Precisamos falar sobre plágio. Por Luis Felipe Miguel

Na universidade (mas não só nela), o ônus de denunciar o plágio é maior do que o custo material e simbólico de plagiar

em Amanhã não existe ainda

Li reportagem dando conta de que o professor da UFRJ, Leonardo Fuks, denunciou plágio no livro de um colega da Unesp (uma constatação depois sustentada por especialistas) em comunicação anônima à Fapesp. Pois o anonimato não foi respeitado e, processado pelo denunciado, foi condenado a pagar uma indenização de R$ 55 mil reais.

Quem quiser pode ler a reportagem aqui. O autor do livro é o professor Flo Menezes, muito ativo nas redes sociais, seja como compositor de vanguarda, seja como militante trotskista.

Não sou especialista em acústica musical, não li nem vou ler os livros em questão, não tenho como avaliar a denúncia em si. Mas é absurdo que o denunciante anônimo tenha que pagar indenização.

O plágio é uma prática disseminada. E convivemos com ela porque o ônus de denunciar é muito maior do que o risco de plagiar.

Quando eu estava no mestrado e depois no doutorado, recebendo as bolsas superdefasadas dos governos dos Fernandos, fazia resenhas de livros para sobreviver. Escrevia sobre qualquer coisa, indiscriminadamente. Como ganhava por lauda, gostava de de fazer resenhas de clássicos, porque inchava o texto com longas citações – entre aspas, bien sûr – da História da literatura ocidental, do Otto Maria Carpeaux. Pois peguei um livro de um importante poeta galês cujo prefácio, assinado por um “imortal” da Academia Brasileira de Letras, era em grande medida um copiar e colar de Carpeaux.

Na universidade, a situação é particularmente grave.

Achamos graça quando Umberto Eco, no começo de Como escrever uma tese (o título original fala “tese di laurea”, isto é, TCC), diz para buscar um trabalho defendido em uma universidade distante e xerocar – algo comum naqueles tempos pré-internet. Mas é uma desonestidade intelectual gravíssima.

Não há quem seja professor que não tenha uma história de plágio para contar. Ou algumas, na verdade. Mas há graus de gravidade.

Lembro de uma vez, anos atrás, quando estava lendo um trabalho de uma disciplina da pós-graduação e tive aquela sensação de que já conhecia o texto. Fui pesquisar e descobri que o trabalho tinha sido inteiramente copiado de um artigo meu!

A aluna não deu o braço a torcer e saiu dizendo que estava sendo perseguida…

Hoje, a situação é pior. Na inspirada expressão de Pocock, a república representaria a “mecanização da virtù”, já que o Estado não dependeria das qualidades pessoais de um único governante para ser bem gerido. Pois o ChatGPT e assemelhados são a automatização do plágio. O estudante põe lá o tema e recebe uma mélange de ideias e palavras copiadas de vários lugares, com esforço intelectual zero.

Dá raiva e a gente pensa em quantos trabalhadores sustentam a universidade pública, pagando seus impostos, para vir algum pilantra desprezar tudo aquilo que estamos oferecendo e tentar obter um diploma à base de fraude.

Agora estamos voltando às provas em sala de aula, que são um retrocesso enorme: a avaliação feita em prazo maior, com reflexão aprofundada e consulta às fontes, é muito mais significativa e corresponde muito mais ao espírito do trabalho universitário. Sem falar na necessidade de decifrar os garranchos dos estudantes – eu mesmo sou a prova viva de que é preciso reforçar o ensino de caligrafia.

Acaba que estou aplicando até provas de múltipla escolha, o que é realmente o fim da picada.

Mas é mais grave ainda quando a desonestidade vem de profissionais formados. Pior ainda, que têm a responsabilidade de formar outros.

Já tive que lidar com questões de plágio quando era editor de revista científica. Já tive o constrangimento de cortar colegas de um projeto de pesquisa que eu coordenava por terem apresentado, como seus, textos chupados de outras fontes. Já vi trechos – pequenos, é verdade – de minha tese de doutorado, então ainda inédita, replicados na tese de uma professora que hoje está também na UnB.

É preciso reforçar os controles. Punir quem denuncia vai na direção contrária do que é necessário.

Hyeronimous Bosch, detalhe de O jardim das delícias terrenas (1504)

 

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