Carta do Povo Matis ao presidente da Funai

A carta abaixo foi enviada pelos Matis ao presidente da Funai, João Pedro Gonçalves, com cópia ao procurador da República em Tabatinga. Nela, além de historiar suas relações com os ‘brancos’ desde o primeiro contato, os Matis esclarecem seus motivos no atual conflito com a Fundação. (TP).

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Senhor Presidente,

Em 1976, contato estabelecido pelo sertanista Rubens, Wellington Figueiredo, Pedro Coelho, Samuel Cruz e demais funcionários. No período de contato os Matis contraíram gripe e retornaram para Rio Branco na maloca tradicional, onde houve tragédia na história dos Matís, a maioria dos corpos não eram sepultados. Apenas 87 pessoas Matis da maloca do igarapé Jacurapa sobreviveram. Primeiro episódio cometido pela FUNAI com os nossos povos, onde perdemos dois terços do nossos povos, onde ainda continua acobertado pela FUNAI e o estado nunca investigou tal descasos, que foi um grande desrespeitos e desumanos com nós Matis.

Alguns anos depois de contato a equipe da FUNAI, deslocaram Matis para outra localidade, acima do Rio Ituí, prometendo assistência a saúde, educação e sustentabilidade do governo federal, realizar abertura de nova roçado no Igarapé Bueiro, com objetivo de criar nova comunidade Matis. Assim foi feito a mudança tirando da nossa área tradicional do Rio Branco, Coari e Jacurapá e depois nos abandonaram

Após criar aldeia, FUNAI escolheu um indígena nomeando cacique Matís da aldeia, algo como líder do povo uma categoria de hierarquia desconhecida pelo Matís, com objetivo de usar indígena para comandar a comunidade. Foi o início dos servidores do posto indígena usava indígena como chefe do povo exclusivamente para mandar nas mulheres, ou seja, obrigar fazer relação sexual. Os servidores diziam que se as mulheres Matis rejeitassem, nunca haveria outros servidores na aldeia, por que ele que comandava outros brancos da cidade. Segundo esses servidores se achavam únicos profissionais que existia na cidade, se ele saísse da aldeia, aconteceria muita morte novamente por falta de atendimento de saúde.

Com essa argumentação o servidor da FUNAI obrigava o chefe Matís fazer que as mulheres aceitasse fazer relação sexual. Caso negasse não tinha direito do Matís receber machado, terçado, bem como outros objetivos industrializados. Obrigavam os Matís explorarem madeira (cedro e mogno). Os servidores abusava sexualmente das mulheres quando buscavam agua, lavar roupa no porto. Ofereciam sabão, perfume e outros objetos para abusar das mulheres. Pouco mais tarde as mulheres que tiveram relação começaram ter corrimento vaginal e os homens que tinha contato com as mulheres ficaram doentes apresentando inchaços nos testículos e demais problemas de saúde. Em 1998 os últimos funcionários que atendiam o povo Matis saíram para cidade. Desde então estamos abandonados pela FUNAI.

Quanto a nossa história, os Kurubo denominado pelos brancos, na nossa língua são identificados por (Xëabo), sempre viveram próximo das nossas aldeias Matis. O estudo antropológico não conhece de fato a nossa vida. Muitas vezes nos culpa de brigar por Território, sendo que não é verdade. Segundo os nossos velhos, os povos XËABO usavam feitiçaria para o povo Matís para picada de cobra, usavam veneno para envenenar os Matís fechava caminho como sinal de ataque, roubavam alimentos, faziam maldades com nosso povo, o que revoltava o nosso povo, até que chegou a conflitar no passado.

O primeiro contato ocorreu em 1996 com 18 Kurubo que, na época, encontravam-se bastante vulneráveis devido à pressão de sucessivos conflitos com o entorno não indígena. Após várias mortes de indivíduos Korubo, a Funai diagnosticou a necessidade de estabelecer contato, a fim de assegurar a sobrevivência do grupo, que ficou conhecido como “grupo da Mayá”, em referência à mulher mais velha encontrada entre eles. Nessa expedição nos indígenas Matis e Marubo participamos como interprete, porque o grupo pertence língua família pano. Atualmente, essa população contatada é de 33 pessoas e vive distribuída por duas aldeias situadas na margem esquerda do rio Ituí.

Entre 2007 e 2010, iniciamos um processo buscando a reocupação de território tradicional. Realizamos a mudança de aldeias do rio Ituí para o rio Coari (aldeia Todowak) e rio Branco (aldeias Tawaya e Bukuak), deixando a margem esquerda do Ituí. Os locais que escolhemos para novas aldeias é território de ocupação tradicional Matis. Antes de retornar para esta região solicitamos apoio da FUNAI para monitoramento territorial da área do Kurubo, bem como pedimos a presença da FUNAI nas nossas comunidades, a fim de impedir qualquer atrito. Mas, a FUNAI nunca nos atendeu, vimos recebendo alegação de falta de recursos financeiros.

Depois de morte dos nossos membros a FUNAI, ficou intrigado com nosso povo. Nós não aceitamos este tipo de atitude dos servidores da FUNAI, lembrando-se da história acima citado. Melhor nos deixar do jeito que estamos vivendo sem presença da FUNAI, sem pensar a quem cobrar o apoio. Esquecidos por Estado Brasileiro, sem preocupação de encaminhar nossa demanda para órgãos responsáveis, porque a FUNAI não tem nenhum tipo de preparo para lidar com os povos indígenas.

Quanto o conflito entre os Korubo, que está encobertada pela própria FUNAI, aconteceu que a FUNAI isolou os Matís, culpando que os Matís se relacionava com os Kurubo, assim ficou apenas os Marubo. Foi o momento do grupo da “Maya” considerado pela FUNAI, se interessaram em capturar mulheres de outros parentes isolados na selva, pela falta de mulheres nas suas aldeias. Assim, sem FUNAI saber e sem os colaboradores Matís saber montaram uma pequena equipe de Korubo, conseguiram gasolina para usar no motor PEC-PEC de 05HP dado pela FUNAI para fazerem farinha. Com esse, se deslocaram para onde havia vestígios dos kurubo isolados que vivem no rio Coari, e atacaram esses grupos, foi como os que estavam na floresta se espalharam por todas as partes. Dividindo-se, em pequenos grupo, fugindo de mata a dentro, seguindo ao Rio Itacoaí, Rio Coari e Rio Itui. Inclusive a própria FUNAI resgatou sobrevivente que foi parar no hospital Guarnição de Tabatinga. Outros, conseguiram chegar próximo à aldeia Todawak.

Depois atacaram dois membros Matís na aldeia Todowak, o que não se pode afirmar o que causou o ataque aos Matís na nossa aldeia no Rio Coarí. Hoje os parentes Kurubo estão espalhados por todas as área, que chegam nas três aldeias Matís no Rio Branco, não é disputa de território, como alegam os dirigentes da FUNAI, porque há território suficiente para ocupação de todos os povos.

Vale salientar que, se fosse pela FUNAI a terra indígena do Vale do Javari teria sido demarcada em ilha para cada povo seja para isolados ou contatados, sem conhecimento de que povos indígenas eram nômades que precisavam imenso território para sobrevivência. Diante do exposto, ao contrariando pensamento da FUNAI através da mídia internacional o movimento indígena (Conselho Indígena Vale do Javari – CIVAJA), garantiu a demarcação para todas as populações indígenas contatados e isolados. Não existem indígenas brigando pela terra o território que pertence toda população de qualquer etnia nela habitam ao Vale do Javari.

Se os Matis disputasse pela terra, muitos anos poderíamos ter brigado com outros povos já contatados. O Carlos Travasso veio dizer que não tinha como fazer nada e deixar os Korubo como estão, que Matis estavam errados, invadindo o território dos Korubo. Daí os velhos Matis olharam, como é que esse rapaz, branco de longe, que não conhece aqui, quer mandar na gente, sem ouvir a comunidade, não respeitando o nosso povo Matis.

Os dirigentes devem respeitar muito os nossos princípios de luta, considerando a UNIVAJA organização oficial dos povos indígenas do Vale do Javari. Não dizendo que mobilização “só tem Matis, não tem Marúbo, não tem Mayoruna e não tem Kanamary”. Somos indígenas das aldeias que preservamos nossas culturas. A FUNAI tem que nos respeitar, apoiando nossos interesses coletivos porque foi a FUNAI que fez contato, depois abandonou nós.

Em nota esclarecemos publicamente que a nossa mobilização não aconteceu por motivação ou manipulação de terceiros, foi articulada de forma organizada, pensada e discutida, consultando todas as aldeias indígenas do Vale do Javari entre os dias 11 a 15 de Janeiro de 2016. Se algumas comunidades ou etnias seriam contra ou favor da mobilização do povo Matis na sede da FUNAI, quando todas as aldeias e etnias posicionaram a favor da ocupação, com exceção do Raimundo Mean Mayoruna, único indígena que discordou no momento da consulta, logo depois entendeu a importância do protesto, apoiando nosso movimento.

O Jornal Amazônia Real disse: “o conflito começou no final de 2014 com as mortes de dois Matis por Korubo. Os Matis revidaram, atacando ao menos nove Korubo. Três índios isolados sobreviveram com ferimentos por arma de fogo. Os Matis se armaram prometendo mais vingança, em outubro de 2015”. Nós Matís, desconhecemos esse argumento. Os funcionários da FUNAI ouvidos pela mesma reportagem, afirmam revide sem prova, dizendo que “os Korubo não querem mais contato com os Matis”.

Nos não sentimos ameaçados por tal grupo, até porque os Kurubo não possuem arco e flecha. Nós também evitamos conflito, acontece que os parentes isolados não tem entendimento da nossa cultura. Se nós pensasse em confrontar com os parentes isolados nunca haveria isolados aparecendo ao redor das nossas aldeias.

Atualmente a FUNAI precisa entender os Matis, a nossa cultura, a nossa sobrevivência na aldeia, porque nenhum funcionário sabe a nossa realidade por que estamos abandonados por instituição como FUNAI. A FUNAI dever trabalhar no sentido de realizar o monitoramento do território dos isoladas e atuar na nossa aldeia para garantir um bom atendimento aos índios isolados quando efetuarem contato através dos seus representantes indicados.

A nossa reivindicação é legitima, porque nós que estamos sentimos na pele sobre os problemas que nos afeta. Não aceitamos a continuação do Bruno Cunha Araujo Pereira na coordenação da CR pela sua incapacidade de lidar com os povos indígenas. Pela ameaça que o mesmo vem cometendo contra nós, caso ele voltar as nossas lideranças tradicionais não querem mais conversa com o mesmos. Se ele é rejeitado por nós, como que o Bruno vai trabalhar com os povos indígenas porque ele não é bem-vindo e não vai conseguir fazer um bom trabalho por não ter harmonia com todos os povos.

Pedimos que as autoridades nos atenda, e pedir ao presidente da FUNAI para exoneração do atual coordenador da CR.

Atalaia do Norte – AM, 12 de Fevereiro de 2016

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Hélvia Schneider.

Destaque: Os índios Matís ocupam a sede da Funai em Atalaia do Norte. Foto de Marke Matís.

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