Por Paulo de Tássio Borges da Silva**, no Combate Racismo Ambiental
Há mais de uma década trabalhando com o Povo Pataxó do Território Kaí-Pequi, venho vivenciando com eles os entraves da sobreposição territorial por Unidades de Conservação. Os conflitos dos Pataxó com as Unidades de Conservação (UCs) são marcados com o Decreto de Lei nº. 12.729 de 19 de abril de 1943, promulgado pelo interventor da Bahia que cria o Parque Monumento Nacional do Monte Pascoal – PMNMP. Dentre os objetivos do parque estavam a: “rememoração do fato histórico do descobrimento do Brasil”, “a preservação da flora e a fauna típicas da região, segundo as normas científicas” e “a conservação das belezas naturais na preservação e organização dos serviços e atrativos turísticos”.
Nos objetivos da criação do parque há conflitos e contradições no que concerne aos interesses do Estado e às tradições Pataxó. O primeiro é a rememoração do chamado “descobrimento”, onde o Estado rememora o fato como o início do Brasil, o grande feito europeu para os “bárbaros tropicais”; em contrapartida, os povos indígenas o têm na memória como o início da violência e do genocídio. O segundo conflito que podemos pautar é o silenciamento das práticas tradicionais Pataxó pelo discurso científico, como regulador do espaço, em detrimento de todo um saber tradicional construído durante séculos afora. Paralelo aos dois conflitos citados acima, somam-se os interesses economicistas do mercado turístico.
Não bastando a primeira UC, em 2000 é criado o Parque Nacional do Descobrimento (PND), numa negociação com a antiga BRALANDA, onde o governo Federal comprou suas supostas terras, sendo chamadas então de Parque Nacional. O PND é uma UC com 21.130 hectares e, apesar da exploração da BRALANDA, possui a maior mancha contínua da Mata Atlântica. As aldeias localizadas nas UCs são oriundas do movimento de “retomada” pelos Pataxó, movimento de etnorreconhecimento Pataxó. Os conflitos com os agentes destas unidades são constantes, pois o povo Pataxó precisa dos recursos ambientais, como sementes, folhas, cipós e fibras para sua reprodução física e cultural, uma vez que fazem parte do seu artesanato e dos seus rituais tradicionais.
A sobreposição das UC’s sobre o território indígena Pataxó agride diretamente este povo, já que impede a coleta das sementes, das fibras e a construção de escolas. Vale ressaltar que os direitos indígenas à sua reprodução material e imaterial em seus territórios com a educação indígena e educação escolar indígena é garantida na Constituição Federal de 1988 em seus artigos 210, 231 e 232, bem como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394 de 1996 nos seus artigos 23, 26 32, 78 e 79.
Observa-se que a política de meio ambiente de sobreposição aos territórios indígenas tem servido para neocolonialidades de epistemes tradicionais, bem como propagação de um racismo ambiental fundamentado num conservacionismo míope do mito da natureza intocável.
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* Fragmento do texto apresentado com o título “Educação Indígena e Educação Escolar Indígena: Quais os seus lugares nas Unidades de Conservação em sobreposição territorial indígena? no Fórum GEPPIP: Políticas Públicas, Territorialidade e Conflitos Socioambientais em Unidades de Conservação- UFS, com extratos do livro As Relações de Interculturalidade entre Conhecimento Científico e Conhecimentos Tradicionais na Escola Estadual Indígena Kijetxawê Zabelê.
** Doutorando em Educação pelo Proped/UERJ, professor substituto na Faculdade de Educação da Uerj e professor na Licenciatura Intercultural Indígena Tupinikim e Guarani – UFES.
Parabéns, Paulo! A sua iniciativa representa o grito de muitos nativos, ativistas na causa indígena, educadores, antropólogos, biólogos e linguistas. O pouco que sobrou do território, da cultura, dos alimentos naturais, trabalhos da terra e direitos dia a dia são violados e calados na grande mídia brasileira. A educação indígena atualmente é o principal instrumento para conservar e resgatar um pouco do que foi perdido em 517 anos de violência, devastação, racismo e genocídio. Talvez por isso tão atacada em diversos povos e etnias.
Estamos na luta!
Um abraço
Parabéns Paulo! O nosso povo necessita de vozes que gritem suas dores diante das injustiças sofridas.