Muitas vezes, a realidade social é vista em termos simplistas, com generalizações, polarizações, dualismos e dicotomias, tais como: tradicional/moderno, rural/urbano, tradicional/racional, emocional/racional, pré-capitalista/capitalista etc., mas ao analisar a realidade social em esquemas dicotômicos acaba-se por pensar ser o mundo ambíguo, o que esconde a dominação de fundo, que é a dominação do trabalho e da terra pelo capital, algo que se constrói pela fetichização das mercadorias e coisificação do ser humano detentor de dignidade e de direitos. E, pior, a ambiguidade se sobrepõe ao antagonismo e à contradição constitutiva da sociedade capitalista, de modo que o que é construído nas teias das condições históricas e materiais aparece como simplesmente imperfeito. (mais…)
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A volta da racionalidade na política externa
Vitória de Lula altera o panorama político da América Latina, em meio às disputas geopolíticas. Saúde Pública e Meio Ambiente serão pautas decisivas para a integração regional. Mas Brasil precisará superar espectro de fazendão do mundo
Por Gilberto Maringoni, em Outras Palavras
O início do governo Lula III é marcado pelas tensões golpistas no front interno e pela perspectiva de recessão numa economia global marcada pelo agudo enfrentamento Leste-Oeste. Nesse cenário instável, a extrema direita avança nos Estados Unidos e na Europa. A situação não é para amadores. (mais…)

Dowbor: Reflexões às vésperas do caos
Multiplicam-se desejos e experimentos de vida livre do inferno mercantil. Novas construções teóricas avançam. Mas a máquina de alienação gira cada vez mais rápido – e coloca o indivíduo solitário como herói. Quem colapsará primeiro?
Por Ladislau Dowbor | Tradução: Maurício Ayer, em Outras Palavras
É difícil não pensar que estamos vivendo em um enorme circo. Sentados no sofá após um bizarro dia de trabalho e horas de deslocamento, as novelas surrealistas da TV nos trazem uma visão geral do jogo global: tantas bombas sobre a Ucrânia, mais refugiados nas fronteiras, os problemas com as grandes finanças, os últimos gols de Messi, a discussão sobre como acabou a Copa do Mundo no Catar. Ah sim, e quem, depois do Reino Unido, ameaça sair da UE, como a Hungria ou a Polônia, em nome de ideais nacionais superiores. (mais…)

A derrota na Copa como sintoma de um país fraturado. Por Fábio Luís Barbosa dos Santos
Globalização europeizou o futebol. Brasil deixou de produzir o espetáculo para exportar sua matéria-prima. Um bando de celebridades, que vivem pelos negócios, pode converter-se num coletivo capaz de representar “a pátria em chuteiras”?
O Brasil foi eliminado da Copa do Mundo pela Croácia. Desde 2006, a seleção perde quando enfrenta uma equipe europeia no mata-mata. A repetição de um padrão sugere que estamos diante de um sintoma, que é preciso investigar. Culpar o técnico parece cômodo e superficial. O que estas derrotas, tão parecidas, podem nos dizer sobre o Brasil? (mais…)

A esperança dos ninguéns, bem além das eleições
Como imaginar um país transformando, num tempo de crise das velhas teorias emancipatórias e de rebaixamento das utopias? A ideia da decolonialidade e a crítica profunda ao “novo” capitalismo podem fornecer algumas pistas
Por Uribam Xavier*, em Outras Palavras
OS NINGUÉNS.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos.
Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não têm cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.
[Eduardo Galeano, no livro “O livro dos abraços”]
No pensamento decolonial, os componentes constitutivos do padrão mundial do poder do sistema-mundo moderno/colonial são: a colonialidade do poder, ou seja, a ideia de raça como fundamento da divisão da sociedade como elemento de dominação para o processo de acumulação de riqueza por meio das várias formas de exploração do trabalho, da natureza e dos territórios; o Estado, como forma central de controle da ação coletiva em defesa da propriedade privada e da concentração de capital; o eurocentrismo, como forma de produção e reprodução de conhecimento e subjetividade/intersubjetividade locais como universais; o capitalismo, como forma universal de exploração do trabalho e o controle da natureza como coisa a ser morta, ou seja, transformada em mercadoria. Portanto, a luta contra o padrão mundial de poder é mais do que a luta contra o capitalismo, é uma ação de interseccionalidade que abrange todos os seus componentes constitutivos. (mais…)

Adeus à selva do capital: “Agora não lamento mais”
O sonho de viver em comunidade sai do papel. Entre o mar de montes e as matas, tijolo por tijolo ecológico, minha sala-ateliê será redonda tal a abóbada celeste. Respiro ar puro. E neste domingo, poderemos expirar outro futuro
Por Mazé Leite, em Outras Palavras
A configuração do terreno já saiu do papel e já está na terra real: o trator finalizou a abertura das ruas, fazendo as retas e as curvas necessárias para que se possa passar através delas, a pé, de carro ou de bicicleta. Falta o acabamento das encostas, as valetas para captar e direcionar as águas das chuvas. Com tudo isso acontecendo, as cotas individuais foram reveladas e já é possível a cada um de nós olhar para elas através dos sonhos de moradas leves. (mais…)

As doenças do capitalismo e a luta contra o agronegócio
Se quisermos interromper esse modo capitalista de produção de fome e doenças, muito há que se abolir, seja do ponto de vista da habitação, dos territórios, das cidades e da conformação das suas periferias. A começar por essa linha divisória, imaginária e real, entre campos e cidades, que está no centro do debate sobre a emergência e o contágio de doenças
por Allan Rodrigo de Campos Silva, Le Monde Diplomatique Brasil
Nos anos 1990, a Universidade de Oxford publicou uma coletânea de artigos sobre o risco crescente de novos vírus capazes de produzir epidemias globais por causa da destruição da natureza (MORSE, 1996). Escritos em tom de urgência, os artigos buscavam apontar como as transformações econômicas, a urbanização e as mudanças climáticas criam condições para que vírus prosperem, de pequenos surtos a epidemias de rápida disseminação. Seguindo esse caminho, o historiador Mike Davis passou a investigar a complexa teia de relações na origem da epidemia do vírus da HIV/Aids que, como sabemos, originalmente encontra em chimpanzés africanos seu repositório natural. Em razão do aumento do contato do seu hospedeiro em função do mercado de carnes de caça, o vírus acabou saltando para humanos. E, por trás do aumento do consumo de carnes de caça na África, estava a disseminação da pesca industrial de arrasto na costa atlântica do continente. Subsidiada por governos Europeus, a pesca industrial foi responsável por diminuir a biomassa de peixes pela metade na costa africana do oceano Atlântico entre 1977 e 2000. Tornados escassos e caros, os peixes dão lugar à carne de caça na alimentação cotidiana de extensas regiões da África Ocidental. A prática da caça, por sua vez, ocorreria para alimentar os trabalhadores da indústria da madeira, que avançava no mesmo ritmo, sobre as florestas africanas, também abastecendo os mercados da Europa e América do Norte. O contato entre animais silvestres portadores de vírus é assim dirigido pelo agronegócio da madeira e da pecuária industrial dos países do Norte sobre as terras e os mares do Sul global (DAVIS, 2006a), em um clássico exemplo de como o capital produz doenças. (mais…)