Ainda Estou Aqui: Há 53 anos, intelectual cobrou na mídia respostas sobre o desaparecimento de Rubens Paiva

Pelas vias institucionais, nem a família, nem os advogados de Rubens Paiva conseguiram obter informações; veja o artigo de Tristão Athayde

Por Redação GGN

Tristão Athayde é o pseudônimo de Alceu Amoroso Lima, um escritor, crítico literário, jornalista e líder católico brasileiro que, em 1971, escreveu um artigo para a Folha de S. Paulo, cobrando das autoridades uma resposta sobre o desaparecimento do então ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado pelos militares há cerca de um mês quanto o texto foi publicado.

O intelectual lembra que a sociedade e o governo fizeram esforços quando do sequestro do cônsul Aloísio Gomide por terroristas uruguaios, não descansando até obter respostas. Mas, mesmo pelas vias institucionais, nem a família, nem os advogados de Rubens Paiva conseguiam descobrir seu paradeiro ou o motivo pelo qual foi levado pelos agentes da repressão, numa prisão à margem da legalidade.

O artigo tem 53 anos e é resgatado em meio à estreia, nos cinemas, do filme Ainda Estou Aqui, que narra a história de Ivone, companheira e mãe dos filhos de Rubens Paiva, que também chegou a ser presa com o marido e a filha de 16 anos.

O artigo transmite a indignação de Tristão Athayde com a arbitrariedade com que os fatos se davam durante a ditadura militar. “Que dizer de um caso em que se sabe como o fato se deu, mas não por que se deu e, o que é mais trágico, qual o destino dado à vítima de tão revoltante atentado!”, escreveu ele.

Trágica interrogação. Por Tristão Athayde

FSP, 25/02/1971

Há vários meses que o Brasil inteiro participava do drama provocado pelo sequestro do cônsul Aloísio Gomide por terroristas uruguaios. Revoltou-se contra a implacabilidade do Governo uruguaio, que se recusou terminantemente a proceder, como os seus sequestradores, da maneira racional e humana com que agiu, em casos semelhantes, o nosso próprio Governo. E finalmente acompanhou, comovido, os passos que a esposa do nosso cônsul deu para obter, particularmente, com o apoio da generosidade do povo brasileiro, o que não conseguiu da intolerância do Governo uruguaio.

Pois bem, chegou a hora de participarmos todos de um drama semelhante, ocorrido entre nós e que é cercado de circunstâncias ainda mais revoltantes. É o caso do engenheiro e ex-Deputado Rubens Beyodt Paiva, preso em sua residência no dia 20 de janeiro e até hoje totalmente desaparecido. Do nosso cônsul se sabe que esteve em poder dos tupamaros e foi libertado, graças a um resgate em dinheiro. Do outro seqüestrado, porém, nada conseguem saber, bem sua família, nem seus advogados. Nem mesmo se conhece, os motivos de sua prisão.

Deputado federal por S. Paulo, teve seus direitos políticos suspensos em 1964. Mas nunca mais, desde então, participou de atividades políticas. Não foi aberto contra ele qualquer inquérito policial-militar. Não lhe foi feita jamais qualquer acusação. Dedicou-se desde então, exclusivamente, à sua família e à sua carreira profissional. Inesperadamente, no Dia de S. Sebastião, é preso, em sua residência, juntamente com uma filha de 16 anos e sua sua esposa. Aquela foi liberada no dia seguinte. Esta, 12 dias depois. Foram todos levados para o quartel da Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita. Quando, dias depois, mostraram à sua esposa um álbum de fotografias dos presos daqueles dias, ela pôde ver claramente não só sua própria fotografia, e da filhinha, mas também a do seu marido. Solicitado habeas-corpus ao Superior Tribunal Militar, pelo advogado Lino Machado Filho, as informações dadas pelo comandante do I Exército foram de que nem o engenheiro, nem sua esposa nem sua filha tinham estado em unidades da área do I Exército!

A inquietação da família cresceu de vulto com uma notícia anônima, distribuída aos jornais e divulgada pela televisão no dia 28 de janeiro, insinuando que houve no Alto da Boa Vista uma operação de resgate (?), feita por terroristas, de um preso de alta categoria social. Notícia absolutamente inverossímil e desacompanhada de qualquer autenticidade ou da mais vaga comprovação. A vítima desse misterioso desaparecimento nunca pertenceu a qualquer movimento político, desde sua cassação como Deputado federal, e não tem ligação alguma com elementos subversivos. Só há três fatos inequívocos em todo esse enredo: foi preso em sua residência por agentes do poder público; recolhido a um quartel da Polícia do Exército e desde então ninguém consegue saber do seu destino. E tal situação angustiosa dura há mais de um mês, embora todos os recursos legais tenham sido utilizados para se conseguirem informações sobre o paradeiro da vítima desse verdadeiro sequestro.

O mínimo a que tem direito a opinião pública em face de um atentado tão insólito, que não só angustia um lar de modo intolerável, mas põe em risco a segurança de todos os lares em nossa terra, é seguramente uma clara informação das autoridades públicas. E um inquérito promovido para averiguar os acontecimentos e localizar a vítima. Na carta que a Conferência Nacional dos Bispos acaba de dirigir, solidarizando-se com D. Valdir Calheiros, Bispo de Volta Redonda, há o seguinte trecho: “Ousamos esperar que, daqui para frente, não se prendam pessoas sem observância das prescrições legais de comunicação à autoridade judicial, tornando-as incomunicáveis sem que elas nem seus familiares saibam como esse fato sucedeu”.

Que dizer de um caso em que se sabe como o fato se deu, mas não por que se deu e, o que é mais trágico, qual o destino dado à vítima de tão revoltante atentado!

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.

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