Com agenda em sigilo, CPI da Funai iniciou diligências ontem em MS

Depois da ação dos movimentos sociais na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, CPI opta por agenda sigilosa 

Por Helio de Freitas no Campo Grande News

A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) instalada pela Câmara dos Deputados para investigar a atuação da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) na demarcação de terras indígenas e quilombolas iniciou nesta segunda-feira (6) a série de diligências solicitada pela sub-relatora, deputada sul-mato-grossense Tereza Cristina (PSB).

Os trabalhos devem seguir até sexta-feira (10), mas o cronograma e locais das reuniões são mantidos em sigilo pela CPI. A assessoria de Tereza Cristina informou hoje ao Campo Grande News que a estratégia foi adotada para não atrapalhar o resultado das investigações. A comissão deve divulgar o resultado somente depois das diligências.

Confrontos e mortes

Tereza Cristina e a equipe técnica da CPI vão fazer diligências em Amambai, na região sul, em Dourados e em Campo Grande. Segundo a Agência Câmara, a presença de membros da CPI em MS se deve aos vários confrontos entre indígenas e fazendeiros registrados no Estado, “muitos com mortes, devido a indefinições sobre a titularidade de terras, situação que se agravou nos últimos anos”.

Em dezembro do ano passado, a CPI recebeu documentos da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa de MS que investigou o envolvimento do Cimi (Conselho Indigenista Missionário – vinculado à igreja católica) em invasões de terra no Estado.

Criada em novembro do ano passado, a CPI é controlada por deputados federais da bancada ruralista. De acordo com o “Congresso em Foco”, todos os sete principais cargos do colegiado – presidente, vice-presidentes, relator e sub-relatores – são ocupados por apoiadores da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nº 215, que inclui o Congresso Nacional na demarcação de terras indígenas e quilombolas.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ana Beatriz Lisboa.

Comments (1)

  1. Sobre Cobras e Bois
    “Por que a comitiva veio desse jeito?, sorrateira feito cobra que se arrasta pelo mato? Ou vão apenas sentar com os sindicatos rurais usando dinheiro público em novo favor ao ruralismo? […]. É um absurdo que parlamentares públicos ajam deste jeito, criando agendas que nos deixem impossibilitados de participar, como se não fôssemos também cidadãos. Parece que a comitiva já vem com sua “verdade” pronta, fazendo uma agenda de um lado só” (Carta da Aty Guasu em: http://racismoambiental.net.br/?p=218887).
    Rezadores, lideranças e conselheiros da Grande Assembleia da Aty Guasu Guarani e Kaiowá repudiam “agenda” desrespeitosa da comitiva da CPI da Funai e Incra no estado do Mato Grosso do sul (Disponível em: http://cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=8757&action=read). Os sábios indígenas consideram-se desrespeitados em seus modos de vida, organização e direitos solicitando ao “Ministério Público que os órgãos responsáveis ANULEM IMEDIATAMENTE QUALQUER EFEITO OU DESDOBRAMENTO DESTA AGENDA”.
    Revelo minha admiração por comparação perspicaz entre o maneirismo corporal da cobra e o deslocamento dos deputados no chão do Mato Grosso do Sul.
    Ao analisar criticamente as justificativas e argumentos presentes nos documentos produzidos no âmbito da CPI Funai e Incra, reforço a comparação dos sábios Guarani e Kaiowá. No Requerimento nº 16/2015, de 16/04/2015, de autoria dos deputados Alceu Moreira, Marcos Montes, Nilson Leitão, Valdir Colatto, Luiz Carlos Heinze e outros, consta que “qualquer disposição sobre a questão quilombola fundada no Decreto 4.887/03, que regulamentou o artigo 68 do ADCT, está sob suspeita de inconstitucionalidade, pois tal norma infralegal é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239”. Menciona, ainda, que o relator da ADI 3239, Ministro Cezar Peluso, entendeu pela inconstitucionalidade do decreto, citando como fonte o Informativo STF nº 662. Ainda afirma que “Não é necessário uma análise muito profunda para chegarmos à conclusão de que o Decreto nº 4.887/2003 extrapolou os limites do poder de regulamentar […] à determinação das terras de remanescentes de quilombolas” (página 3 – Acesso em 07/06/2016, às 22h27m: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=8349E47233C4A50750B5D54BA5D29BBE.proposicoesWeb2?codteor=1325691&filename=RCP+16/2015).
    São diversas as oposições e restrições ao que está expresso no Requerimento. É sim necessária uma análise muito profunda para chegar à conclusão da constitucionalidade ou não do referido decreto. Tanto é verdade que o Relator, Ministro Cézar Peluso, votar em 18/04/2012, pela inconstitucionalidade da norma, neste mesmo dia a Ministra Rosa Weber pediu vistas aos autos, e interrompeu o julgamento, informação omitida no Requerimento, sendo que consta na mesma fonte utilizada pelos deputados: o Informativo STF nº 662 (Acesso em 07/06/2016, às 22h57m: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo662.htm).
    A Ministra Rosa Weber, em 25/03/2015, abriu divergência com o Relator e votou pela improcedência da ação, concluindo pela constitucionalidade do decreto presidencial. Cito: “Assim, por não vislumbrar vício de inconstitucionalidade no procedimento de desapropriação previsto no Decreto 4.887/2003, julgo improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade material do art. 13, caput e § 2o, que encontram amparo no art. 5o, XXIV, da Lei Maior, tal como conformado pela legislação infraconstitucional vigente. 5. Impertinente, para o exame da constitucionalidade do Decreto 4.887/2003, o argumento calcado na suposta insuficiência, em comparação com determinadas expectativas, dos resultados obtidos até o momento pela política pública de titulação das terras ocupadas pelas comunidades remanescentes dos quilombos. […]. 6. Conclusão. Ante o exposto, pedindo vênia ao eminente relator, conheço da ação direta de inconstitucionalidade e a julgo improcedente. É como voto.” (página 52. Íntegra do voto: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI3239RW.pdf).
    Ressalto que esta informação importantíssima, incrédulamente, foi omitida pelos deputados quando das suas justificativas para abertura da CPI, mesmo tendo, o voto da Ministra Rosa Weber, sido anterior à apresentação do Requerimento nº 16/2015. Há outras omissões sobre o julgamento. No mesmo dia do voto da Ministra Rosa Weber, o Ministro Dias Toffoli pediu vistas dos autos, portanto, o processo aguarda continuidade do julgamento. A parcialidade na informação, portanto, dirige a conclusão do leitor que o julgamento da ADI 3239 encerrou-se, tendo como decisão final a inconstitucionalidade do decreto, o que não procede, não é verdadeiro. O processo segue aguardando data para entrar novamente em pauta de julgamento no STF, sendo que os outros ministros ainda deverão votar, por isso não é possível afirmar a posição do STF acerca do tema. (para acompanhar o processo, acessar: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=3239&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M).
    Convém lembrar ainda que a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), ao julgar em 2013 (atentemo-nos para o ano) o caso do Quilombo Paiol da Telha no Paraná, assentou a inteira constitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003. O TRF4 considerou constitucional o decreto por meio de julgamento iniciado em 28/11/2013, quando teve pedido de vista do desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que apresentou seu voto na sessão do dia 19/12/2013. O magistrado, acompanhado por 11 desembargadores dos 15 que formam a Corte Especial, votou pela constitucionalidade da norma (Íntegra da notícia no portal da Justiça Federal: http://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=9796).
    Concluindo, é óbvio que o tema é complexo e necessita de análises profundas e completas para ser apresentado como justificativa em um Requerimento de instituição de uma CPI na Câmara de Deputados, pelo menos essa é minha opinião. Se não for assim, parece justa a denúncia dos sábios Guarani e Kaoiwa quanto à parcialidade dos deputados para com os ruralistas (dando nomes aos bois), “fazendo uma agenda de um lado só e com sua ‘verdade’ pronta”. Ou ainda, parece verdadeira a avaliação dos “indígenas e movimentos sociais do campo que denunciam a CPI como um instrumento de criminalização do movimento indígena, de seus apoiadores e também de desmonte dos órgãos públicos oficiais do indigenismo e da reforma agrária” (conforme notícia disponível em: http://cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=8757&action=read).
    Para finalizar, parece apropriada reflexão antropológia de Eduardo Viveiros de Castro – Sobre a noção de etnocídio, com especial atenção ao caso brasileiro (Disponível: http://ufrj.academia.edu/EVdeCastro).
    “1. Prima facie, pode-se considerar como ‘ação etnocida’, no que concerne às minorias étnicas indígenas situadas em território nacional, toda decisão política tomada à revelia das instâncias de formação de consenso próprias das coletividades afetadas por tal decisão, a qual acarrete mediata ou imediatamente a destruição do modo de vida das coletividades, ou constitua grave ameaça (ação com potencial etnocida) à continuidade desse modo de vida. É passível de tipificação antropológica como etnocídio todo projeto, programa e ação de governo ou de organização civil (missões religiosas proselitistas, por exemplo) que viole os direitos reconhecidos no capítulo VIII da Constituição Federal de 1988 (“Dos Índios”), em particular mas não exclusivamente aqueles mencionados no caput do art. 231, que sancionam a existência — e portanto o direito à persistência — de ‘sua [dos índios] organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e o direito originário sobre as terras que ocupam’.
    2. Poderíamos acrescentar, entre os elementos de configuração deste crime — crime em sentido moral senão ainda formalmente jurídico —, para o caso, mais uma vez, das minorias étnicas ditas indígenas […], toda ação que constitua uma violação da Resolução das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas […]. A Convenção 169 da OIT (1989), ratificada pelo Brasil, especifica, por sua vez, os direitos dos ‘povos indígenas e tribais’, e, embora sem mencionar — como, de resto, a Resolução da ONU — o termo ‘etnocídio’, deixa perfeitamente claro que o desrespeito aos direitos ali estabelecidos é uma grave ameaça à sobreviveria e autonomia socioculturais dos povos concernidos”.

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