Eu vi um gueto cercado por um imenso muro verde…

Por Pantoja Ramos, em Recanto das Letras

Viagem ao norte do Estado do Espírito Santo, amém. Tratava-se de uma paisagem esverdeada, lembrando a minha infância jarilense, criancice voltada para aquele bando de soldados dispostos em linha, tal qual uma parada militar soviética, tal a sincronia. Florestas de eucaliptus prontos a guerrear com as nativas, frios, competentes, pragmáticos contra os absurdos assimétricos e colossais árvores legitimamente equatoriais.

Em terras capixabas, os patrocinadores são o fiel da balança em favor dos eucaliptais que abastecem as indústrias de papel como Aracruz, Bacel, Veracruz. Suas armas são representadas por políticos e meios de comunicação que apresentam a sua superioridade econômica quando comparada à já rala Mata Atlântica. Do lado fraco, somente parceiros. Índios que outrora pescavam, caçavam e plantavam. Recordações de flora que abrigava vidas e culturas orais e escritas que estão a definhar pelo tratamento hostil do plantado.

Constatei o impensável: guaranis e tupiniquins pedindo para visitarem uma reserva de mata para ensinar os filhos o que é uma envira, um sauí-preto, um caxinguelê. No eucaliptal, um gavião voa tedioso e se depara com um tatu perdido, como sempre solitário: “nosso acordo é continuar existindo por aqui. Vá em paz”, comenta a ave.

Mata estéril que isola os homens e as mulheres, que esteriliza o solo e seca as fontes de água, avançando conforme seus patrocinadores ordenam. E são gulosos. Quilombolas e índios condenados a viverem de restos de madeira deixados para trás como esmola para fazerem carvão, sujos nos pulmões e na dignidade. Cercados, anulados, atrofiados. Eu vi um gueto. Um gueto cercado por imensos muros verdes.

Aracruz, 09 de Agosto de 2005.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Vânia Carvalho.

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