Município de Aracruz tem três candidatos indígenas, um deles em busca da reeleição
Por Mariah Friedrich, Século Diário
Diante da crescente demanda por representatividade das comunidades tradicionais, assim como as sucessivas violações a direitos e a crise climática que as coloca em condições de maior vulnerabilidade, movimentos sociais em defesa dos povos indígenas e quilombolas e dos direitos da natureza se mobilizam por candidaturas proporcionais nas eleições deste domingo (6).
Campanhas como “Quilombola Vota em Quilombola”, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), e “Parente Vota em Parente”, organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), divulgam representantes nos estados, com o compromisso de defender as comunidades e os territórios, e garantir que suas vozes sejam representadas nas esferas de poder.
A disputa eleitoral deste ano registrou um avanço quanto à representação política, com o aumento de candidaturas indígenas, alcançando 14,13% do total, como revelam os dados do estudo “Perfil do Poder – Eleições 2024”, publicado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com o coletivo Common Data.
Além disso, houve um leve aumento na participação de mulheres no pleito, que somam agora 33,96% das candidaturas. No caso dos quilombolas, que puderam se autodeclarar pela primeira vez ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), representam 0,76% do total de candidaturas, somando 3,4 mil.
As campanhas nacionais surgem para apoiar e fortalecer candidaturas comprometidas com a luta de cada grupo, que passam por autonomia e direito ao território, preservação ambiental, resgate cultural e fortalecimento da juventude e das mulheres, entre outros direitos essenciais como segurança, saúde e educação.
Resistência indígena e quilombola
Uma das principais conquistas eleitorais dos últimos anos para a luta dos povos originários foi o mandato de Vilson Jaguareté, que se destacou como o vereador mais votado de Aracruz, no norte do Espírito Santo nas eleições de 2020, com 1,3 mil votos, pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Candidato à reeleição, ele aponta a importância de abrir espaços para mais indígenas atuarem na política institucional. “Antes, a comunidade ainda não entendia bem a importância de se ter um vereador indígena. Com os avanços do mandato, acreditamos que teremos mais cadeiras na Câmara Municipal e até em outros espaços”, afirma.
A atuação de Vilson no legislativo no município que concentra as terras indígenas Guarani e Tupinikim, impactadas por vários empreendimentos, principalmente da Suzano Papel e Celulose (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria), foi marcada pela criação da Lei da Política Indigenista, inédita, e que assegura reconhecimento e valorização dos povos indígenas, e ações como a estruturação das Unidades Básicas de Saúde Indígenas e articulações com o poder executivo para criação do CRAS indígena.
Além disso, inspirou outras lideranças a buscarem ampliar a representatividade indígena, como a Cacique Marcela, segunda mulher a ser cacique em Aracruz, liderando a aldeia Tupinikim Irajá. Candidata pelo mesmo partido, Marcela defende que é essencial garantir que a Câmara seja também um espaço de voz para as mulheres indígenas, promovendo a diversidade de gênero nas decisões políticas.
“Temos uma luta muito grande, são dezenas de empreendimentos ocupando o território indígena em Aracruz, e por mais que na última eleição conseguimos colocar um vereador indígena pela primeira vez na história da câmara municipal, precisamos fazer história também com a presença de mulheres lá”, destaca.
Representante da comunidade de Comboios, Toninho Comboios, também Tupinikim, concorre pela primeira vez ao cargo de vereador, e cita como principais gargalos a serem tratados a criação de uma secretaria indígena gerenciada para atender os assuntos das comunidades e do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), uma unidade do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), para atender a população do Espírito Santo. Ele também destaca a importância da formação de um conselho de educação de professores indígenas e a criação de uma secretaria gerenciada para atender os assuntos das comunidades.
“Estamos em uma linha geográfica diferente, então, por toda a dificuldade de vários acessos, à educação, à saúde, ao esporte, à cultura, a comunidade optou por ter o seu representante voltado para o território de Comboios, buscando mecanismos para que essas vozes sejam ouvidas”, destaca o candidato pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Também cercados por eucaliptais da Suzano e alvos de todo tipo de violações, e há décadas na luta para terem seu território titulados, os quilombolas de Conceição da Barra, cidade que junto com São Mateus forma o antigo território do Sapê do Norte, apresentam duas candidaturas este ano, Wagner Martins, do quilombo urbano Santana, e de Negona, do quilombo de Linharinho, pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
João de Angelim, coordenador estadual quilombola e coordenador das duas campanhas, observa que existem cerca de 20 mil quilombolas no Espírito Santo, e o principal desafio dos candidatos que representam as comunidades tradicionais é aplicar políticas públicas canalizadas desde Brasília.
“Não temos uma abertura ou participação dentro da Câmara de Vereadores ou até mesmo na gestão executiva, por isso enfrentamos muitas dificuldades para que as políticas públicas sejam efetivadas, principalmente as que vêm do governo federal, como moradia quilombola, luz, água, saneamento básico, território titulado, sementes para plantio e defesa ambiental”, acrescenta João Angelim.
Outro nome divulgado pela Conaq é de Júlia Quilombola, do MDB, que disputa a Câmara de Presidente Kennedy, na região sul.
Justiça Ambiental
Na Capital, Ana Paula Rocha, candidata a vereadora pelo Psol, conta com apoio da Rede Nacional pelos Direitos da Natureza e traz uma perspectiva que integra os direitos dos entes naturais com a luta pelos direitos dos povos tradicionais e contra o racismo ambiental.
A professora de história e moradora do Morro do Romão também destaca as questões ambientais que afetam diretamente as comunidades periféricas e as áreas mais altas da cidade, majoritariamente habitadas por mulheres negras, como enchentes, degradação dos recursos hídricos e a poluição provocada pela mineração das gigantes do Complexo de Tubarão, Vale e ArcelorMittal.
Ana Paula Rocha reforça a importância do aquilombamento e da organização da resistência coletiva, inspirada na experiência concreta de quilombos históricos. “Quando a gente fala em quilombo, fala em organização preta, de resistência e de produção de vida a partir das bagagens ancestrais que a gente trouxe de África e dão referência para a construção coletiva. Então, afirmar uma candidatura de aquilombamento é pensar a realidade e organizar nosso território apostando nas tecnologias sociais criadas pela nossa comunidade”, conclui.