A ideia aqui não é discutir o nascimento de Cristo em sua dimensão física mas problematizar o nascimento espiritual de Jesus no coração dos cristãos, já que sua proposta principal era apresentar as boas novas, implementar o plano salvífico de Deus e consolidar seu reino de paz e justiça entre as mulheres e os homens. Assim, toda a trajetória de Jesus tinha um sentido espiritual e objetivava mostrar a vontade de Deus em oposição a organização humana que era injusta, desigual e, portanto, distante do projeto divino.
Nesse sentido, desde o local em que Cristo nascera, às condições de seu nascimento, a situação socioeconômica até o desenvolvimento de seu ministério revelam a necessidade de superação de um paradigma humano oposto ao modelo alternativo do Reino de Deus.
Jesus nasceu em um estábulo, em Nazaré, cidade pobre e com pouquíssima expressividade e influência no cenário político e social de sua época. Ao longo de sua vida, Jesus acolheu as prostitutas, as pessoas com deficiência e até mesmo os publicanos (cobradores de impostos), que eram a escória da sociedade de seu tempo. Assim o fez não pelas razões que fazem alguns religiosos na tentativa de se diferenciar, de mostrar que estão com a verdade e por isso estão perto de Deus. Por outro lado, vemos uma onda de cristãos conservadores defendendo o desaparecimento e a morte daqueles que destoam de suas normas. Em nome de um Jesus carrasco pregam a extinção de todos aqueles que são considerados anomalias frente a versão carrasca do cristianismo. Diante disso pergunta-se: onde está o “amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei”, dispostos nos textos bíblicos de João, Hebreus, Pedro, entre outros?
Bom, digo sem medo que se Jesus nascesse no Brasil de hoje numa situação análoga ao seu nascimento em Belém, no que no latim poderiam dizer mutatis mutandis, Ele seria mais um pobre, preto e morador de periferia. E qual o destino lhe seria dado? Se nos referendássemos pelo o Atlas da Violência diríamos que, muito provavelmente, não chegaria aos 33 anos. Isso porque, as “milícias cristãs”, o próprio Estado que se autodeclara laico, ou ainda bandidos que atacam religiões de matrizes africanas, ou mesmo a polícia ou, um simples “cidadão de bem”, lhe poriam um fim. Talvez, fosse torturado e morto ao se posicionar contra a necropolitica que ceifa vidas de pessoas negras, mulheres e comunidade LGBTQIAPN+.
Diante de todas as provocações, cabe a pergunta, o Jesus de Nazaré nasceu nos nossos corações? Ou apenas uma versão tirana que reforça uma pseudo santidade que justifica a opressão de um “outro” criado em oposição a essa identidade hegemônica forjada aos moldes do “evangelho dos privilegiados”?
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Presépio feito por Banksy em 2017, em apoio à luta palestina. Ao fundo, barras de concreto perfuradas por algo como uma bomba. Feito em 2017, foi instalado no espaço conhecido como Walled-Off Hotel, na Jerusalém ocupada.