Carta Aberta dos Pataxó da Terra Indígena Comexatiba ao Ministério Público e à Sociedade Brasileira

Cc. AGU-BR/DF, FUNAI Regional e DF, ICMBio/DF, IBAMA e IPHAN

“No decorrer de 2016 ouvimos boatos que já se confirmam de que ‘vai’ acontecer (?) uma vultuosa festa da elite nacional e estrangeira preparada para mais de cinco (5000) pessoas em Cumuruxatiba, município do litoral de Prado, na Costa do Descobrimento, entre 26 e 31 de dezembro próximo, trata-se do Réveillon Maré. O ingresso mais barato é de R$650,00, porém nem este os moradores do lugar, os caboclos, nativos, a grande maioria migrante popular e, os Pataxó poderão pagar o valor comercializado através do site: (ver aqui). Pior, irão viver o desassossego de terem que testemunhar a maior invasão que esta antiga ‘vila índia’ já sediou, pois, sua população urbana é um pouco mais da metade do número dos festantes propagados para chegar.

Como é de conhecimento público Cumuruxatiba não é somente a morada dos Pataxó, da Terra Indígena Comexatibá, é também, área da Reserva Extrativista Marinha Corumbau-Cumuruxatiba, do Projeto de Assentamento de Reforma Agrária Cumuruxatiba, vila de pescadore(a)s e turismo. Nesse distrito que correm o Rio Riacho das Ostras que limita ao Sul o Território do Patrimônio Histórico–Cultural, Nacional e Mundial da Humanidade “COSTA DO DESCOBRIMENTO”, e o Rio Kaí, lugar onde se realizou o primeiro contato entre portugueses e povos nativos em 150. Não estamos falando de um lugar qualquer.

1- Os danos atuais contra o povo Pataxó nesse lugar e os demais prejuízos por vir justificam a razão pela qual decidimos denunciar as ações intensivas e ostensivas que os promotores responsáveis por tal evento já estão produzindo contra a nossa comunidade da aldeia Kaí. Além de não nos ter consultado, notificado nossas lideranças, à FUNAI e demais interessados da comunidade indígena, como prevê a Constituição e a Convenção 169, múltiplos atentados contra os direitos indígenas, a memória nacional e o meio ambiente, já encontra-se em curso, entre os rios do Peixe Grande e Imbassuaba, justo na TI da aldeia Kaí – em nome de tal festa.

2- Nos últimos dias 16, 17 e 18 nossa terra foi novamente invadida, menos de um ano depois de termos feito outras graves denúncias desse tipo de violência que vitimou covardemente nossos parentes entre 2015 e 2016. Desta vez, numa parte TI onde estão vivendo 15 famílias – da agricultura, da pesca e do artesanato. Lá, escolheram a área que foi destinada para ficar preservada segundo nosso plano de gestão territorial e ambiental da nossa aldeia e de nossa escola. Não derrubaram nossa escola como fizeram outros há uma ano atrás, mas, além da vegetação de restinga, de destruírem várias espécies de bromélias, orquídeas, aroeiras, mangabeiras, ingazeiros, um grande viveiro de ervas medicinais, plantas produtoras de matéria prima para o artesanato; várias espécies ameaçadas de extinção, ao lado de aproximadamente 200 árvores jovens da área de preservação que os estudantes da escola indígena Kijetxawê Zabelê e professores estavam cultivando, foram sacrificadas, derrubadas a mando de seu administrador que atende pelo codinome de “Sr. Guga”. Este, senhor, após ser interpelado por causa dos tratores que tudo derrubava a sua frente, ainda, dirigiu ameaças contra nossas lideranças que reclamaram o estrago que fizeram no interior da nossa aldeia e na mata ciliar que protege as três nascentes dos pequenos rios que desembocam no mar.

O produtor de eventos chamado Kajabí, ao ser interrogado pelos parentes se negou a retirar-se de nossa aldeia com as máquinas, afirmou que não iria sair da área porque tinham um contrato com o Sr. Lucas Lessa Pires de Morais. Que, a Prefeitura Municipal de Prado havia assinado o alvará liberando a realização da festa, bem como, cedeu a máquina para fazer o estrago citado em nome da infraestrutura do evento. E que foi por ordem da prefeita por meio de sua assessora, a Sra. Jalene, cargo de confiança do setor de convênio da PM de Prado; o Sr. Raié Fonseca filho do vereador local (Tadeu), ambos residentes e com negócios em Cumuruxatiba que passaram a agir. Ratificou que a prefeita de Prado, a Sr.ª Mayra Brito Pires estava dando todo o apoio. Esse(a)s Senhore(a)s junto com outro de nome Maurício Moura (residente em Cumuruxatiba), estão ora, intimidando, ora, oferecendo propina às lideranças de pescadore(a)s da Resex e Pataxó, ora, emprego para cooptar moradore(a)s locais e alguns parentes – dizem que podem ajudar no que dissermos que queremos fazer na nossa aldeia, caso, liberemos nosso território para sua ‘festa havy’.

A grande questão é que além da terra Pataxó, de novo invadida, os outros dois locais  onde está prevista a realização do evento estão sendo igualmente desmatados com a omissão ou consentimento passivo do poder público municipal. Após indagarmos incessantemente o coordenar da Resex Corumbau-Cumuruxatiba, sobre esses e outros crimes ambientais no distrito este afirma nada poder fazer e que cabe à prefeitura fiscalizar. Como pode a prefeitura fiscalizar se, é ela mesma quem libera os alvarás e demais as autorizações danosas, como ´neste caso?

Essa questão que envolve o “Reveilon da Maré” nos preocupa de muitos modos, o que se sabe é que os promotores de tal festa que vem fazendo tradição costumam se abancar no lugar e dele tomar posse, posteriormente, dando muito trabalho para as pessoas do lugar se libertar. Soubemos deste acontecido de outros lugares por onde passaram, por exemplo, nas proximidades de Itacará-Ba. Ao avançarem sobre nosso território, invadirem a TI Comexatibá ‘fazendo festa’ com tal magnitude, estarão planejando nela, também, se abancar? Já assistimos esse filme antes, muitas vezes, por isso, senhore(a)s, pedimos encarecidamente, nos ajudem a proteger o que herdamos de nossos antepassados, ajudem os outros moradore(a)s, menos preparados ou empoderado, para se defenderem desta impensável invasão.

3- Por último, embora, o mais importante é que toda a empreita descrita acima já se revelou para o que veio e a serviço de quem ela está: daquele(a)s que querem caçar de vez os direitos indígenas, os direitos dos Pataxó, dos nossos adversários locais contrariados, aliados de  outros nacionais e internacionais! Os mesmos que aliado(a)s com a Sra. Catarina Azevedo Pompeu agiram na surdina nos últimos atentados que sofremos.

Por isso, não podemos estranhar que o Sr. Lucas Lessa Pires de Morais tenha movido ação de reintegração de posse da aldeia Kaí, justo da parte da TI Comexatibá onde cobiçada para a festa, citada  acima, fica localizada, lá onde vivem as 15 famílias invadidas e o ambiente destruído. O curioso é que o impetrante Sr. Lucas após notificado recebeu a sentença: N. e-CVD 01360.2016.00013313313.1.00511/00128 para reintegração de posse e desocupação do lote de Reforma Agrária do Assentamento Cumuruxatiba em favor do INCRA – a que ele mesmo invadiu em 14 de dezembro de 2016 e, por meio do mesmo meritíssimo Dr. Guilherme Bacelar Patrício de Assis, conseguiu obter deste, a decisão em seu favor e contra nós, para reintegração de posse da já citada área da aldeia Kaí, em 23 de novembro de 2016, sob o número :0002236-55.2013.4.01.3313. O que cremos, só pode ter sido por engano. Como pode o Sr Lessa, o impetrante estar sendo correto e honesto quando move uma liminar contra a TI dos Pataxó e desonesto quando é obrigado a restituir o lote do INCRA que ele invadiu? Como confiar nisso, como não associar todo esse tsunami que está nos ameaçando, nos fazendo mal ao plano da tal festa havy do ‘Reveillon Mareh NYE 2017?

Por tudo isso e mais um pouco é que vimos mais uma vez apelar aos Senhores e às Senhoras que suspendam, embarguem a ameaça dessa festa, ela foi pensada para nos humilhar na nossa própria terra, para humilhar as marcar de nossas memórias tão brasileiras, neste lugar onde tudo começou e a colonização, ainda não acabou.

Atenciosamente:

Lideranças e comunidade da aldeia kaí

AIPAK (associação indígena pataxó aldeia kaí)

Aldeia kaí, Cumuruxatiba, Prado-Ba 17 de dezembro de 2016″

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Lunaé Parracho.

Adereços e pinturas corporais da etnia Pataxó. Foto de Marcelo Camargo-Agência Brasil.

 

 

Comments (2)

  1. A postagem reproduz carta enviada pela comunidade Pataxó à AGU-BR/DF, FUNAI Regional e DF, ICMBio/DF, IBAMA e IPHAN, conforme informado no início do texto.

  2. Gostaria deixar um recado a este cidadão desavisado e irresponsável. Que fala as coisas envolvendo o meu nome sem saber da veracidade da situação.
    Saiba que não sou organizador do evento, não escolhi lugar nenhum para fazer evento e, nem muito menos andei dando propina para ninguém.

    Procure saber dos fatos para depois sair falando o que não deve.
    Eu espero não ver o meu nome nessa porcaria de texto amanhã, caso contrário vou entrar com uma ação contra você rapaz.

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