As omissões em nossas análises de conjuntura em 2024. Por Cândido Grzybowski

Em Sentidos e Rumos

Fazem parte do ofício de analistas de conjuntura tentar olhar o ano calendário que está acabando com uma espécie de avaliação do que de mais importante aconteceu, apontando possíveis feitos, com seus avanços e recuos. Nunca é demais lembrar que as análises dos processos políticos em curso são indispensáveis para ativistas para potencializar a sua ação, não só para saber quando e como agir mas sobretudo o que priorizar. Diante de um desafio assim, me dei conta de omissões ou questões invisíveis a seu modo estratégicas na perspectiva em que me engajo, de contribuir para uma democracia transformadora em busca de direitos ecossociais iguais na diversidade.

Faço parte de um pequeno grupo que nos damos uma tarefa regular de reuniões quinzenais de duas horas, online, para compartir percepções e visões da conjuntura. Já são mais de dois anos que nos reunimos, o que em si mesmo é um feito. Organizamos o grupo no período do isolamento compulsório. Nesta semana, fizemos a nossa última conversa do ano. Levantei para o grupo a questão das omissões em nossa abordagem como algo que está me intrigando. Na verdade, a própria questão como tal ainda está mal formulada para mim mesmo, mas me intriga. Nada como enfrentar minimamente o desafio nesta minha última postagem do ano no blog “sentidos e rumos”.

Isolado num sítio, minhas fontes de informação, além do grupo de conjuntura, são os noticiários que acompanho, mensagens e artigos acessados por whatsapp e email, algumas redes nacionais e internacionais que acompanho – especialmente debates sobre novos paradigmas civilizatórios – em alguns sites que consulto regularmente. Tenho feito leituras seletivas de livros e artigos que vem se acumulando, sempre em busca de aperfeiçoar o enfoque e as questões a abordar.

Como um balanço preliminar, reconheço que temos muito boas análises críticas do que está acontecendo na esfera da grande política e da econômica dominantes,  que circulam entre nós. Aqui cabe destacar o que chamo de encurralamento da nossa democracia, mesmo neste Lula III. Fundamental tal diagnóstico, mas insuficiente. São poucas ou quase inexistentes as análises do que está acontecendo no chão da sociedade, nos territórios, especialmente alguns sinais de iniciativas cidadãs virtuosas, criando raízes. Fazer análise de conjuntura não é só avaliar as relações de forças dominantes, onde se move o governo eleito e o que consegue ver. É também olhar para as muitas identidades e vozes de cidadanias ativas, as tradicionais e as novas. Caso contrário, ficamos fazendo análises passivas de processos dominantes, nunca de algo alternativo a apostar e fortalecer. Simplificando, faz falta um ativismo de cidadanias para vislumbrar algum caminho. De onde não podem vir políticas e transformações virtuosas – das estruturas e processos políticos e econômicos dominantes como os que temos – nada virá. Não adiante esperar. As eleições municipais deste ano mostraram o resultado possível e impacto que isto pode ter adiante diante da destruição de sentido de comunidade e convivência por parte da extrema direita e dos interesses corporativos hoje dominantes na política, com um difuso mas poderoso sujeito “mercado” a impor suas condições.

É urgente que nós mesmos, com uma perspectiva e preocupações de democracia ativa, mudemos ou ampliemos nossos olhares como analistas do Brasil e de suas conjunturas. Precisamos disto para contribuir a um ativismo coletivo capaz de plantar processos democráticos virtuosos.

O fato é que temos alguns sinais de ativismo e pistas importantes. Por exemplo, merece um destaque especial a resistência ativa de povos indígenas e quilombolas. Mas eles não só interpelam as estruturas de poder político estatal e o agressivo agronegócio e mineradoras. São ações territoriais que apontam o caminho necessário para cuidar de gente e da natureza. O mesmo se pode dizer da multiplicação de iniciativas territoriais de produção agroecológica, especialmente nas periferias rurais, mas não só pois começam a se multiplicar iniciativas deste tipo nas cidades. Temos o exemplo mais consolidado nos assentamentos do MST, mas fora as suas próprias análises como movimento pela reforma agrária, parece que existem tabus entre outros analistas ativistas em abordar a questão. O certo é que entre as coalizões de cidadania mais ativa destacam-se as de agroecologia a nível nacional.

Aqui destaco a virtude existente nas redes urbanas de catadores de lixo. Estão no dia-a-dia das cidades, mas… pouco visíveis e valorizados, não passando de pessoas em luta por sobrevivência. Se formos mapear com mais rigor, veremos que muita coisa vem acontecendo sem ser valorizada como sinal virtuoso para um outro modo de nos organizar e viver.

Destaco ainda a vigorosa reação dos movimentos feministas à proposta de lei no Congresso em defesa dos estupradores. A coisa está latente, mas não extinta. Mas não tivemos reação rápida e vigorosa de outros setores, especialmente diante da desconstrução de políticas sociais em nome do ajuste fiscal. Aliás, o tal arcabouço fiscal é uma concessão inaceitável para o tal “mercado”, sugador de recursos públicos através de juros, benefícios e isenções, com fortunas acumuladas em poucas mãos, sem o justo imposto em nome do bem público.

Termino lembrando a surpreendente proposição do movimento VAT – Vida Além do Trabalho – com a ideia de redução da jornada de trabalho assalariado de 6×1 para 5×2. O novo é que se trata de uma iniciativa do enorme contingente de trabalho precário, até sem carteira assinada. Chama atenção o protagonismo de tal grupo visto como desorganizado, sem sindicato ou outra fora, mas demonstrando ativismo.

Tenho chamada a atenção em minhas postagens para o mal que a extrema direita plantou no sentido de combate ao sentido do viver em comunidade, com cuidado, convivência e compartilhamento. O tecido social mais básico foi esgarçado. Claro, solidariedade ainda existe, como a ocorrido na grande destruição das enchentes no RS, uma emergência que não pode esperar. Mas não podemos nos limitar a valorizar a solidariedade em emergências. Solidariedade coletiva deve estar no centro de qualquer democracia que importa.

Enfim, concluo dizendo que precisamos afinar nosso olhar de analistas e ativistas de cidadania por processos democráticos transformadores, valorizando mais o que brota no chão da sociedade.

 

 

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