Chomsky: O Brasil está sofrendo um golpe brando

Dilma Rousseff está sendo destituída por uma “gangue de ladrões” através de um “golpe brando”

Blog da Boitempo

Durante longa entrevista ao Democracy Now! de ontem, 17 de maio de 2016, o analista político e linguista Noam Chomsky descreveu os acontecimentos recentes no Brasil como um soft coup [golpe brando], os situou no contexto geopolítico da relação dos EUA com a América Latina e afirmou, sem rodeios, que Dilma, “a única figura política de alto escalão que não roubou em benefício próprio está sendo destituída por uma gangue de ladrões”. Convidado pela jornalista Amy Goodman a comentar a atual conjuntura brasileira, marcada por “protestos contra o afastamento da presidente Dilma Rousseff se alastrando”, e diante da recente “declaração do presidente de El Salvador, Cerén, que afirmou não reconhecer a legitimidade do governo interino e aproximar o processo “aparência de golpe de estado”, Chomsky respondeu o seguinte:

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Ao longo dos últimos 10 ou 15 anos, a América Latina tem, em larga medida, se libertado da dominação estrangeira (principalmente dos EUA). Foi um desenvolvimento dramático em termos de cenário global e política internacional – a primeira vez que isso ocorre em 500 anos. É de fato uma grande mudança. Então mais do que terem dado uma trégua à América Latina, o fato é que os EUA têm sido realmente afastados do hemisfério sul, tendo seu poder de intervenção um pouco mais limitado nesse sentido. Até então, estavam muito acostumados a poderem derrubar governos, conduzir golpes de estado à revelia e por aí vai. E por certo eles ainda tentam. Já houve três – talvez quatro, dependendo do critério – golpes ou tentativas de golpe neste século. O de 2002, na Venezuela, foi bem sucedido por alguns dias com apoio dos EUA, mas em seguida foi batido por uma reação popular. Um segundo, no Haiti, em 2004, realmente logrou: os EUA e a França (o Canadá também ajudou) raptaram o presidente, o conduziram à República Centro-Africana, e até hoje impedem que seu partido concorra a eleições. Esse foi um golpe muito bem sucedido.

Em 2009, já durante o governo Obama, Honduras sofreu um golpe militar que derrubou um presidente reformista. Os EUA ficaram praticamente sozinhos tentando legitimar o golpe, alegando que as eleições sob o regime golpista eram legítimas etc. E então Honduras, que sempre foi uma sociedade muito pobre e reprimida, virou um horror total – um regime militar, financiada pelos EUA, com provavelmente a pior ficha em termos de direitos humanos do hemisfério sul. Houve um enorme influxo de refugiados aos EUA, e nós ainda os despejamos de volta para a fronteira, de volta à violência que ajudamos a criar… No Paraguai também houve uma espécie de semi-golpe, também para se livrar de um bispo progressista que estava tocando o país brevemente.

Agora, o que está acontecendo no Brasil neste momento é extremamente lamentável em muitos sentidos. Primeiro porque revelou-se um nível enorme de corrupção. Infelizmente, o Partido dos Trabalhadores, de Lula, que teve uma verdadeira oportunidade de conquistar algo extremamente importante, e que de fato fez algumas mudanças positivas consideráveis, não obstante se misturou ao resto – à elite tradicional – no roubo indiscriminado. E isso deve sim ser punido. Mas por outro lado, o que está acontecendo agora – a declaração de El Salvador que você citou, acho bastante precisa – é sim uma espécie de soft coup [golpe brando]. A elite, que sempre odiou o PT, está aproveitando a oportunidade para se livrar do partido que venceu as eleições. Eles não estão querendo esperar as eleições – que, diga-se de passagem, provavelmente perderiam – mas querem se livrar dele explorando a recessão econômica, que é séria, e a enorme corrupção que agora foi revelada.

Como o próprio New York Times assinalou em seu editorial de 12 de maio de 2016, Dilma Rousseff talvez seja a única figura política de alto escalão que não tenha roubado em benefício próprio. Ela está sendo acusada de manobras orçamentárias, que são bastante comuns em muitos países, emitindo decretos abrindo a possibilidade de realocação interna de recursos. Talvez até seja algum tipo de infração, mas certamente não justifica um impeachment. De fato, temos a única figura política de alto escalão que não roubou em benefício próprio, sendo destituída por uma gangue de ladrões que, estes sim, fizeram isso. Trata-se sim de um golpe brando [soft coup].

*  Confira a entrevista integral com Noam Chomsky em inglês aqui. A tradução e adaptação é de Artur Renzo, para o Blog da Boitempo.

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Noam Chomsky é analista político e professor de Linguística no Massachussetts Institute of Technology (MIT).

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