Até o Editorial da Folha denuncia: “Terrorismo legislativo”

Injustificável inclusive porque produto de injunções internacionais que deveriam ter sido refutadas por um governo menos pusilânime, o projeto de lei contra o terrorismo (?) é mais um caso de ‘desaperfeiçoamentos’ por parte de um legislativo sinistro: conseguiu piorar a cada passo. A tal ponto, que até a chamada grande imprensa se sente no dever de cobrar da presidência da República o corte dos “excessos parlamentares”. A esdrúxula bola de neve -parida, repito, pelo Executivo- virou um monstrengo. Agradecemos por mais esta, Dilma Rousseff. (Tania Pacheco).

Editorial da Folha de São Paulo

O Brasil e Brasília têm coisas bem mais urgentes para resolver, mas, uma vez que o Congresso Nacional aprovou uma legislação para tipificar o crime de terrorismo, cabe agora à presidente Dilma Rousseff (PT) corrigir os excessos parlamentares por meio de vetos.

Não se tem notícia de que o país esteja sob alguma ameaça plausível nesse terreno. A demanda para adotar normas mais rígidas a respeito veio de obrigações internacionais assumidas pelo governo brasileiro. Há também vaga preocupação com os Jogos Olímpicos deste ano no Rio de Janeiro.

O projeto de lei originário do Executivo já nasceu desequilibrado. Continha definições amplas demais, que poderiam conduzir, na interpretação de juízes mais draconianos, a penas entre 16 e 24 anos de prisão até para jovens que invadissem escolas públicas, como se deu com frequência em 2015.

Algumas enormidades desse gênero foram aparadas no trâmite entre a Câmara e o Senado; outras, entretanto, sobreviveram.

Excluiu-se da caracterização do delito de terrorismo, por exemplo, a expressão “extremismo político”. Havia o temor de que essa cláusula pudesse resultar no enquadramento de participantes de protestos e manifestações organizados por grupos de militância, que em alguns casos envolvem conflitos violentos e depredações de patrimônio público e privado.

Não só a menção desapareceu como a Câmara retomou um artigo excluído pelos senadores segundo o qual o texto não se aplica a manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou categoria profissional.

Tudo isso é um tanto supérfluo, porque afinal os crimes tipificados no novo diploma já estão bem cobertos na legislação existente. Exemplos: estipula-se que são atos de terrorismo puníveis com 12 a 30 anos de reclusão, entre outros, “interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática ou bancos de dados” (art. 2º, inciso I) e “atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa” (inciso V).

Há mais. No afã de aumentar o rigor, consagra-se a aberrante pena de quatro a oito anos de prisão para quem fizer apologia de terrorismo, o que configuraria quando muito um delito de opinião.

Estamos diante de um fenômeno típico do furor legislativo imperante no Brasil, em que se confunde a solução de problemas com a produção de leis prevendo punições mais e mais severas.

Se o objetivo é impedir a ocorrência de atos terroristas durante os Jogos Olímpicos, as ferramentas adequadas são informações de inteligência e efetivos com capacidade de reação, não uma profusão de letras sobre o papel.

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