Crédito de carbono para florestas: – 2. Proteção de florestas ameaçadas pelo desmatamento

Artigo aborda como as modelagens da eficácia dos projetos de crédito de carbono podem ser imprecisos e pouco confiáveis. Para os autores, é preciso um exame cuidadoso dos projetos propostos

Por Thales A.P. West, Kelsey Alford-Jones, Philippe Delacote, Philip M. Fearnside, Ben Filewod, Ben Groom, Clemens Kaupa, Andreas Kontoleon, Tara L’Horty, Benedict S. Probst, Federico Riva, Claudia Romero, Erin O. Sills, Britaldo Soares-Filho, Da Zhang, Sven Wunder e Francis E. Putz, em Amazônia Real

Os projetos de compensação de carbono baseiam-se no princípio da adicionalidade: a diferença mensurável no desmatamento entre o cenário de base — o futuro hipotético sem a intervenção — e o estado real da floresta na área do projeto. Para garantir a integridade das compensações pelo desmatamento evitado, os créditos de carbono devem ser originários de florestas comprovadamente em risco de desmatamento. É improvável que esta estipulação seja cumprida nos casos dos muitos projetos em áreas remotas ou de outra forma inacessíveis [1].

O viés de localização é bem documentado na literatura de conservação, particularmente no contexto de áreas protegidas (por exemplo, [2, 3]. Em teoria, as linhas de base dos projetos não sofreriam de viés de localização se fossem construídas corretamente. Infelizmente, quase todas as linhas de base de projetos existentes são baseadas em narrativas subjetivas e previsões de desmatamento não confiáveis, muitas vezes originadas de modelos de simulação sem validação adequada [4, 5]. Agravando o problema está o papel das assimetrias de informação entre desenvolvedores de projetos e certificadores, que criam oportunidades para seleção adversa, onde os projetos têm maior probabilidade de serem estabelecidos em áreas que enfrentam pouco risco real de desmatamento, enquanto ainda reivindicam crédito por emissões evitadas [6, 7].

A validade dessas simulações ex-ante de mudanças no uso/cobertura da terra é avaliada por meio de exercícios de validação de modelos. No contexto de projetos REDD+, as pontuações de validação medem a precisão dos modelos de simulação na replicação de padrões e taxas históricas de desmatamento, variando de 0% a 100% (ou seja, de nenhum alinhamento a alinhamento perfeito com dados históricos). Embora nem todos os projetos realizem exercícios de validação, muitos que o fazem relatam pontuações de validação alarmantemente baixas [5]. Um exame de nove projetos REDD+ encontrou uma precisão máxima de apenas 11,7%, com três pontuando abaixo de 1% [8]. Valores tão baixos tornam muitos cenários de linha de base não mais confiáveis do que “chutes aleatórios” [5]. Ainda assim, vários desses cenários são considerados “validados” pelos padrões VCM. Além disso, mesmo com altas pontuações de validação, as simulações ex-ante são inerentemente limitadas para avaliações de impacto rigorosas, pois não levam em conta fatores de confusão que variam ao longo do tempo, que só podem ser observados ex post, e que podem afetar o nível e a distribuição espacial do desmatamento contrafactual.

Na terminologia de avaliação de impacto, fatores de confusão são aqueles que influenciam tanto a seleção do local (ou sua probabilidade) quanto o resultado, independentemente da intervenção em si (ou em adição a ela) (por exemplo, mudanças amplas na governança ou na economia), levando a conclusões incorretas sobre a relação causal entre a intervenção e seu resultado real (por exemplo, [9]). Identificar e controlar os fatores de confusão é, portanto, crucial para lidar com a seleção adversa e garantir avaliações de impacto precisas de qualquer intervenção, incluindo projetos REDD+. No entanto, as linhas de base para o desmatamento evitado frequentemente se baseiam em suposições irrealistas de médias ou tendências históricas imutáveis [4]. Essas suposições são especialmente problemáticas, dada a volatilidade inerente das taxas de desmatamento, que são sensíveis a mudanças políticas, demográficas e econômicas [10, 11]. Consequentemente, as linhas de base resultantes tornam a atribuição de créditos de carbono não confiável, comprometendo a integridade das compensações reivindicadas. Para agravar ainda mais esse problema, as metodologias de base historicamente permitiam flexibilidade excessiva [12], criando oportunidades para inflar taxas de desmatamento contrafactuais por meio de escolhas metodológicas.

A dificuldade inerente de prever o futuro não isenta os desenvolvedores de projetos e os definidores de padrões de VCM da responsabilidade de adotar premissas e estruturas de modelagem que, no mínimo, produzam resultados defensáveis ou conservadores, evitando erros elementares. Além disso, ao contrário de afirmações infundadas da indústria de compensação, as linhas de base dos projetos frequentemente desconsideram os contextos locais de desmatamento. Na prática, os cenários de linha de base são quase sempre construídos com base em informações derivadas de imagens de satélite obtidas em diferentes momentos [4], sem a contribuição das partes interessadas locais.

Uma exceção notável à prática padrão de construção de linha de base veio do Projeto REDD+ Suruí no Brasil, que empregou uma abordagem de modelagem mais robusta que integrou o conhecimento indígena local dentro de uma estrutura de modelagem de sistemas dinâmicos devidamente validada [13]. Notavelmente, resultou na única linha de base do projeto (de 12 na Amazônia brasileira) que exibiu uma tendência consistente com os controles sintéticos estimados por West et al. [14]. O caso Suruí também ilustra o desafio frequentemente monumental de efetivamente conter o desmatamento ilegal no local. Apesar de uma iniciativa participativa e bem planejada [15], o projeto acabou sucumbindo às pressões implacáveis da mineração ilegal e da pecuária que se expandiam para o território indígena [16]. O fracasso do Projeto Suruí ressalta o desafio persistente — e muitas vezes intransponível — de proteger as florestas tropicais no contexto de falhas institucionais na aplicação da lei e da impunidade dos agentes do desmatamento ilegal, mesmo com intervenções direcionadas e apoio financeiro do VCM. Além disso, exemplifica o princípio amplamente aceito de que não existem “balas de prata” na conservação [17] e ressalta a necessidade de um exame cuidadoso das alegações de que projetos de REDD+ reduziram drasticamente — e milagrosamente — o desmatamento.

Conforme demonstrado na literatura, análises ex post — baseadas em métodos padrão para inferência causal — podem ser usadas para estimar os impactos do projeto de forma mais confiável [1, 14, 18, 19]. Tais avaliações podem fornecer o ponto de partida para o desenvolvimento de práticas mais confiáveis, aumentando a qualidade das análises subjacentes às reivindicações de créditos de carbono e restaurando a credibilidade do VCM [12]. No entanto, as análises ex post são limitadas pela disponibilidade e qualidade dos dados [20], e seus resultados podem ser sensíveis a escolhas metodológicas [21]. Portanto, verificações de robustez, potencialmente incluindo variações metodológicas e conjuntos de dados de teste, são fundamentais para garantir avaliações de impacto justas. Embora análises ex-post (incluindo abordagens de linha de base dinâmicas) ofereçam evidências adicionais valiosas para avaliar a credibilidade de linhas de base e protocolos de crédito de carbono, atualmente não há um método único ex-post que deva ser considerado a solução definitiva. [22]

Notas

[1] Delacote, P., Le Velly, G., Simonet, G., 2022. Revisiting the location bias and additionality of REDD+ projects: the role of project proponents status and certification. Resource and Energy Economics 67: art. 101277.

[2] Ferraro, P.J. & Pattanayak, S.K., 2006. Money for nothing? A call for empirical evaluation of biodiversity conservation investments. PLoS Biology 4(4): p.e105.

[3] Joppa, L.N. & Pfaff, A., 2009. High and far: Biases in the location of protected areas. PLoS One 4.

[4] West, T.A.P., Bomfim, B. & Haya, B.K., 2024. Methodological issues with deforestation baselines compromise the integrity of carbon offsets from REDD+. Global Environmental Change 87: art. 102863.

[5] Pontius, R.G., 2018. Criteria to confirm models that simulate deforestation and carbon disturbance. Land 7: art. 105.

[6] Delacote P., Le Velly G, & Simonet G. 2024. Distinguishing potential and effective additionality of forest conservation interventions. Environment and Development Economics 29(6): 518-538.

[7] Cordero Salas, P., Roe, B.E. & Sohngen, B. 2018. Additionality when REDD contracts must be self-enforcing. Environmental and Resource Economics 69(1): 195-215.

[8] West, T.A.P., 2016. On the improvement of tropical forest-based climate change mitigation interventions. Tese de doutorado, University of Florida, Gainesville, Florida, EUA.

[9] Ferraro, P.J. & Hanauer, M.M., 2014. Advances in measuring the environmental and social impacts of environmental programs. Annual Review of Environment and Resources 39: 495-517.

[10] Simmons, B.A., Marcos-Martinez, R., Law, E.A., Bryan, B.A. & Wilson, K.A., 2018. Frequent policy uncertainty can negate the benefits of forest conservation policy. Environmental Science & Policy 89: 401–411.

[11] Busch, J. & Ferretti-Gallon, K., 2017. What drives deforestation and what stops it? A meta-analysis. Review of Environmental Economics and Policy 11: 3–23.

[12] Delacote, P., Chabé-Ferret, S., Creti, A. Duffy, K., Elias, M., Guizar-Coutiño, A., Filewod, B., Groom, B., Kontoleon, A., Levelly, G., L’horty, T., Missirian, A. & West, T.A.P., 2025. Restoring credibility in carbon offsets through systematic ex post evaluation. Nature Sustainability 8: 733–740.

[13] Vitel, C.S.M.N., Carrero, G.C., Cenamo, M.C., Leroy, M., Graça, P.M.L.A. & Fearnside, P.M., 2013. Land-use Change modeling in a Brazilian Indigenous reserve: Construction of a reference scenario for the Suruí REDD Project. Human Ecology 41: 807–826.

[14] West, T.A.P., Börner, J., Sills, E.O. & Kontoleon, A., 2020. Overstated carbon emission reductions from voluntary REDD+ projects in the Brazilian Amazon. Proceedings of the National Academy of Science USA 117: 24188–24194.

[15] West, T.A.P., 2016. Indigenous community benefits from a de-centralized approach to REDD+ in Brazil. Climate Policy 16: 924-939.

[16] Verra, 2018. Media statement: Suruí Forest Carbon Project.

[17] Börner, J., Schulz, D., Wunder, S. & Pfaff, A., 2020. The effectiveness of forest conservation policies and programs. Annual Review of Resource Economics 12: 45–64.

[18] Takahata, K., Suetsugu, H., Fukaya, K. & Shirota, S., 2024. Bayesian state-space synthetic control method for deforestation baseline estimation for forest carbon credits. Environmental Data Science 3: art. e6.

[19] West, T.A.P., Wunder, S., Sills, E.O., Börner, J., Rifai, S.W., Neidermeier, A.N., Frey, G.P. & Kontoleon, A., 2023. Action needed to make carbon offsets from forest conservation work for climate change mitigation. Science 381: 873–877.

[20] Delacote, P., L’Horty, T., Kontoleon, A., West, T.A.P., Creti, A., Filewod, B., LeVelly, G., Guizar-Coutiño, A., Groom, B. & Elias, M., 2024. Strong transparency required for carbon credit mechanisms. Nature Sustainability 7: 706–713.

[21] Probst, B.S., Toetzke, M., Kontoleon, A., Díaz Anadón, L., Minx, J.C., Haya, B.K., Schneider, L., Trotter, P.A., West, T.A.P., Gill-Wiehl, A. & Hoffmann, V.H., 2024. Systematic assessment of the achieved emission reductions of carbon crediting projects. Nature Communications 15: art. 9562.

[22] Esta série apresenta uma tradução de: West, T.A.P., K. Alford-Jones, P. Delacote, P.M. Fearnside, B. Filewod, B. Groom, C. Kaupa, A. Kontoleon, T. L’Horty, B.S. Probst, F. Riva, C. Romero, E.O. Sills, B. Soares-Filho, D. Zhang, S. Wunder & F.E. Putz. 2025. Demystifying the romanticized narratives about carbon credits from voluntary forest conservation. Global Change Biology 31: art. e70527.

Imagem: ntg2024

 

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