Apesar do Brasil já contar com instrumentos legais para punir atos terroristas, o Congresso Nacional aprovou a lei antiterrorismo (PL 2016/2015) para atender a uma demanda de uma organização internacional que coordena políticas de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de grupos terroristas. E, apesar das promessas de parlamentares, organizações e movimentos sociais, além de relatores especiais das Nações Unidas, temem que a nova legislação poderá ser usada para criminalizar ações públicas na luta por direitos.
No texto aprovado pela Câmara, nesta quarta(24), a tipificação de terrorismo ficou como atos de sabotagem, de violência ou potencialmente violentos por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
A Câmara dos Deputados, além de retirar a questão do “extremismo político” como elemento caracterizador do terrorismo, retomou um artigo introduzido pela casa – mas que havia sido derrubado pelo Senado Federal – para tentar mitigar o risco de criminalização dos movimentos sociais pelo Estado:
“O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.”
Mesmo assim, a interpretação da lei pela Justiça ainda pode levar à criminalização de movimentos e organizações sociais. Vale lembrar que, mesmo sem a lei, pessoas são mantidas presas com acusações ridículas por participarem de manifestações.
Vale lembrar que a lei foi proposta pelo próprio governo federal.
Por isso, uma pergunta: se parlamentares de um partido, como o PT, que tem entre suas fileiras pessoas que foram torturadas na essencial luta pela democracia aceitam aprovar uma lei como essa, então nada mais justo que seus companheiros sejam os primeiros julgados por essa definição do crime, com base em suas ações na ditadura. Fazendo um jurídico, talvez possamos dizer que “terrorismo” não prescreve…
Fico procurando algum termo que expresse subserviência e hipocrisia ao mesmo tempo para definir essa aprovação e, infelizmente, não consigo.
Deveríamos também usar a definição de terrorismo aprovada para colocar no banco dos réus governadores e comandantes policiais.
Quem estava naquele fatídico 13 de junho de 2013, quando a polícia não fez selfies mas, pelo contrário, lançou bombas de gás, espancou, cegou, sangrou, feriu manifestantes e jornalistas que estavam no protesto pacífico pela redução da tarifa do transporte público sabe que aquilo foi terrorismo de Estado em seu grau mais puro. Se aquela violência institucional não foi motivada por discriminação com o objetivo de “provocar pânico generalizado”, então nada mais o é.
Isso ocorre em grau bem maior em ações em favelas e comunidades pobres, territórios indígenas, acampamentos de sem-terra ou de sem-teto, em que a polícia age, sob ordens dos governos, como se estivessem em guerra aberta contra sua própria população. Com o agravante de que a maioria dos mortos nas periferias das grandes cidades são jovens negros. Ou seja, um claro atentado contra a pessoa, “mediante violência ou grave ameaça motivado por preconceito racial e étnico” – como prevê a lei.
Estamos nos especializando no caminho do terrorismo de Estado, tanto ao criar entraves à liberdade de expressão quanto ao reprimir ainda mais o punhado de direitos das comunidades pobres que ainda não foram defenestrados. A população mais carente é a que teme cada vez mais seu governo ao invés de respeitá-lo.
Tudo aquilo fora da ordem estabelecida pelos grupos que os governos representam ou em desacordo com sua visão de “progresso” e crescimento econômico, seja no campo ou na cidade, leva pau. Em vez de aceitar e promover o debate público e a dignidade dos participantes, governos vão renovando seu estoque de gás lacrimogênio, lançando mão de caveirões e bombas.
Dilma Rousseff, se sancionar essa lei, provará mais uma vez sua proximidade com os verde-olivas – que adoravam uma marcha cívica, mas desciam o cacete nos estudantes que protestavam e nas “hordas de bárbaros” quando elas saíam da casinha, taxando todos de “terroristas”. Pois ela já mostrou sua simpatia pelos métodos da ditadura ao replicar seu modelo de desenvolvimento para a Amazônia. E não me venham com mimimi. É justo que nosso conforto nos grandes centros se dê às custas da mutilação de comunidades para a implantação de hidrelétricas, como a de Belo Monte?
Como já disse aqui antes, essa lei não trata apenas de liberdade de expressão e da participação política. É sobre a quem pertence a cidade. A todos e todas que nela vivem ou a um pequeno grupo que tem muito dinheiro ou está alinhado com o administrador público de plantão?
Já se passaram décadas. Mas a frase da ditadura civil-militar ainda é paradigmática para entender o país e seus governos, Justiça e parlamento:
Brasil: ame-o [do nosso jeito] ou deixe-o.