Moradores da Babilônia enfrentam remoção distante por consequência do abandono do Morar Carioca

No Rio On Watch

Ao passar por um grupo de casas no topo do Morro da Babilônia, uma favela na Zona Sul do Rio, no dia 31 de março, o presidente da Associação de Moradores, André Constantine, parou para conversar com dois moradores que estavam na janela sobre um encontro importante que aconteceria na comunidade no dia seguinte. “Nós vamos nos organizar para fazermos ações juntos”, ele falou. “Nós precisamos de força agora.”

Em um encontro anterior na Secretaria Municipal de Habitação (SMH), André foi informado que os moradores tinham uma escolha: serem reassentados no Complexo do Chapadão, na Zona Norte, a cerca de 35 km de distancia da Babilônia, ou serem reassentados em Santa Cruz, na Zona Oeste, a cerca de 65 km de distância da Babilônia. Essas são as opções para os moradores da Babilônia tanto das áreas consideradas de risco de deslizamento de terra devido às chuvas fortes, quanto das Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e também aquelas famílias que vivem de aluguel social. Dessas últimas, algumas já foram reassentadas de áreas de risco ou de proteção ambiental e devem ser transferidas novamente.

Além de representar mais um caso de remoção no Rio pré-olímpico, a situação desses moradores exemplifica as promessas quebradas de investimento nas favelas pelo programa Morar Carioca. Há seis anos a Prefeitura prometeu que os moradores seriam reconduzidos para apartamentos construídos pelo Morar Carioca dentro das comunidades Babilônia e Chapéu-Mangueira. Agora, em 2016, um dos três blocos do Morar Carioca ainda não foi construído e os fundos para o projeto se esgotaram. Em uma reunião com a comunidade no dia 3 de abril, a “opção” entre se mudar para o Complexo do Chapadão e Santa Cruz já não existia mais: a Prefeitura diz que todas as famílias será enviadas a Santa Cruz.

O programa Morar Carioca foi lançado em 2010 e tem como objetivo urbanizar todas as favelas do Rio de Janeiro até 2020. Intensamente divulgado como componente chave do legado social das Olimpíadas Rio 2016, o programa recebeu louvor nacional e internacional ao ganhar o 2013 City Climate Leadership Award (Prêmio Cidades na Liderança Climática) na categoria Comunidade Sustentável do C40 em 2013. (Nota: o Prefeito Eduardo Paes é presidente do C40 desde 2013). Declarações do C40 atestam que “o objetivo [do Morar Carioca] é manter as pessoas em suas próprias comunidades” e “a meta é reassentar todos que vivem em áreas de risco até 2016”, e eles ainda reforçam os casos da Babilônia e do Chapéu-Mangueira como casos de sucesso da iniciativa rumo à sustentabilidade. Por toda a cidade, entretanto, projetos do programa não se materializaram e, de acordo com o sociólogo Orlando Santos Jr., o programa Morar Carioca “deixou de ser uma prioridade da Prefeitura, sem uma explicação oficial”.

Prioridades equivocadas

Uma das principais críticas do André ao projeto Morar Carioca é a priorização de projetos. André possui mapas produzidos pelo governo em 2010 com um ranking de áreas de risco de deslizamento que variam de “baixo risco”, “médio risco”, até “alto risco”, mostrando os principais moradores a serem reposicionados. Entretanto, poucos moradores foram reassentados e muitos ainda habitam essas áreas de alto risco de deslizamento de terra.

“De 2010 até agora”, afirma André, “seis anos se passaram e nada foi feito. Não foi feita nenhuma melhoria para diminuir os riscos decorrentes das chuvas fortes… Para mim, isso já se constitui um crime”.

Nesse contexto, onde as necessidades foram identificadas, investimentos em painéis solares e arquitetura verde apesar de importantes, mostram uma negligência em relação às prioridades da comunidade. Ele compara essa situação à de um médico que, ao diagnosticar a doença do paciente, não trata a doença principal, podendo neglicenciar a pessoa até levá-la a morte. “A partir do momento que foi diagnosticada [pelo governo] uma área… com a classificação de ‘alto risco’, o governo deveria realizar as obras” para resolver a questão. O presidente da Associação de Moradores pressionou, tanto por cartas como por meio de encontros, a prefeitura a entregar as casas que faltam. Entretanto, até agora não obteve resultados.

De acordo com André, quando dois dos prometidos três blocos de apartamentos foram construídos pelo Morar Carioca, apenas dois apartamentos adaptados foram designados para pessoas com deficiência. Os demais foram entregues por sorteio. Ele argumenta que deveria ter havido uma lista de famílias em ordem de prioridade para o recebimento da moradia publica em um muro para que todos pudessem ver, começando com as pessoas que vivem na área de maior risco e os idosos. Em vez disso, ele lembra, “Essa transparência, nós não tivemos aqui. Não tem diálogo nenhum com essa prefeitura desrespeitosa”.

Essa experiência está muito distante da concepção do Morar Carioca, que foi elogiado justamente por enfatizar a participação comunitária na formulação e implementação de seus projetos. Um arquiteto contratado para o Morar Carioca declarou ao The Guardian que, apesar de gostar da ideia de participação da população, os governos municipal e estadual não permitiram essa troca com a comunidade. André declara ainda que em momento algum a prefeitura apresentou o plano completo, incluindo orçamento e previsão de entrega. Também não houve qualquer tipo de notificação oficial sobre a suspensão por tempo indeterminado da obra, apesar disso ser evidente para a comunidade.

Marcia Sales é uma moradora que foi removida de sua casa porque esta apresentava dois problemas: além de estar localizada em uma área considerada de alto risco, era também uma área de preservação ambiental. Ela ratifica a frustração do André em relação ao Morar Carioca: “Esse trabalho, na minha opinião, não foi feito em parceria com a comunidade. Eles já vêm com a coisa (o projeto) pronta e você fica meia sem opção, ou você aceita ou não”.

Ao desocupar a casa em 2010, Márcia e sua família foram beneficiados com aluguel social enquanto esperavam pelo prometido apartamento do Morar Carioca e eles “tiveram sorte”, segundo ela, de achar uma casa para alugar no pé do Morro da Babilônia. Apesar de terem dito, em 2010, que se a casa deles caísse poderia destruir uma casa localizada bem abaixo dela, a antiga residência de Márcia só foi demolida no início desse ano. Agora Márcia diz estar sendo ameaçada pela prefeitura de perder o direito do aluguel social. “Se você não aceitar ir para esse lugar”, dizem os representantes da prefeitura se referindo a Santa Cruz, “o aluguel social será cortado”.

Márcia acabou de conseguir um emprego em uma creche no bairro, e caso tenham que se mudar para Santa Cruz, ela não sabe como sua família iria conseguir ter acesso ou encontrar um novo emprego, sobretudo devido à situação de crise econômica em que o país se encontra. Além disso, ela acrescenta, ela gosta de viver tão “perto de tudo” na Babilônia, onde ela viveu toda a sua vida junto com seus amigos.

BabiloniaUnidadeHabitacional2-620x264

Mobilização como resposta

Em recente encontro com a comunidade, André e outros moradores planejavam levar o processo adiante. “Não foi culpa de vocês”, assegura o presidente da Associação de Moradores aos participantes, “que a prefeitura não cumpriu seus compromissos”, adicionando que “as vezes o que a prefeitura apresenta não é real”. Ele argumenta que uma forte resposta da comunidade é a única forma da prefeitura entregar os apartamentos que faltam. A estratégia da prefeitura é negociar com as famílias individualmente, estratégia essa que já foi documentada em outros casos de remoção no Rio. André descreve essa tática como uma “forma de enfraquecer o nosso coletivo”, e incentiva que os moradores só aceitem encontrar com representantes da prefeitura caso tenham suporte da Associação dos Moradores e da Defensoria Pública.

“O que precisamos”, defende ele veementemente, “é de ação judicial e manifestação…. precisamos fazer pressão política”. Isso inclui aproveitar oportunidades de cobertura da mídia internacional antes dos Jogos Olímpicos, e a comunidade planeja usar cartazes em português e em inglês nos protestos.

Qualidade de infraestrutura

Pelo projeto Morar Carioca, foram construídos dois blocos de apartamentos, as vias principais foram pavimentadas –com asfalto de pneu reciclado– ampliadas, e os sistemas de drenagem foram expandidos e reforçados.

Entretanto, ao visitar o primeiro bloco de apartamentos, inaugurados há quatro anos, o morador João Medeiros da Silva mostrou diversos pontos em que paredes e o teto mostram manchas de umidade, tubos em que há vazamentos e corrosão, e onde quando se bate na parede externa resulta em um som surpreendentemente oco.

Já no segundo bloco, inaugurado no ano passado, Antonia Bertania mostra pontos de infiltração de água dentro do quarto da filha em dias de chuva forte. Sua família se mudou para o apartamento no dia 9 de julho de 2015 e a primeira infiltração aconteceu uma semana depois.

Próximo ao primeiro bloco de apartamentos existe uma praça vazia. Nesse espaço, foram demolidas três casas para a construção de um espaço cultural e social, que nunca se materializou. No espaço destinado para o terceiro bloco de apartamentos houve remoção de pequenos empreendimentos e de um terreno com árvores antigas.

As ruas pavimentadas facilitaram o acesso a grande parte da comunidade e é importante, sobretudo, para o acesso de serviços de emergência –apesar de que essa pavimentação só vai até metade do trajeto originalmente planejado. Quando perguntando quando ele imagina que a pavimentação vá ser finalizada, André riu, encolheu os ombros e respondeu, “nunca?”.

Além disso, existem esquisitices, como um poste de energia elétrica, fixado na rua pavimentada, que impede a circulação de qualquer veículo maior do que uma motocicleta. A rua e o sistema de drenagem precisam de manutenção, mas André diz não haver evidências de planejamento nem orçamento para conservação das infraestruturas.

Reação ao prêmio

Em resposta ao prêmio do C40 e ao reconhecimento que o programa Morar Carioca recebeu nos últimos anos, André declara: “Esse projeto é uma vergonha. E ganhar esse prêmio é ainda mais vergonhoso”.

Ele relata que o programa Morar Carioca na Babilônia foi rotulado como “Morar Carioca Verde”, mas salienta que a Área de Proteção Ambiental (APA), estabelecida nos anos 90, poderia ter sido planejada de uma forma mais lógica, considerando apenas da casa mais alta pra cima ao invés de considerar áreas que já estavam em uso. A seu ver, “é obvio, que essas coisas dão bastante visibilidade, a questão ambiental… desde a época da Rio+20 [ Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, em 2012], mas é só para inglês ver. O problema, é que tudo é feito para inglês ver. E as coisas não funcionam de fato”.

Ele argumenta que o projeto Morar Carioca é apenas uma parte de um projeto mais amplo que “o prefeito que mais removeu [pessoas] na história do Rio” tem de criar “uma cidade muito boa para se investir, uma cidade empresa, mas muito ruim para o cidadão… Uma cidade em que pobres, pretos, nordestinos, pessoas que a constroem não fazem parte dela”.

Márcia, por sua vez, admite que Morar Carioca é “lindo no papel”, mas na realidade “precisaria funcionar, realmente, de forma que atendesse mais as necessidades da comunidade”. Ela conclui que seria muito bom se as pessoas que deram o prêmio “viessem [aqui], porque o que o Morar Carioca é, como o Morar Carioca funciona, é bem diferente do que foi apresentado”.

 

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

8 + 4 =