Vídeos de Marçal que infringem lei eleitoral foram vistos mais de 825 milhões de vezes

Conteúdos motivaram MP a pedir suspensão da candidatura do guru motivacional a prefeito de São Paulo

Por Amanda Audi | Edição: Mariama Correia, Agência Pública

Cortes de vídeos do guru motivacional e candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB), que violam a lei eleitoral, segundo o Ministério Público Eleitoral, já foram vistos mais de 825 milhões de vezes no YouTube e TikTok até o último domingo (18). As contas que divulgam os vídeos somam mais de 8,1 milhões de seguidores apenas nas duas redes sociais.

A maior parte dos cortes se concentra no TikTok: a rede social registrou mais de 500 milhões de visualizações em 6,5 mil vídeos de Marçal. No YouTube, foram 315 milhões de visualizações em 7 mil vídeos. Em média, cada vídeo foi visto mais de 10 milhões de vezes.

Os vídeos motivaram o Ministério Público Eleitoral a pedir a suspensão do registro de candidatura de Marçal e a abrir uma investigação por suspeita de abuso de poder econômico.

O levantamento do alcance dos vídeos foi feito de forma independente por João Pedro Procópio, especialista em Comunicação e Marketing, que compartilhou os dados com exclusividade com a Agência Pública. Ele acredita que o volume de vídeos deve ser bem maior, uma vez que a busca não contemplou outras redes sociais, como Facebook e Kwai, que também recebem os cortes.

No Instagram, Procópio encontrou ao menos 23 páginas dedicadas aos cortes, que já publicaram centenas de vídeos. “Fiz [a pesquisa] por enxergar um abuso de poder econômico na construção desse ecossistema para disseminar conteúdo do candidato”, disse.

Marçal turbina a sua campanha com promessa de dinheiro fácil a pessoas que façam cortes de vídeos dele e postem nas redes. Ele já falou sobre isso em entrevistas e lives – que também viraram cortes de vídeos, que abastecem as redes sociais. Em um dos mais populares, ele diz que “têm garotos de 18 anos ganhando R$ 400 mil com meus cortes”.

Um canal do Discord chamado “Cortes do Marçal” promove competições diárias que premiam os usuários com mais visualizações. O vencedor leva R$ 200. O segundo e terceiro lugares, R$ 100 e R$ 50, respectivamente. Também há “campeonatos”, com duração de alguns dias, que distribuem prêmios de R$ 300 a até R$ 5 mil, dependendo do grau de viralização.

Tecnicamente, o campeonato atual é para promover cortes de Marcos Paulo, um palestrante e sócio de Marçal. No entanto, quase todos os cortes são de Marçal – é possível verificar pelos vídeos postados pelos próprios usuários no canal para fins de contabilidade para os prêmios.

O canal do Discord é gerido por dois administradores que, no LinkedIn, se apresentam como funcionários da PLX Digital, empresa de marketing de Marçal e Marcos Paulo. A conexão do canal com a empresa de Marçal não é mencionada de forma clara aos usuários em nenhum momento.

Além disso, vários canais populares publicam vídeos ensinando como usar inteligência artificial para fazer cortes. Os títulos são autoexplicativos: “Como criar 200 cortes do Pablo Marçal com 1 clique para monetizar”, “Como entrar no Discord do Pablo Marçal”, “Ganhando R$ 250 por dia com cortes do Pablo Marçal”, entre outros.

O próprio Marçal vende por R$ 12 um curso online chamado “Fique rico com cortes”. “Tenha acesso a todo material e instrução para fazer pelo menos 10 mil reais por mês com cortes do Pablo Marçal”, diz a descrição do curso, oferecido pela empresa Marçal Produtos Digitais.

Fernando Neisser, especialista em Direito Eleitoral, diz que os vídeos infringem “frontalmente” uma série de leis eleitorais. “Há desde 2009 a proibição de pagar para que façam divulgação eleitoral de um candidato na internet, que é o que o Pablo Marçal tem feito”, afirma.

“Usando inteligência artificial, isso se torna ainda mais grave, porque uma resolução atualizada este ano exige que todo uso de IA seja informado. A lei também impede propaganda em páginas anônimas, o que também é o caso”, continua.

Para ele, Marçal poderia argumentar que parte das postagens foi feita antes do início da campanha, mas “isso não se sustenta a partir do momento em que ele anunciou que seria candidato”. “São postagens que favorecem a campanha, então pouco importa o momento.”

A assessoria do candidato disse que “não há financiamento nenhum por trás disso, nem na pré-campanha, nem na campanha”. A Pública perguntou sobre os administradores do canal serem funcionários de uma empresa de Marçal, mas ainda não recebeu resposta.

De acordo com o Ministério Público Eleitoral, que foi provocado a pedir a suspensão da candidatura por uma representação do MDB, “ao estimular o eleitorado a propagar as mensagens eleitorais pela internet, o candidato, sem declarar a forma de pagamento e computar os fatos financeiramente em prestação de contas ou documentações transparentes e hábeis à demonstração da lisura de contas, aponta para uma quantidade financeira não declarada, não documentada e sem condições de relacionamento dos limites econômicos utilizados para o ‘fomento eleitoral’ de tais comportamentos, desequilibrando o pleito eleitoral”.

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