A Terra é chata como uma pizza. Mas não ponha ketchup, porque é vermelho, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

Um dos maiores saltos da humanidade foi o momento em que sua esmagadora maioria passou a aceitar que a Terra não era chata como uma pizza de muzzarela, mas redonda. É claro que há gente doida em todos os lugares, então não podemos estranhar os grupos que defendem na internet que o planeta é uma grande panqueca, de rappers a líderes religiosos. Só torcer para que, talvez, todos encontrem a borda um dia.

Sempre me lembro disso quando vejo alguém torcer o nariz ao ouvir uma resposta mais longa diante de um problema complexo. O insatisfeito, incrédulo, lança ao ar algo como: “Se gastou tudo isso de tempo para explicar, é porque deve ser mentira”. Ou seja, só é verdade se você consegue explicar em poucas palavras, utilizando apenas o conhecimento em comum que todos detém sobre o mundo.

Não admira que Darwin enfrentou charges comparando-o a macacos em jornais e revistas. O que é mais simples de entender: que somos resultado de milhões de anos de seleção natural, em um processo lento e tortuoso, uma evolução mal-ajambrada de várias espécies que contaram com o meio ambiente e a sorte, ou que uma força divina criou tudo a partir de sua imagem e semelhança?

Não é só uma luta contra a tradição e os costumes. É uma luta inglória! O que é mais fácil e menos desesperador de entender? O surgimento do universo conhecido, do Big Bang ao surgimento do Homo Sapiens? Ou a criação de tudo em sete dias?

O mesmo tem acontecido com o ensino de História, que tem se tornado uma tarefa difícil frente às tentativas de explicar o mundo de forma rasa.

Porque a caminhada humana tem muitos poréns, contudos, entretantos, veja-bens. Não anda em linha reta, não tem bandidos e mocinhos bem definidos, tudo depende do ponto de vista. Às vezes, as explicações para alguns fatos levam páginas e mais páginas e, ainda assim, são incompletas. E não são autoexplicativas como um vídeo da Terra girando, demandam outros níveis de senso crítico e de capacidade de interpretar o mundo.

Juro que virei pedra por alguns instantes ao ver a qualidade do revisionismo histórico superficial utilizado como argumento por alguns jovens e adultos em debates na internet. Não era desconhecimento, era formação distorcida mesmo. E não era questão de opiniões estranhas, mas sim de fatos inventados. E, muito provavelmente, distribuídos por gente muito louca.

Diante do exército de zumbis que estamos criando, não me estranha que, em breve, comecemos a queimar na fogueira os que defendem que a história seja contada em sua complexidade e levando em conta os pontos de vista dos vencedores e dos derrotados.

Se nós, brasileiros, desistirmos da saudável discussão sobre a heresia de colocar esses condimentos em pizza e passamos a espancar quem pede o vermelho ketchup ao invés da amarela mostarda, por que não?

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