Serviços públicos podem ser privatizados, diz o STF. Por Elaine Tavares

Em Palavras Insurgentes

Foi muito tempo de luta do movimento popular e sindical contra a privatização dos serviços públicos, que estava sendo feita através das organizações sociais. Governos de estados e municípios já estavam implantando a administração privada de serviços como saúde, educação, atendimento ao menor, etc. A batalha chegou ao Supremo Tribunal federal, última instância da Justiça, na tentativa de barrar a entrega de serviços que são direitos da população para empresas que atuam na lógica do lucro.

Pois no mês de dezembro do ano passado o STF finalmente divulgou o Acórdão relativo à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 1.923. Essa ação tinha sido ajuizada em dezembro de 1998, pelo PT e pelo PDT, e argumentava pela inconstitucionalidade da Lei nº 9.637 editada em 1998, que qualificava entidades privadas como “organizações sociais”, e buscava a redução do Estado conforme a cartilha neoliberal, a qual era seguida a risca pelo governo de FHC.

A decisão do STF não causa surpresa, uma vez que o judiciário brasileiro anda bem longe da Justiça. Pois, agora, segundo os magistrados, mesmo os chamados serviços essenciais (como saúde, educação, segurança, cultura, etc), podem ser retirados da órbita do estado, sendo prestados de forma indireta, administrados pelas chamadas “organizações sociais”.

Sete dos juízes votaram favoravelmente a privatização, apenas dois se colocaram contra, numa votação que aconteceu no mês de abril de 2015. Agora, no final do ano, finalmente apareceu o documento oficial, o Acórdão. Como não houve qualquer recursos contra o conteúdo da decisão, no último dia quatro de fevereiro o processo encerrou como transitado em julgado. Ou seja, está valendo definitivamente.

Segundo análise do tema divulgada pelo escritório de advogados SLPG –Silva, Locks Filho, Palanowski & Goulart –  o STF apenas ressalva que, em casos de contratação de organizações sociais devem ser observados os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, devendo os convênios serem submetidos ao controle de parte do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União.

Conforme avaliação do escritório de advogados SLPG, a decisão tomada pelo STF é crucial porque expressa o entendimento de que a entrega de serviços públicos a instituições privadas (como são as “organizações sociais”), estaria amparada pela Constituição Federal. “Isso abre sério e profundo precedente que deve conduzir à aceleração de experiências de privatização dos serviços públicos, que já existem em diversos Estados da Federação, mas cuja constitucionalidade ainda se encontrava em dúvida, haja vista a tramitação da Ação Direta de Inconstitucionalidade”.

Agora, com o transitado em julgado qualquer administrador público poderá contratar uma organização social para administrar qualquer serviço público, sem qualquer exceção.

O escritório de advogados SLPG, seguindo na sua divulgação e análise mostra que o Plenário do STF, por maioria, seguiu o voto do Ministro Luiz Fux, o primeiro a divergir do voto originalmente dado pelo relator da Ação Direta, ministro Ayres Britto, agora aposentado, que em seu voto inicial havia reconhecido a inconstitucionalidade na norma legal em questão.

Trechos da análise feita pelo escritório

Pois esse ministro Fux, ao contrário, adotou o  entendimento de que a Constituição permitiria outras formas de organização da atividade estatal que não apenas a prestação de serviços essenciais por parte de órgãos ou entidades integrantes da administração pública; como afirmou a Ministra Carmén Lúcia, para quem “Cada vez mais o que se tem é exatamente a busca de uma melhor prestação do serviço, (…) com ganho para o usuário do serviço público, num novo modelo de gestão que, na dinâmica dada pela interpretação da Constituição, permite-se, sem comprometimento da titularidade dos serviços pelo Estado”, concluindo, ainda, que as chamadas “organizações sociais” não podem ser consideradas “inteiramente privadas”, já que deverão “prestar contas” aos órgãos de controle, razão pela qual não seriam elas dotadas da mesma liberdade típica das entidades privadas clássicas.

Já o ministro Marco Aurélio, considera que a medida consiste em uma “privatização indevida”. Para ele, “o Estado não pode simplesmente se eximir da execução direta de atividades relacionadas à saúde, educação, pesquisa, cultura, proteção e defesa do meio ambiente por meio da celebração de ‘parcerias’ com o setor privado”.

Alguns itens do Acórdão dão bem a dimensão do que foi decidido, como se pode ver abaixo:

“6. A finalidade de fomento, in casu, é posta em prática pela cessão de recursos, bens e pessoal da Administração Pública para as entidades privadas, após a celebração de contrato de gestão, o que viabilizará o direcionamento, pelo Poder Público, da atuação do particular em consonância com o interesse público, através da inserção de metas e de resultados a serem alcançados, sem que isso configure qualquer forma de renúncia aos deveres constitucionais de atuação.

  1. Na essência, preside a execução deste programa de ação institucional a lógica que prevaleceu no jogo democrático, de que a atuação privada pode ser mais eficiente do que a pública em determinados domínios, dada a agilidade e a flexibilidade que marcam o regime de direito privado.” (os destaques são do escritório de advogados SLPG)

Mais à frente, no item 10, o Acórdão afirma que “A atribuição de título jurídico de legitimação da entidade através da qualificação configura hipótese de credenciamento, no qual não incide a licitação pela própria natureza jurídica do ato, que não é contrato, e pela inexistência de qualquer competição, já que todos os interessados podem alcançar o mesmo objetivo, de modo includente, e não excludente”, o que significa dizer que o Poder Público poderá decidir a quem entregar serviços públicos (inclusive essenciais) apenas a partir da mera consulta ao rol de instituições que hajam alcançado a qualificação de “organizações sociais”, pois nesta hipótese, no entendimento do STF, o interesse de tais entidades haveria de ser visto como comum ao próprio interesse da administração pública.

Não haverá licitação, portanto!

Diante de tal decisão do STF  pode-se dizer que até mesmo o esforço empreendido pelo Governo Dilma para a aprovação da chamada  Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), pode agora ser visto como desnecessário, na medida em que os serviços hospitalares poderão ser entregues diretamente à “organizações sociais”, sem a necessidade de uma entidade “intermediária”.

Cabe aos trabalhadores e às entidades organizadas da sociedade civil, portanto, a adoção de meios de luta capazes de enfrentar esta nova visão jurídica e defender os serviços públicos da privatização.

Do contrário, sobrará apenas lamentar a decisão do STF e esperar para ver o que sobrará dos serviços públicos em poucos anos”.

Com informações do escritório de advogados SLPG – Silva, Locks Filho, Palanowski & Goulart.

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