Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Guita e José Mindlin foram pessoas especiais, de uma generosidade que se mostrava das mais diferentes formas. De todas, a mais expressiva e que sem dúvida simboliza todas as outras terá sido a doação da Brasiliana garimpada ao longo das décadas. São cerca de 32 mil títulos, num total de 60 mil volumes, disponibilizados para todas as pessoas interessadas através da USP. Há obras de literatura brasileira, relatos de viagens, manuscritos, documentos históricos e literários, periódicos, livros científicos, didáticos e artísticos, entre outros.
Doar livros e outros documentos, sabemos bem, pode se transformar em algo inútil ou até desastroso, se quem os recebe não tiver os meios e recursos necessários para cuidar, manter e oferecer condições de socialização da informação neles contida. José Mindlin sabia bem disso. Assim, juntamente com Guita, sua mulher e cúmplice nesse grande ator de amor, e o então diretor do Instituto de Estudos Brasileiros, István Jancsó, se dedicou a construir o projeto do espaço e das formas como seu precioso acervo seria aberto à população. Daí surgiu o prédio que passou a abrigar não só a sua Brasiliana, como a do IEB, fundado pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda na década de 1960.
Guita Mindlin ‘encantou-se’ em 2006; José, em 2010. O prédio sonhado, que merecidamente tem o nome de Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, ficou pronto somente em 2013. Lá estão não apenas as coleções como espaços para outros eventos ligados à cultura, incluindo um auditório que recebeu o nome do componente uspiano dessa aventura: István Jancsó.
Para melhor socializar tudo, a BBM tem um site, no qual todas as suas realizações são noticiadas, com informações sobre o acesso aos documentos e as regras para utilizá-los e – levando cada vez mais longe o sonho, bem como queriam seu idealizadores – os primeiros três mil volumes digitalizados já estão à disposição para serem baixados, com opções de buscas variadas.
O acesso ao site e ao acervo pode ser feito AQUI. A informação transcrita abaixo também é proveniente dele. Há ainda um blog, dedicado mais à popularização das informações contidas e a uma troca direta com o público interessado.
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Em 2002, o professor István Jancsó, então diretor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, concebeu, juntamente com José Mindlin, o projeto de construção de um moderno edifício capaz de abrigar as duas importantes coleções brasilianas da USP (a do próprio IEB, fundado em 1962 pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda, e a de José e Guita Mindlin). A Biblioteca Mindlin, enquanto instituição da Universidade de São Paulo, foi criada em função desse projeto e a doação do acervo foi confirmada em cerimônia realizada em maio de 2006. A nova sede da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin foi inaugurada em março de 2013.
Parte do acervo doado pertencia ao bibliófilo e bibliotecário Rubens Borba de Moraes, em quem José Mindlin reconhecia “uma espécie de irmão mais velho”, dono de “um amor aos livros e à leitura muito parecido com o meu”. Importante intelectual e o mais destacado estudioso da bibliografia sobre o Brasil, Rubens Borba de Moraes deixou sua biblioteca de 2.300 obras ao casal Mindlin após seu falecimento, em 1986.
Vida entre livros
José Mindlin começa muito cedo sua vida de colecionador de livros raros. Ele tinha apenas 13 anos quando comprou o primeiro livro em razão de sua antiguidade; era uma edição portuguesa de 1740 do “Discurso sobre a História Universal” de Bossuet. Um pouco mais tarde, um presente de seu pai – os seis volumes da “História do Brasil” de Robert Southey, de 1862 – e outro de uma tia – História do Brasil por Frei Vicente do Salvador, com notas por Capistrano de Abreu, de 1918 – fizeram Mindlin decidir-se a reunir livros sobre o Brasil. É o início da formação de uma coleção brasiliana, que chegaria a mais de 32 mil títulos.
A paixão duradoura pelo livro e pela leitura fez José Mindlin dedicar toda sua vida à constituição de sua biblioteca. Mas sua contribuição à cultura e à sociedade não se restringiu a isso. Ele também teve atuação destacada nos setores público e privado: foi empresário da indústria metalúrgica, secretário estadual de cultura, ciência e tecnologia (1975) e membro de diversos conselhos, principalmente de instituições culturais. Foi também membro da Academia Brasileira de Letras de 2006 a 2010, ano de sua morte.
Guita Mindlin partilhou com o colega da Faculdade de Direito e depois marido a paixão pelos livros e, como José, dedicou boa parte de sua vida a eles. Seu principal interesse era a conservação e o restauro de livros. Para ampliar seus conhecimentos sobre o assunto visitou bibliotecas, fez cursos no Brasil, na França, na Espanha e na Alemanha e montou um laboratório dentro de casa com a finalidade de cuidar melhor dos livros da biblioteca do casal. Em 1988, juntamente com Tereza Brandão Teixeira, criou a Associação Brasileira de Encadernação e Restauro (ABER) com o objetivo de reunir profissionais ligados à conservação e ao restauro de livros, a documentos impressos e manuscritos e à encadernação artesanal. O trabalho de Guita e Tereza são pioneiros no Brasil na área de preservação do patrimônio bibliográfico.
Uma extraordinária coleção sobre o Brasil
A biblioteca formada por José Mindlin ao longo de sua vida estava organizada em quatro principais vertentes temáticas: assuntos brasileiros, literatura em geral, livros de arte, e livros como objeto de arte em virtude de seus traços tipográficos, de sua diagramação, ilustração, encadernação, entre outros aspectos.
O acervo doado à USP em 2006 reúne material sobre o Brasil ou que, tendo sido escrito e/ou publicado por brasileiros, sejam importantes para a compreensão da cultura e história do país. O conjunto é constituído por obras de literatura, de história, relatos de viajantes, manuscritos históricos e literários, documentos, periódicos, mapas, livros científicos e didáticos, iconografia e livros de artistas. A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin almeja expandir seu acervo – torná-la uma biblioteca viva, conforme os ideais de José Mindlin – adquirindo novos títulos e coleções que dialoguem com as vertentes inicias do acervo.
Esta Biblioteca, conforme o regimento, tem o compromisso de conservar, divulgar e facilitar o acesso de estudantes, pesquisadores e do público em geral ao acervo, e promover a disseminação de estudos de assuntos brasileiros por meio de programas e projetos específicos. Neste sentido, ela tem atuado como um centro interdisciplinar de documentação, pesquisa e difusão científica de estudos brasileiros, da cultura do livro, da tecnologia da informação e das humanidades digitais, tornando um órgão de integração de diversas iniciativas acadêmicas, de interesse intersetorial e transdisciplinar.
Desde 2005, quando passou a funcionar, a Biblioteca tem reunido especialistas, sediado projetos e apoiado iniciativas de estudos, desenvolvendo atividades em torno de quatro campos do saber: 1) Estudos Brasileiros; 2) História do Livro e da Leitura; 3) Tecnologia do Conhecimento e Humanidades Digitais; e 4) Preservação, conservação e restauração do livro e do papel.