Projeto de lei que busca reconhecer direitos a comunidades pesqueiras tradicionais atende ao previsto na Constituição, defende MPF

Tema foi discutido em audiência pública realizada nesta terça-feira (13) na Câmara dos Deputados

O projeto de lei que pretende conceder a comunidades pesqueiras tradicionais a preferência para acesso e uso dos recursos naturais presentes no território onde vivem atende ao previsto na Constituição Federal ao assegurar a esses grupos o exercício de seus direitos culturais e os relativos à alimentação, trabalho, família, saúde e subsistência. Esse foi o posicionamento defendido pelo subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia em audiência pública realizada nesta terça-feira (13) pela Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados.

O encontro discutiu a proposta (PL n° 131/2020) que tramita na Casa Legislativa e prevê, além da preferência no acesso aos recursos, o direito à consulta prévia em caso de planos, projetos ou decisões que possam afetar as superfícies de terra ou os corpos d´água utilizados por populações pesqueiras tradicionais em suas atividades produtivas.

Na avaliação de Luciano Mariz Maia, integrante da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), o projeto de lei resgata uma dívida histórica do Parlamento brasileiro para com as pessoas que vivem da pesca tradicional. O texto permite não só a subsistência desses grupos, mas também reconhece a cultura e o conhecimento produzidos, mantidos e transmitidos pelos integrantes dessas comunidades. “Não existe atividade mais dependente da transmissão do conhecimento do que a pesca artesanal”, diz ele, lembrando que o direito à cultura de populações tradicionais está previsto na Constituição Federal nos arts. 215 e 216.

Direito à consulta – O PL também dialoga com a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, uma vez que estabelece que a caracterização das comunidades pesqueiras como grupos tradicionais será feita por meio do critério da autoidentificação, previsto na norma internacional. O subprocurador-geral da República destaca que, conforme entendimento já consolidado pela 6CCR, as comunidades tradicionais estão inseridas no conceito de povos tribais fixado pela Convenção nº 169 da OIT. Ao mesmo tempo, o PL reafirma o direito à consulta prévia, livre e informada no caso de projetos ou atividades que tenham impacto nos territórios ocupados por esses grupos e nos corpos hídricos por elas utilizados, também estabelecido pela convenção.

As populações que forem reconhecidas como tradicionais terão direito ao território, com titulação coletiva de áreas em favor do grupo, o que configura uma proteção adicional. “Quando se assegura à comunidade pesqueira tradicional o direito ao território e o acesso preferencial às fontes de subsistência, é possível ter o reconhecimento de todo um conjunto de outros direitos, como os relativos à alimentação, ao trabalho, à família e à existência”, explica.

O subprocurador-geral ainda lembra que as comunidades pesqueiras despenham um importante papel na preservação do meio ambiente. “No exercício da sua atividade, o pescador e a pescadora passam a conviver diretamente com a natureza. O conhecimento acumulado permite que eles possam identificar precocemente o que está afetando a natureza ou quem está causando danos ao meio ambiente”. A possibilidade de fomento a práticas econômicas sustentáveis é uma justificativa adicional para a proteção das comunidades.

Citando o poema “Morte e Vida Severina”, do autor pernambucano João Cabral de Melo Neto, em trecho que narra o encontro do personagem principal (um retirante) com um pescador, Luciano Mariz Maia enfatizou a importância da legislação para a proteção dos grupos tradicionais. “Trabalhadores e trabalhadoras na pesca realizam a vida a cada dia, produzem alimentos, produzem cultura. E, com a palavra que se torna lei, a Câmara dos Deputados pode contribuir para defender a vida”, concluiu.

Arte: Secom/MPF

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