‘A lição desse processo é tão relevante quanto a reparação às vítimas’

Advogados destacam confiança na condenação da BHP na Corte Inglesa

Por Mariah Friedrich, Século Diário

“A BHP forçou centenas de milhares de vítimas a viajarem ao redor do mundo para brigarem por justiça. É, sem dúvida, o pior comportamento corporativo já visto de uma empresa no mundo.” A declaração do CEO do Pogust Goodhead, Tom Goodhead, que representa cerca de 620 mil pessoas e 31 municípios atingidos pelo crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP, ocorrido em 2015, resume o impacto do julgamento que chegou ao fim nesta quinta-feira (13) na Corte Inglesa. A decisão sobre a responsabilidade da mineradora está nas mãos da juíza Finola O’Farrell, que deve emitir sua sentença ainda no meio deste ano.

“Ouvimos nos últimos meses de julgamento aqui em Londres provas e evidências da responsabilidade da BHP em relação ao rompimento da barragem. Começamos o julgamento com a BHP falando que não tinha nada a ver com o rompimento da barragem, que a Samarco é uma mineradora completamente independente. Nós vimos também eles oferecendo migalhas como compensação para os clientes, tudo isso tentando prevenir a justiça, impedir o acesso à justiça dos nossos clientes, das vítimas desse colapso. E o que aconteceu no julgamento é que esses argumentos ficaram mais do que demonstrados que são completas falácias”, enfatizou.

A ação coletiva envolve ainda 1,5 mil empresas. O objetivo é responsabilizar a BHP pelo maior crime ambiental da história do Brasil, quando a barragem de rejeitos da Samarco, controlada pela Vale e BHP, rompeu-se, liberando 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. A tragédia matou 19 pessoas, afetou mais de 2,5 milhões de pessoas em dois estados e devastou 684 km do Rio Doce, até alcançar o mar em Regência, no Espírito Santo.

Durante o julgamento, a estratégia da BHP foi argumentar que não tinha responsabilidade sobre a Samarco, entretanto, essa tese foi desmontada, reforça Tom Goodhead. “O comportamento que as mineradoras têm tido em lutar contra o direito dos nossos clientes é um escândalo”, disparou.

O advogado destacou ainda as tentativas da BHP de minimizar o impacto do crime com indenizações irrisórias. Logo após o rompimento da barragem de Mariana (MG), a mineradora ofereceu aos atingidos valores que chegavam a R$ 1 mil por todos os danos sofridos. O município de Mariana, por sua vez, recebeu uma oferta de R$ 10 milhões para quitar quaisquer ações contra a empresa no futuro. Nove anos mais tarde, a mineradora concordou com um valor de R$ 1,2 bilhão na repactuação no Brasil, o que ainda é considerado insuficiente pelos advogados e atingidos. “Mesmo assim, eles estão dispostos a pagar 20 vezes mais do que quando a ação não existia”, destaca.

Além das indenizações, ele também critica a atuação da Fundação Renova criada para gerir a reparação dos danos, extinta pelo novo acordo no Brasil. “Eles criaram uma fundação falsa, condenada por propaganda enganosa, e chegaram ao cúmulo de usar um padre falso como perito”, denunciou.

Nenhum dos réus envolvidos no crime da Samarco/Vale-BHP foi punido criminalmente até hoje. Dos 26 acusados inicialmente, 15 foram excluídos da ação penal, e a lentidão do processo pode levar à prescrição dos crimes aos demais. Essa morosidade no Brasil impulsionou a busca por justiça em cortes internacionais. Além do julgamento na Inglaterra, há outra ação em curso na Holanda, na tentativa de responsabilizar as empresas envolvidas.

Durante a coletiva de imprensa realizada em Londres, estiveram presentes o prefeito de Mariana, Juliano Duarte, o advogado e ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, além de três vítimas do crime: Gelvana Rodrigues, Monica dos Santos e Pamela Fernandes.

Mãe de uma criança que morreu arrastada pela lama, Gelvana evidenciou a longa luta por reparação e os desafios enfrentados por quem perdeu tudo. Ela reforça que não se tratou de um acidente, mas sim de um crime que custou vidas. “A Vale, a BHP e a Samarco são culpadas pelo crime que aconteceu”, destacou. Em meio à expectativa pela responsabilização das empresas envolvidas, a esperança de que a justiça será feita traz um sentimento de paz diante da tragédia vivida. Para os atingidos, o julgamento na Inglaterra representa uma nova esperança de responsabilização das empresas, já que, no Brasil, o sistema jurídico tem se mostrado falho em garantir punições e reparações justas.

O prefeito de Mariana, Juliano Duarte (PSB), afirmou que a cidade aguardou por nove anos para que a repatriação ocorresse e que os municípios atingidos tivessem uma indenização justa. No entanto, ele criticou o processo conduzido no Brasil, afirmando que “nenhum prefeito participou das discussões, nenhum prefeito foi ouvido, nenhum prefeito sentou à mesa”. Duarte também enfatizou que os valores destinados aos municípios foram insuficientes, representando apenas 4% do total, com pagamento diluído ao longo de 20 anos.

Ele apontou que, caso a condenação da BHP ocorra na justiça inglesa, Mariana poderá receber imediatamente um valor que já foi reconhecido pela própria empresa, no montante de R$ 1,2 bilhão. “Esse mesmo valor no Brasil, o município de Mariana tem direito aqui na Inglaterra. E com essa condenação, Mariana não vai receber em 20 anos, Mariana vai receber de forma imediata”, considerou. Além disso, Duarte mencionou que o valor total pleiteado pela cidade na justiça inglesa chega a R$ 28 bilhões, e montante será acrescido de juros, multas e correções, o que pode garantir uma reparação mais significativa e célere para o município.

Para o ex-ministro José Eduardo Cardozo e também advogado do Consórcio Público para a Defesa da Revitalização do Rio Doce (Coridoce), a decisão da juíza Finola O’Farrell pode servir de alerta a empresas que priorizam o lucro em detrimento da vida humana. Ele demonstrou convicção na responsabilização da BHP pelo crime da Samarco/Vale-BHP, e considera que “a prova da responsabilidade do BHP é avassaladora”.

Se a BHP for condenada, abre-se um precedente para que multinacionais sejam responsabilizadas em seus países de origem por crimes ambientais cometidos no exterior. “A lição que fica de um processo como esse é tão relevante como a reparação que se faz para as vítimas”, avalia.

Foto: Giulio Paletta / Revista Hardcore

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