Grupo prepara ação no STF para permitir aborto em caso de zika

Ricardo Brito, Estadão

Um grupo de estudiosos de questões ligadas às mulheres pretende apresentar em até dois meses uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para permitir a legalização do aborto decorrente de contágio pelo zika vírus. O processo deverá pedir à Corte que conceda o direito às gestantes de interromper a gravidez caso tenham sido infectados pelo vírus que pode causar, entre outras doenças, microcefalia nos fetos.

Segundo os envolvidos, o argumento principal para a ação deve se basear no fato de que o direito ao planejamento familiar assegurado pela Constituição e por outras legislações tem sido desrespeitado no momento em que mulheres grávidas passam por uma tortura psicológica durante a epidemia decorrente de negligência do Estado e do desconhecimento dos efeitos da contaminação da doença causada pelo mosquito Aedes aegypti.

A advogada Sinara Gumieri, da organização não­governamental Anis ­ Instituto de Bioética, disse que a ação, que ainda não está pronta, não deverá cobrar do STF a legalização do aborto decorrente do diagnóstico do feto. Nesse aspecto, o pedido se assemelha ao que ocorre atualmente na interrupção da gravidez resultante de um estupro, quando se busca evitar o prolongamento do sofrimento da mulher. Ou seja, a fundamentação difere da permissão concedida pelo Supremo em 2012 para o aborto de fetos anencéfalos.

Em caso de sucesso no Supremo, o processo pedirá que o Ministério da Saúde regulamente os procedimentos para a realização do aborto, nos moldes do que já ocorre atualmente para as hipóteses de estupro, dos fetos sem cérebro e de risco de vida para a gestante.

Caberá ao ministério estabelecer os critérios para a interrupção da gravidez, como, por exemplo, quais exames serão necessários para comprovar a enfermidade.

A intenção é entrar na Corte com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, mesmo instrumento usado no caso da anencefalia e pedir uma liminar a fim de que, ainda neste semestre, o STF se pronuncie sobre o caso. Entidades e juristas, como o ex-presidente do Supremo Carlos Ayres Britto, têm sido sondados para encampar a ação. Mesmo diante da urgência da epidemia, a demora para se mover a ação no STF se deve à complexidade da causa.

Uma das principais articuladoras dos apoios é a antropóloga Debora Diniz, professora da Universidade de Brasília, fundadora da Anis e que na segunda­feira, 8, publicou um artigo na página de opinião do jornal The New York Times em que defende o direito das mulheres de abortar em decorrência de contágio com o zika. Para a antropóloga, a epidemia tem se concentrado em mulheres pobres, negras e principalmente nas regiões menos desenvolvidas do País, um espelho da desigualdade social brasileira. Mulheres ricas, destacou, podem pagar por um aborto seguro, mesmo a prática sendo ilegal.

Britto disse que está analisando o caso. “Ainda não decidi se entrarei na causa”, afirmou. Embora participe ativamente das discussões, a Anis não tem legitimidade para mover sozinha a ação na Corte. A ONG deverá participar da causa como amicus curiae, espécie de convidado do tribunal.

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