Plano para assassinar autoridades federais mostra existência de projeto fascista no Brasil. Entrevista especial com Moysés Pinto Neto

Segundo o doutor em Filosofia, as instituições brasileiras estão podres, especialmente o Exército brasileiro, que sustenta um projeto colonialista

Por: André Cardoso, IHU

O plano de assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, o indiciamento feito pela Polícia Federal de Bolsonaro e outros atores importantes do bolsonarismo, além das tratativas para a tentativa de golpe em janeiro de 2023, voltaram à pauta com as últimas notícias e colocam em alerta a democracia brasileira.

Dando sequência às análises e tentativas de compreender a dimensão desses novos fatos, iniciadas na última sexta-feira com as entrevistas de Miguel Rossetto, João Pedro Schmidt e Rudá Ricci, o doutor em filosofia Moysés Pinto Neto, em entrevista por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, afirma que a divulgação desse projeto de assassinato e golpe mostra “como existem, no coração das instituições, projetos fascistas que estão abertos a quem quiser ver”.

Moysés da Fontoura Pinto Neto é doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, com período-sanduíche no Centre for Research in Modern European Philosophy, no Reino Unido. É editor do canal Transe e fundador da plataforma educacional Alternativa Hub.

Confira a entrevista.

IHU – Qual a gravidade do plano de assassinato preparado pelos militares em 2022 contra o presidente eleito e ministros do STF?

Moysés Pinto Neto – A gravidade máxima. Estivemos diante da possibilidade de um golpe de Estado em sentido clássico, com o assassinato de opositores e a tomada violenta do Estado. O que podemos pensar, nesse caso, é na irresponsabilidade daqueles que eufemizaram e eufemizam até hoje o fascismo que compõe o bolsonarismo. Muitos liberais e centristas, sem falar na própria direita conservadora, têm tentado suavizar o tamanho da ruptura preconizada explicitamente pelos bolsonaristas usando todo tipo de artifício, em especial a desliteralização do que é dito. Então, alguém diz: “é preciso que os militares tomem o poder”, e logo chega o ideólogo de bom senso, aquele que quer “superar a polarização”, para dizer: “veja bem, não é isso, é apenas um grito de desespero”. Adorno e Horkheimer disseram muito bem: “Uma das lições que a era hitlerista nos ensinou é a de como é estúpido ser inteligente”.

IHU – Como avalia este projeto tão articulado e detalhado pela alta cúpula do Exército para assassinar autoridades federais?

Moysés Pinto Neto – Mostra como existem, no coração das instituições, projetos fascistas que estão abertos a quem quiser ver. Em detrimento disso, procura-se o tempo todo relevar as “instituições”, como se elas estivessem imunes aos sujeitos que as compõem. Mas tudo isso pressupõe a metafísica liberal, que é o individualismo moderno, como se os indivíduos já estivessem formados em termos de caráter e a instituição fosse simplesmente algo externo a eles, regrada por normas jurídicas. Nada disso é exato. As estruturas produzem os sujeitos em processos de subjetivação. Trata-se, portanto, de tendências que os moldam o tempo todo. São as instituições que estão podres, em particular essa instituição que só serviu para sustentar o projeto colonialista, interno ou externo, ao longo de toda sua existência: o Exército.

IHU – O golpe estava tão ou mais iminente do que em 64?

Moysés Pinto Neto – Acho difícil comparar. O que ambos têm em comum é uma sucessão de acontecimentos que vão se aprofundando com o passar do tempo, até alcançar o “golpe dentro do golpe”. Mas a própria nomenclatura, que imagino vir de Gaspari, já indica a eufemização: é porque o primeiro golpe, o “golpinho”, foi eufemizado e apoiado pelas forças dominantes, que o segundo pôde acontecer, agora como “verdadeiro” golpe. No nosso caso atual, é a eterna complacência com a extrema-direita, que inclusive evita a nomear como o que é (fascismo), que vai permitindo a sucessão e o aprofundamento. E isso não se dá apenas pelo pacto de não agressão entre imprensa e militares, mas porque esta é também sustentada por agro, empresários e gestores financeiros com os quais precisa se manter conversando, permitindo o avanço do fascismo.

IHU – Quais devem ser as consequências destas últimas revelações?

Moysés Pinto Neto – Isso só o tempo dirá. Mas esperamos que possam significar, no mínimo, a responsabilização individual dos indiciados, evitando o que ocorreu nos EUA: o fracasso total da democracia de impedir a sua tomada “por dentro”, como um sistema autoimunitário. E, para isso, seria necessário não apenas enfrentar os crimes praticados em massa pelos fascistas, mas a própria estrutura do fascismo. Nisso, não tenho muita esperança, porque nem nomear conseguimos.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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