 20 semanas de gravidez. Impossibilitar a interrupção destas gestações, obrigando estas gestantes a leva-las adiante, amplia riscos à saúde delas e configura tortura física e emocional. Também nos casos de risco de vida da gestante, quando o aborto hoje está garantido na lei, o risco muitas vezes é apenas possível de diagnosticar no desenrolar da gestação, que pode ser desejada mas que, se continuar a termo, pode levar à morte meninas e mulheres.

Assim, o foco no tempo gestacional é também uma estratégia para desviar a atenção do fato que esse campo político atua desde sempre para impedir o acesso ao aborto legal em qualquer situação. Outro desvio no debate é o seu rebaixamento ao campo criminal, na contramão das políticas públicas recomendadas pela OMS, ONU e outros organismos internacionais. Estas políticas públicas de fato comprometidas com os direitos humanos são taxativas: aborto é questão de saúde pública, de justiça social e de enfrentamento das iniquidades que impedem a autonomia e põem em risco a vida de meninas e mulheres.

Reivindicamos a retirada da pauta do PL1904/24, mas também convocamos a sociedade brasileira e suas organizações democráticas a se manter alertas e a enfrentar assertivamente o conjunto das ações que têm impedido que meninas e mulheres possam desfrutar plenamente de direitos sexuais e reprodutivos.

Nos colocamos ao lado das feministas latino-americanas que clamam:

Educação sexual para prevenir;
Contracepção para desfrutar e não engravidar;
Aborto legal para decidir e não morrer!

Finalizamos lembrando que, junto com o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes),  a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), a Rede Unida e o Partido Socialismo e Liberdade (Psol), a Abrasco move no STF a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 989. O processo reivindica que o Estado deve garantir condições seguras de assistência ao aborto em casos de estupro, risco de vida e anencefalia, conforme previsto na legislação, prevendo atendimento imediato, seguro e humanizado a vítimas de violência sexual, inclusive com oferta de contracepção emergencial, quando aplicável.

Acesse o documento na íntegra.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

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