A esperança dos ninguéns, bem além das eleições

Como imaginar um país transformando, num tempo de crise das velhas teorias emancipatórias e de rebaixamento das utopias? A ideia da decolonialidade e a crítica profunda ao “novo” capitalismo podem fornecer algumas pistas

Por Uribam Xavier*, em Outras Palavras

OS NINGUÉNS.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos.
Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não têm cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.
[Eduardo Galeano, no livro “O livro dos abraços”]

No pensamento decolonial, os componentes constitutivos do padrão mundial do poder do sistema-mundo moderno/colonial são: a colonialidade do poder, ou seja, a ideia de raça como fundamento da divisão da sociedade como elemento de dominação para o processo de acumulação de riqueza por meio das várias formas de exploração do trabalho, da natureza e dos territórios; o Estado, como forma central de controle da ação coletiva em defesa da propriedade privada e da concentração de capital; o eurocentrismo, como forma de produção e reprodução de conhecimento e subjetividade/intersubjetividade locais como universais; o capitalismo, como forma universal de exploração do trabalho e o controle da natureza como coisa a ser morta, ou seja, transformada em mercadoria. Portanto, a luta contra o padrão mundial de poder é mais do que a luta contra o capitalismo, é uma ação de interseccionalidade que abrange todos os seus componentes constitutivos. (mais…)

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Adeus à selva do capital: “Agora não lamento mais”

O sonho de viver em comunidade sai do papel. Entre o mar de montes e as matas, tijolo por tijolo ecológico, minha sala-ateliê será redonda tal a abóbada celeste. Respiro ar puro. E neste domingo, poderemos expirar outro futuro

Por Mazé Leite, em Outras Palavras

A configuração do terreno já saiu do papel e já está na terra real: o trator finalizou a abertura das ruas, fazendo as retas e as curvas necessárias para que se possa passar através delas, a pé, de carro ou de bicicleta. Falta o acabamento das encostas, as valetas para captar e direcionar as águas das chuvas. Com tudo isso acontecendo, as cotas individuais foram reveladas e já é possível a cada um de nós olhar para elas através dos sonhos de moradas leves. (mais…)

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As doenças do capitalismo e a luta contra o agronegócio

Se quisermos interromper esse modo capitalista de produção de fome e doenças, muito há que se abolir, seja do ponto de vista da habitação, dos territórios, das cidades e da conformação das suas periferias. A começar por essa linha divisória, imaginária e real, entre campos e cidades, que está no centro do debate sobre a emergência e o contágio de doenças

por Allan Rodrigo de Campos Silva, Le Monde Diplomatique Brasil

Nos anos 1990, a Universidade de Oxford publicou uma coletânea de artigos sobre o risco crescente de novos vírus capazes de produzir epidemias globais por causa da destruição da natureza (MORSE, 1996). Escritos em tom de urgência, os artigos buscavam apontar como as transformações econômicas, a urbanização e as mudanças climáticas criam condições para que vírus prosperem, de pequenos surtos a epidemias de rápida disseminação. Seguindo esse caminho, o historiador Mike Davis passou a investigar a complexa teia de relações na origem da epidemia do vírus da HIV/Aids que, como sabemos, originalmente encontra em chimpanzés africanos seu repositório natural. Em razão do aumento do contato do seu hospedeiro em função do mercado de carnes de caça, o vírus acabou saltando para humanos. E, por trás do aumento do consumo de carnes de caça na África, estava a disseminação da pesca industrial de arrasto na costa atlântica do continente. Subsidiada por governos Europeus, a pesca industrial foi responsável por diminuir a biomassa de peixes pela metade na costa africana do oceano Atlântico entre 1977 e 2000. Tornados escassos e caros, os peixes dão lugar à carne de caça na alimentação cotidiana de extensas regiões da África Ocidental. A prática da caça, por sua vez, ocorreria para alimentar os trabalhadores da indústria da madeira, que avançava no mesmo ritmo, sobre as florestas africanas, também abastecendo os mercados da Europa e América do Norte. O contato entre animais silvestres portadores de vírus é assim dirigido pelo agronegócio da madeira e da pecuária industrial dos países do Norte sobre as terras e os mares do Sul global (DAVIS, 2006a), em um clássico exemplo de como o capital produz doenças. (mais…)

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O parasitismo financeiro derrotou a independência. Por Ladislau Dowbor

Desindustrialização, desnacionalização e endividamento opressivo sugam recursos da maioria para servir a interesses estrangeiros e uma elite local clientelista. Ao celebrar o bicentenário, temos a soberania por resgatar

Outras Palavras

A economia hoje é em grande parte globalizada. Em particular, com o dinheiro impresso por governos substituído por dinheiro virtual emitido também por bancos (97% da liquidez), as finanças passaram a funcionar em escala planetária. Por exemplo 3 corporações privadas, BlackRock, Vanguard e State Street, administram cerca de US$ 20 trilhões de dólares, três vezes o orçamento federal dos Estados Unidos. A globalização financeira reduz drasticamente a autonomia dos países definirem os seus rumos, já não só frente a países mais fortes, mas frente ao poder corporativo. Basicamente temos governos nacionais que enfrentam uma economia globalizada. O conceito de independência encontra aqui uma limitação estrutural. (mais…)

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Vai passar: o Brasil doente que podemos deixar para trás

Sinais invertidos governam o país. No topo da República, torturadores que se dizem cristãos. As injustiças viram culpa dos injustiçados. Chegamos a sentir na pele os sintomas desse estado doentio. Mas saberemos resistir e virar a página

Por Rosângela Ribeiro Gil*, em Outras Palavras

O diagnóstico não é meu, mas da minha médica após ouvir os meus queixumes de ansiedade, angústia, medo da morte, comilança, vontade de beber vinho além da conta, coceiras que pipocam em várias partes no corpo (mas sem deixar uma marca sequer) e a somatização de uma herpes labial. Os exames clínicos e laboratoriais mostraram resultados normais. Pressão, 13 por 8, dentro da normalidade. (mais…)

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‘Parece leite, mas não é’: como crise [?] ‘empobreceu’ a fórmula dos produtos lácteos do Brasil

Por André Biernath, da BBC News Brasil em Londres

Nos últimos meses, os consumidores brasileiros mais atentos notaram uma mudança importante no Moça, uma das marcas de leite condensado mais conhecidas e utilizadas no país. Junto ao produto tradicional, cuja embalagem é azul, as gôndolas dos supermercados foram inundadas por uma nova versão, na cor marrom.

Na parte inferior do rótulo, é possível entender melhor a diferença entre as opções. Enquanto a caixinha azul traz o leite condensado convencional (integral ou desnatado), a marrom é uma “mistura láctea condensada de leite, soro de leite e amido”.

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Boaventura: As transições opostas do século 21

Ambas ocorrem simultaneamente. A democracia cede a “novas” ditaduras. Mas em vez da ideia positivista de “progresso” surge a de justiça social e ambiental. Só uma destas transformações perdurará. Quem quer a segunda precisa frear a primeira

Por Boaventura de Sousa Santos, em Outras Palavras

Ao longo dos últimos cem anos falou-se muito de transições entre tipos de sociedade e entre civilizações, e construíram-se muitas teorias da transição. Segundo o antropólogo francês Maurice Godelier, a transição é a fase particular de uma sociedade que encontra cada vez mais dificuldades em reproduzir o sistema econômico e social sobre o qual se funda e começa a reorganizar-se sobre a base de outro sistema que se transforma na forma geral das novas condições de existência. As transições mais estudadas nas ciências sociais foram as seguintes: da idade medieval para a idade moderna, do feudalismo para o capitalismo, do capitalismo para o socialismo, da ditadura para a democracia. Nas últimas décadas, com o colapso da União Soviética, têm sido muito estudadas as transições do socialismo de tipo soviético para o capitalismo.

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