A incrível história do povo que mata e morre em nome de um partido político, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

Há tucanos que dizem que sou petista.
Há petistas que dizem que sou marineiro.
Há marineiros que dizem que sou psolista.
Há psolistas que dizem que sou tucano.

Muita gente não foi devidamente treinada para dialogar com o mundo sem que o interlocutor fosse, previamente, colocado em uma caixinha. Categorizado, embalado, etiquetado, rotulado.

E ignorada a complexidade humana, reduz-se um indivíduo – sem ler, ouvir e tentar interpretar o que ele diz – ao lugar que alguém ou um grupo determinou para ele. Simplifica-se tanto ao ponto das variações de cor e tons sumirem e sobrar preto e branco.

A partir daí, textos são compartilhados na rede, com xingamentos ou elogios a quem os escreveu, sem que tivessem sido devidamente lidos. Porque o compartilhamento não serve para fomentar o debate construtivo sobre a realidade, mas como munição digital em uma guerra de torcidas organizadas.

Se em um dia critico a forma como a Câmara dos Deputados livrou a cara de Michel Temer, automaticamente postam que estou trabalhando para a volta de Lula ao poder.

Daí quando avalio os problemas de gestões petistas no governo federal, dizem que o japonês ”mudou de lado” e agora defende o PSOL ou a Rede.

Isso porque nem falei das vezes em que citei parlamentares tucanos como exemplos no combate ao trabalho escravo e espalharam que eu havia sido comprado.

Ou mesmo, nesta quarta, quando escrevi que a equipe econômica de Temer acertou em cheio em estudar a aprovação do aumento do imposto de renda para os mais ricos e a taxação de dividendos por eles recebidos. E parte da internet atestou que, a partir de agora, a pedido do portal onde escrevo, tornei-me governista.

Por que não é permitido nos afirmarmos de esquerda ou de direita sem que, a cada texto crítico a um líder político, governo ou corrente, sejamos colocados em uma caixinha e chamados a uma pretensa coerência com o que nosso interlocutor espera de nós? Por que não é possível reconhecer a complexidade dos processos sociais, políticos e econômicos e, quando ponderar algo, não ser tachado de ”isentão”? Todos podem e deve ter suas preferências políticas ou partidárias, mas o que isso impede em reconhecer no outro suas qualidades ou se abrir ao diálogo?

Os mais triste de tudo isso é que a mensagem é ignorada enquanto a batalha é travada sobre lugares comuns relacionados ao pretenso ”time” pela qual o autor ou autora da mensagem ”torcem”.

Aos poucos vai se formando um deserto na rede. Como se tivéssemos desistido de nossa capacidade de ter opinião própria a partir de uma reflexão individual proporcionada pela experiência pessoal, pelo diálogo com os outros, pela aquisição de conhecimento. E, voluntariamente, nos oferecido para sermos absorvidos por um lado em disputa.

O que, infelizmente, me lembra de Oscar Wilde: ”Há três tipos de déspotas. Aquele que tiraniza o corpo, aquele que tiraniza a alma e o que tiraniza, ao mesmo tempo, o corpo e a alma. O primeiro é chamado de príncipe. O segundo de papa. O terceiro de povo”.

Apesar disso ser motivo para um certo desalento, acredito que estamos vivendo uma adolescência da internet. E, assim que amadurecermos ao perceber a necessidade de melhorar o debate público, a avaliação de Wilde não vai prosperar.

Prefiro, portanto, ficar ao final com Eduardo Galeano, na esperança de que nademos juntos para vencer a correnteza e não sejamos levados por ela.

”A igreja diz: O corpo é uma culpa.
A ciência diz: O corpo é uma máquina.
A publicidade diz: O corpo é um negócio.
O corpo diz: Eu sou uma festa.”

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