Foram seis anos de luta pelo reconhecimento oficial do que já existia na prática até que finalmente, a Fundação Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, concedeu a certificação de remanescente de quilombo à comunidade do Grotão, no último dia 20. Vitória não apenas para os 68 moradores, mas para a cultura negra.
Encravado na face voltada para o Engenho do Mato (Niterói, Região Metropolitana do Rio) da Serra da Tiririca, o povoado com mais de 80 anos de história agora respira aliviado. Livre para continuar professando sua cultura, fé e modo de vida.
— O que muda com esse documento é que temos quase certeza de que não seremos retirados daqui. Nossa luta é pela terra onde estão nossas raízes — explica José Renato Gomes da Costa, o Renatão do Quilombo, líder do local.
O Quilombo do Grotão é mais que a única comunidade quilombola certificada na região: não há outra, nem em processo de avaliação. Isso eleva a importância da preservação do local.
— Com a novidade, podemos ampliar nossas ações. Já estamos providenciando uma biblioteca com títulos voltados para a cultura negra. Hoje, já oferecemos muitas atividades aqui, como capoeira, jongo, atividades religiosas. Tudo isso vai ser ampliado, e também vamos voltar a cultivar a terra. Vamos produzir orgânicos para consumo e vender o excedente — garante.
A permanência na terra era um fantasma que acompanhava a comunidade desde 2008, quando foram redefinidos os limites do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Dentro de parques naturais, não pode haver moradia fixa. Os novos limites, no entanto, deixavam apenas uma das cerca de 15 casas fora da área proibida.
Este, inclusive, é o segundo passo para o quilombo: obter a titulação da terra pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Este processo, no entanto, pode demorar alguns anos.
— Mas o reconhecimento já nos garante autoridade para permanecer — finaliza.
Escravidão moderna
A história do Grotão é um pouco diferente da ideia clássica de um quilombo. A comunidade começou, em teoria, com homens livres, trabalhadores de uma fazenda. A escravidão era abolida, também em teoria.
— Meu avô e meu pai trabalhavam nas lavouras, principalmente de bananas. O salário ia todo para pagar alimentação e o aluguel da terra. E assim viveram até que a fazenda faliu — diz Renatão.
A parte baixa da fazenda foi loteada e virou o atual bairro. Sem ter para onde ir e sem indenizações, os funcionários ficaram na parte alta.
Lá, nos anos 60, conviviam com os incêndios criminosos das lavouras. Pressão para retirá-los do local, que só parou quando o parque foi criado, em 1991. Uma ameaça cedeu, outra surgiu. Esta só foi amenizada pela certificação.
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Imagem: Onde havia o entreposto da fazenda hoje fica a sede Foto: Fábio Guimarães / Extra