Evandro Medeiros: Professor da Unifesspa processado pela Vale nega conciliação e responde

Por Luciana Marschall, no CT Online

O professor Evandro Medeiros, da Faculdade de Educação do Campo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), não aceitou, em audiência realizada na quinta-feira (5), proposta de conciliação oferecida em decorrência de ação judicial movida pela Mineradora Vale. A empresa o acionou em decorrência de um protesto realizado em novembro passado, alegando que a Estrada de Ferro Carajás (EFC) foi obstruída, o que os participantes da manifestação negam.

Durante a audiência, realizada no Fórum Juiz José Elias Monteiro Lopes, à qual o professor foi acompanhado pelos advogados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o representante do Ministério Público do Estado do Pará (MPF) propôs pagamento de multa no valor de um salário mínimo parcelado ou a realização de ação em alguma comunidade, durante 15 dias, para cessar o processo judicial.

“Respondi que faria e faço atividades em qualquer comunidade que me indicassem, atuando de graça ou até mesmo custeando os valores, visto que isso faz parte de minhas atividades profissionais e escolhas políticas, mas que não faria nesse caso, nessa condição”, declarou. Para o professor, ele e outras pessoas vêm sendo processadas pela empresa em decorrência de lutar pelos direitos de pessoas afetadas pelas ações da mineradora.

“O cinismo não é somente da empresa, mas de seus defensores legais também, que atentam contra a dignidade daqueles que lutam pela defesa do direito coletivo. Nunca aceitaria tal proposta de serviços comunitários. Nunca assinaria um Termo de Ajuste de Conduta. Isso seria assumir a autoria de crimes no lugar da real criminosa, a Mineradora Vale”, declarou.

O ato do qual Medeiros, outros professores, estudantes e outras pessoas participaram se deu em solidariedade às vítimas da tragédia a partir do rompimento de uma barragem ocorrida em Mariana, Minas Gerais. A caminhada foi finalizada à altura do Bairro Araguaia, a Invasão da Fanta, às margens da estrada. De acordo com os participantes em nenhum momento os trilhos foram tomados e se a empresa parou o fluxo de trem foi por vontade própria.

Ainda sobre a proposta de acordo, Medeiros diz ter uma uma vida dedicada a ‘serviços comunitários’ como professor e como cidadão. “É reconhecido por muitos e por isso ocupo um cargo na Pró-Reitoria de Extensão da Unifesspa. Não preciso ser forçado pela justiça para realizar ações em beneficio de comunidades carentes e setores populares. A Mineradora Vale, sim, e mesmo assim não atende plenamente as reivindicações dessas comunidades”, argumenta.

Ele afirma, ainda, que os ativistas têm escutado, em comunidades localizadas em áreas de influencia da Mineradora Vale, pessoas relatando truculência e assédio moral por parte de funcionários da empresa contra a população local. Por fim, ele defende preferir responder à ação que firmar acordo de conciliação com a mineradora. “Por dignidade, respeito aos moradores dessas comunidades impactadas, em solidariedade as vitimas de Mariana e às outras pessoas também processadas e investigadas criminalmente a mando da Mineradora Vale”. Sem conciliação, a audiência de instrução e julgamento foi agendada para novembro deste ano.

Movimento em solidariedade durante audiência

Estudantes, professores e membros de movimentos sociais realizaram protesto em frente ao Fórum Juiz José Elias Monteiro Lopes enquanto durou a audiência, na manhã de quinta-feira, chegando, inclusive, a bloquear parcialmente o trânsito da Rodovia Transamazônica (BR-230). De acordo com Eliton Correia, de 21 anos, o Levante Popular de Marabá, o protesto foi não apenas em apoio ao professor Evandro Medeiros, mas também contra o que chamou de “criminalização dos movimentos sociais”, em relação ao projeto de Lei 2016/15, que trata do antiterrorismo, tramitando no Congresso Federal.

“Também estamos em ato de solidariedade por conta da audiência contra o professor Evandro (Medeiros). A Vale mais uma vez, agindo com todo o poder que tem nessa cidade, ingressou com ação dizendo que foi um crime à sociedade marabaense o que ele fez naquele momento, mas a Vale que saqueia nosso minério é a mesma que destruiu Mariana, em Minas Gerais e não foi só ele que esteve lá”, declarou.

Ainda segundo ele, a empresa deveria responsabilizar todos os que atuaram no ato de solidariedade realizado em novembro. “Se a Vale quiser tentar criminalizar alguém que ela faça isso contra todos nós porque estávamos lá todos nós. Luta não é crime, mas quando a Vale mata e destrói não é responsabilizada”. Para Otávio Barbosa de Sousa, diretor do Sindicato dos Urbanitários, a ação movida é considerada absurda.

“A Vale é um estado paralelo ao estado brasileiro, ela mata um rio, pessoas morreram, você faz um ato em solidariedade a essas pessoas e ainda é criminalizado? Isso é um absurdo. é o momento de a gente refletir, a Vale tira nosso minério, não deixa nada, lucra e nossa região fica na miséria”, disse.

Intelectuais assinam manifesto em apoio ao professor

Diversos intelectuais e instituições assinaram um manifesto, iniciada pelo corpo técnico e de professores da Unifesspa, em apoio ao professor Evandro Medeiros. Dentre as assinaturas, estão a do doutor Boaventura de Sousa Santos, da Universidade de Coimbra, cuja tese de doutoramento é um dos marcos na sociologia do Direito, detentor de diversos prêmios e autor de dezenas de obras. Dentre as assinaturas, estão, ainda, a de intelectuais do Peru, Estados Unidos da América, Espanha e de dezenas de universidades e institutos brasileiros.

Também assinaram a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, a Associação Brasileira de História Oral, a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, a Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania – Bahia, a Articulação Antinuclear Brasileira, Amigos da Terra Brasil, Pastoral Social da Diocese de Santarém, Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará (FDZCC), Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular, Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Extração do Ferro e Metais Básicos de Congonhas, Belo Vale e Ouro Preto e vários grupos de pesquisa.

Além disso, várias entidades realizam, em diferentes estados, a “Mostra de Cinema Vale de Crimes”, ocorrida no início da semana em Marabá, com exibição de documentários que apontam a realidade das comunidades que vivem em torno de projetos da Mineradora Vale. Por enquanto estão sendo apresentados três filmes e um curta. Os títulos são Carajás XXI, dirigido pelo próprio professor, Minerando Conflitos, da Comissão Pastoral da Terra, e Daqui a Nada, de Mariana Santarelli. Acerca da tragédia em Mariana há o curta Mar de Lama.

Vale se posiciona sobre o caso

A Mineradora Vale se posicionou, por meio de nota emitida pela assessoria de comunicação, nesta sexta-feira (6). Leia a resposta na íntegra:

O professor Evandro Medeiros é réu em ação movida pela Vale por ter obstruído a Estrada de Ferro Carajás, no dia 20 de novembro, no município de Marabá, em uma manifestação contra o desastre com a barragem da Samarco, em Mariana (MG). O protesto impediu o transporte de cargas e passageiros. Por dia, cerca de 1.300 pessoas utilizam o trem de passageiros da Vale para se locomover entre os estados do Maranhão e Pará. Para muitos dos 27 municípios a ferrovia é o único meio de transporte da população.

Em casos de obstrução da linha férrea, a empresa precisa adotar os procedimentos judicias para preservar o direito de propriedade e a manutenção do transporte de cargas e passageiros, conforme determinado no contrato de concessão celebrado com a União. Logo, em cumprimento à legislação vigente, a Vale está obrigada a requerer judicialmente a desocupação da linha e o restabelecimento das condições de segurança ferroviária em caso de bloqueio do tráfego de trens por terceiros. A pessoa que invade ou obstrui a ferrovia será acionada judicialmente e responderá a inquérito policial e ação penal, podendo gerar uma aplicação de multa diária e prisão, de acordo com a decisão judicial.

É importante ressaltar que a ocupação da ferrovia compromete a segurança das operações e, principalmente, da população, dos empregados e dos usuários do trem de passageiros, tendo em vista que as locomotivas transportam grande quantidade de combustível. Além disso, um trem, quando carregado, precisa de pelo menos dois quilômetros para parar completamente após o acionamento dos freios de emergência e de 500 metros quando não está carregado. Em caso de manifestações onde há queima de pneus ou madeira, por exemplo, o risco de explosão pode se tornar maior.

A Vale respeita e acredita na livre manifestação e destaca que não ingressa na Justiça com o intuito de proibir protestos ou manifestações de qualquer natureza em relação às suas atividades. Como forma de buscar soluções conjuntas para a gestão de impactos socioculturais, econômicos e ambientais, e, com vistas ao desenvolvimento sustentável, a empresa mantém equipes dedicadas ao contínuo relacionamento com as comunidades vizinhas às suas operações. (fim da notícia)

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Resposta de Evandro Medeiros à nota da Vale

“O trem que leva passageiros já havia passado, o trem de minérios nunca chegou enquanto estávamos no local, não havia barricadas e nem obstrução da ferrovia, não houve queima de pneus ou madeira, apenas meninos e meninas de rostos pintados, carregando cartazes em cartolina e com corpos cobertos de argila fazendo performances poéticas como forma de denuncias dos crimes praticados pela mineradora, que mente para tentar esconder suas práticas autoritárias de constrangimento e assédio moral sobre os moradores de comunidades por ela impactadas e contra qualquer um que a critique ou a ela se oponha.

Eram apenas meninos e meninas estudantes, poucos em verdade, mas carregados de imensa coragem, rebeldia e o compromisso ético de não se calar diante das destruições praticadas pela Mineradora Vale e da omissão da justiça e dos governos desse país!

Eram apenas meninos e meninas, poucos em verdade, mas estavam acompanhados da força exemplar de pessoas da comunidade e membros de algumas organizações sociais, que ainda resistem também com coragem e ética!

Eram apenas meninos e meninas, poucos em verdade, mas acompanhados de seus professores, nós, também poucos, mas imensamente orgulhosos por perceber que a universidade que fazemos tem estudantes que já se apresentam como futuros profissionais éticos, críticos e solidários, comprometidos com as causas sociais e com a defesa da justiça e a construção de um mundo melhor.

Aqui, a cidadania ativa faz parte de nossa formação!

Aqui não Vale o “cala boca” usado pela empresa em outras situações!

Aqui há dignidade, não vai ter arrego! “

 

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