Feito o indiciamento de Bolsonaro e (parte da) sua patota, a denúncia fica para o ano que vem. O ano que vem, que ainda por cima amanhecerá com Trump.
por Sylvia Debossan Moretzsohn, em Come Ananás
Existem muitas maneiras de se esfriar um jogo, quando um time está sendo pressionado.
O jogador desse time cai no chão, simula alguma contusão.
O técnico providencia alguma substituição.
Ou pede tempo. (aqui não falo de futebol, mas de outros esportes em que a regra o permite).
Frequentemente dá resultado: a equipe recupera fôlego, se reestrutura, reage.
Eu entendo que é preciso muita prudência e muito rigor na apuração dos fatos.
Ainda mais quando se trata de militares de alta patente. Ou, melhor dizendo, da “família militar”.
Mas, uma vez que se reúnem os elementos fundamentais para uma denúncia, qualquer protelação abre campo à reação.
A rigor, os elementos estavam aí há muito tempo.
A rigor, Bolsonaro teria de ter perdido seu mandato de deputado e seus direitos políticos em 2016, por causa daquele voto aberrante e criminoso em homenagem ao ícone da tortura.
A rigor, Bolsonaro teria de ter sofrido impeachment pela forma como exerceu seu mandato. Sobraram evidências: a conduta durante a pandemia, a convocação de embaixadores para promover suspeitas contra o sistema eleitoral, a permanente disseminação de mentiras, as reuniões que realizava com seus ministros. Finalmente, seu comportamento após a derrota eleitoral, que jamais reconheceu. A minuta do golpe. A falsificação da caderneta de vacinação. E o caso das joias.
As evidências ficaram quicando na pequena área durante anos. A ponto de virar piada a expressão de espanto que volta e meia ressurgia: “agora ele passou de todos os limites”.
Pois muito bem: nada disso foi suficiente para metê-lo em cana, e a seus cúmplices.
Agora então é realizada uma investigação detalhada que traz uma grande e escandalosa novidade: o plano golpista incluía assassinato.
Um triplo assassinato.
Agora então é feito o indiciamento de Bolsonaro e (parte da) sua patota.
Mas a denúncia fica para o ano que vem.
O ano que vem, que ainda por cima amanhecerá com Trump.
Não é possível, não é lógico, não é aceitável que se permita a essa gente ganhar tempo e, com isso, um poderoso aliado externo.
E não se trata de nenhum açodamento irresponsável, para dar satisfação à “plebe ignara”, à multidão, à turba, que quer condenação a qualquer custo, como diz o jurista Pedro Estevam Serrano, pelo simples motivo de que não tem plebe nenhuma exaltada nas ruas exigindo justiça. Tem apenas meia dúzia de gatos (escaldadíssimos, e exaustos) esperneando nas redes.
Antes houvesse essa plebe indignada. Significaria que ela entende a necessidade de defender a democracia. Mas, se entendesse, se tivesse formação política, Bolsonaro jamais teria sido eleito, muito menos quase reeleito, depois de quatro anos.
E a própria intervenção do Serrano, no 247 (que reproduzo nos comentários), é muito enfática e esclarecedora: “a Polícia Federal fez um excelente trabalho. Está provado que essa gente conspirou contra a democracia, iniciou a execução e só não deu o golpe porque não conseguiu. Porque, se conseguisse, daria”.
Está provado.
Então, o que estamos esperando?
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Brasília, dezembro de 2023: o procurador-geral da República, Paulo Gonet, durante sessão de encerramento do Ano Judiciário, no Supremo Tribunal Federal (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil).