Extrativismo é uma neocolonização de países e territórios. Conferência de Raúl Zibechi

Em conferência proferida no IHU ideias, de 03-11-2022, o jornalista e ativista político detecta uma série de violências imposta aos povos desde a tomada de seus espaços

Por Patricia Fachin, em IHU

O período das colonizações na América Latina, inaugurado no século XVI, impôs uma série de violências a populações humanas e ecossistemas. Levamos anos para reconhecer o que de fato houve nesses processos e, desde então, ensaiamos as chamadas visões decoloniais, que visavam restaurar, em alguma medida, os saberes, as formas de vida de populações da terra e aprender, especialmente, com suas relações com o meio ambiente. No entanto, o problema é que essas violências retornam de tempos em tempos. É o que aponta o jornalista e analista político uruguaio Raúl Zibechi, em conferência promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. “Podemos dizer que o extrativismo é uma neocolonização de nossos países e territórios”, constata. (mais…)

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Boaventura: para frear o ciclo do medo

Relações coloniais são um fantasma sempre à espreita, e prestes a devorar a esperança. Brasil atual é o caso mais claro. Não será possível afastar a ameaça sem reverter o epistemicídio e resgatar o valor dos saberes atacados pelo eurocentrismo

Por Boaventura de Sousa Santos, em Outras Palavras

Título Original: A ferida, a luta e a cura

Uma das características mais intrigantes das sociedades que estiveram sujeitas ao colonialismo histórico europeu é a permanência, a seguir à independência, de relações de tipo colonial sob velhas e novas formas, tanto internas como internacionais. Dois desses tipos estão há muito identificados. São o colonialismo interno e o neocolonialismo/imperialismo. O conceito de colonialismo interno refere-se ao modo como as elites que sucederam aos colonizadores europeus – que no caso das Américas, Nova Zelândia e Austrália eram descendentes destes – se apropriaram do poder e das terras que antes tinham sido usurpados pelos colonizadores. De tal modo o fizeram que os povos nativos/originários ou trazidos como escravos continuaram sujeitos ao mesmo tipo de dominação colonial, quando não foram exterminados, o que aconteceu particularmente na América do Norte. O conceito de neocolonialismo refere-se à dependência sobretudo econômica (e, por vezes, militar) dos novos países em relação à antiga potência colonizadora, enquanto o conceito de imperialismo se refere ao mesmo tipo de relações entre os países hegemônicos do Norte global (centro do sistema mundial) e os países dependentes do Sul global (periferia e semiperiferia do sistema mundial). (mais…)

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O homo modernus e o Nordeste nas eleições

Novo livro provoca: no bojo do colonialismo, a modernidade forjou-se pela diferenciação entre nós e “os outros”, a civilização e a “barbárie de lá”. Essa lógica explica a aversão das elites ao voto nordestino, visto como entrave ao seu desenvolvimento

Por Renan Porto, em Outras Palavras

Em breve será lançado no Brasil o livro Homo Modernus: por uma ideia global de raça da Denise Ferreira da Silva pela editora Cobogó. Li esse livro em inglês, Towards a Global Ideia of Race, e é uma leitura muito densa e desafiadora. Não lembro de Silva dizer em nenhum lugar algo fechado tal como “raça é x”. Sua proposta de método, a analítica da racialidade, investiga diferentes discursos sobre raça para mostrar o que se produz em torno destes discursos. A ciência aqui tem um papel de construção simbólica com força produtiva. Uma das formações que ela observa emergindo em torno do emprego das categorias empregadas para dar conta de pensar a diferença humana, tais como raça e cultura, é o mapeamento do espaço global que emerge com as expedições coloniais e a distribuição dos povos sobre este espaço. (mais…)

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O que significa, no Brasil, descolonizar a universidade

Qual papel as universidades devem almejar, na luta contra a exclusão em todos os níveis — até os mais abissais — e na reconstrução pós-pesadelo? A instigante experiência da UFBA e suas lições. Como proteger as federais contra ataques antidemocráticos

Por Eleonora Albano, em Outras Palavras

“Não sou máquina, não sou bicho, sou René Descartes, com a graça de Deus. Ao inteirar-me disso, estarei inteiro. Fui eu que fiz esse mato: saiam dele, pontes, fontes e melhoramentos, périplos bugres e povoados batavos”.

(Paulo Leminski. Catatau).[i]

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Brasil: é possível descolonizar a independência? Por Boaventura de Sousa Santos

Pensador português da sociologia das ausências lança questões incômodas. Como o colonialismo interno reproduz, até hoje, o europeu. Por que nos apartamos da libertação da África lusófona. E o crucial: quem pode ressignificar o bicentenário

Outras Palavras

Há cinquenta e dois anos – cento e quarenta e oito anos depois da Independência – cheguei ao Brasil na qualidade de estudante de doutoramento da Universidade de Yale para realizar o trabalho de campo numa favela do Rio de Janeiro, onde vivi vários meses. Tinha nessa altura duas imagens do Brasil. Uma era a que me tinha sido transmitida pelos meus avós, ambos imigrantes no Brasil, país de que contavam maravilhas: o país da beleza, da riqueza e das oportunidades sem limites. É certo que os dois regressaram a Portugal na penúria, mas isso não fora culpa do país. A outra imagem era a que me fora transmitida pelos cientistas sociais, sobretudo norte-americanos, e que eu tinha lido para preparar a minha tese. O Brasil das desigualdades, dos contrastes entre a miséria abjeta e a riqueza obscena, do subdesenvolvimento ou dependência, da instabilidade política, do povo iletrado, de falta de condições para a democracia. Entre as duas imagens havia muito pouco em comum. Portugal vivia em ditadura civil há quarenta e quatro anos e o Brasil estava desde há seis sob uma ditadura militar que, em 1970, apertava o cerco aos democratas e se tornava cada vez mais repressiva e violenta. (mais…)

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Boaventura: do colonialismo às novas partilhas

Após cinco séculos, mundo eurocêntrico já nem pode dominar, nem tem o quê ensinar. Outros universos culturais ganharam autoestima. Que diálogos cognitivos são possíveis, em meio à crise civilizatória? Em que bases eles podem se dar?

Por Boaventura de Sousa Santos, em Outras Palavras

É difícil imaginar que se partilha uma viagem com alguém que vem na direção oposta. E, contudo, penso que esta estranha partilha é talvez o que melhor caracteriza o nosso tempo, pelo menos no plano cultural. Vindos de histórias e trajetórias muito diferentes, da acumulação de derrotas ou de vitórias multisseculares, diferentes universos culturais – filosóficos, estéticos, políticos, ontológicos, epistemológicos ou éticos – parecem estar hoje mais expostos do que nunca à confrontação com universos rivais, em condições que não permitem gestos unilaterais, seja de assimilação forçada, seja de conquista e ocupação. As desigualdades de poder entre esses universos existem e estão historicamente sedimentadas, mas estão cada vez mais desigualmente distribuídas entre as diferentes áreas da vida coletiva ou entre as diferentes regiões do mundo. As trajetórias opostas convergem num campo de incerteza máxima que produz instabilidade e desassossego. A partilha da incerteza tende a resultar na incerteza da partilha. O universo cultural ocidental eurocêntrico vem de uma longa trajetória de conquistas e vitórias históricas que parece ter chegado ao fim. A Europa passou cinco séculos a dominar e a ensinar o mundo não europeu e acha-se hoje cada vez mais na situação de já não ser capaz de dominar e de não ter nada a ensinar. (mais…)

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Os valores europeus. Por Boaventura de Sousa Santos

O eurocentrismo faz uma caricatura degradante do resto do mundo

Em A Terra é Redonda

Uma das características do pensamento dominante consiste em contrastar os princípios que subscreve com as práticas dos que se lhe opõem. Na época moderna, tudo começou com a expansão colonial do século XV e XVI pela mão dos portugueses e dos espanhóis sob a tutela do Vaticano. Missionários, descobridores, conquistadores anunciavam a “boa nova” de uma religião tida por única e a única verdadeira, cujos princípios garantiam a igual dignidade de todo o ser humano perante a criação divina e o direito de todos a libertarem-se da superstição e a abraçarem a nova civilização, e a aceder a todos os benefícios que dela decorriam.

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