Quem ganha com o ‘fim’ dos direitos humanos?

Por Priscylla Joca*, no Combate Racismo Ambiental

Invente que uma mentira é verdade. Crie um script, busque personagens convincentes, encene e grave um vídeo. Depois publique na internet, terra onde habita um monte de gente raivosa, com fome de encontrar culpados para suas frustrações e que acredita em tudo o que dizem (que seja de acordo com o que acham sobre o universos e tudo o mais). Pronto, 3, 2, 1, contagem regressiva para a destruição da imagem de alguém. Assim, sem presunção de inocência, sem possibilidade de defesa, sem verificação da história. Disse, está dito, então pronto.

Agora, foi a vez do Renato Roseno, antigo defensor de Direitos Humanos, que está como deputado estadual no Ceará, ser vítima disso. Páginas (irresponsáveis) compartilharam o video gravado por uma mãe de um policial assassinado no Ceará dizendo (esses sites) que o Renato teria pago (através da assessoria do mandato dele) advogados para defenderem os acusados por essa morte. Assim, a mãe se tornou mais uma vítima dessa história difamatória.

O Renato buscou aclarar a situação (vídeo abaixo), contudo, como a verdade não é tão excitante como mentiras, muitas pessoas só acessaram o vídeo da mãe publicizado pelas ditas páginas. Está iniciada a sessão de julgamento de exceção na internet com veredito pré-escrito: joga pedra no Roseno.

Ocorre que o ataque ao Renato Roseno, no fundo, é um ataque a todxs xs defensores de direitos humanos. O estereótipo negativo de defensor de DHs como defensor de bandidos paira no imaginário social e cega para as potencialidades e conquistas das lutas por direitos: direitos trabalhistas, de mulheres, de crianças, direito à saúde, à educação, ao lazer, à moradia digna, tudo isso e muito mais são Direitos Humanos que foram conquistados a duras lutas sociais, encampadas por defensores como o Renato. Atacá-lo é atacar a cada defensor e também atacar deslegitimando a luta por esses direitos.

Outro imaginário perverso que aflora dessa história toda: bandido bom é bandido morto e ainda por cima sem defesa. O que afronta (dentre outros) o direito de qualquer pessoa ser julgada com direito a se defender e a contraditar as informações da acusação antes de ser considerada culpada, e vai contra a proibição da pena de morte constitucionalmente assegurada no Brasil.

Defensor de DHs não defende matar, furtar, roubar, praticar crimes que atentem contra a vida. Porque a vida (digna) é o bem maior defendido por esses direitos. A vida de qualquer pessoa, inclusive a sua que está lendo, você aí que pode ser um dia acusado (oxalá injustamente!) da prática de um crime.

Para concluir esse texto sobre um assunto inconcluso, defensores de DHs têm sido perseguidos, violentados e mortos em todo o Brasil. Para nós que somos defensores dá uma angustiada sensação de que se está escrevendo em nossas lápides “defensor de DHs bom é defensor de DHs morto”. Tenebroso e assustador, não é? Com isso tudo, a resistência cresce e o sentido da luta por direitos se fortalece. Se nos perseguem assim, imaginem o que andam fazendo àqueles a quem defendemos? Então, vamos caminhando!

Enquanto tudo isso, a questão que deveria estar inquietando a gente da internet é: quem ganha com o ‘fim’ dos DHs e de seus defensores?

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*Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), doutoranda em Direito na Universidade de Montreal, integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP) e do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS).