Câmara apensa ao PL 1610, de Jucá, projeto específico para mineração na T.I. Cinta Larga

TaniaPacheco – Combate Racismo Ambiental

A Mesa Diretora da impoluta (adj. sem poluição ou corrupção, virtuosa, pura) Câmara dos Deputados determinou ontem que mais um projeto de lei seja apensado ao PL 1610/1996, do ínclito senador e ex-ministro interino Romero Jucá (PFL/RR), sobre mineração em terras indígenas. É o PL 5335/2016, apresentado no dia 18 de maio último pelo deputado Lucio Mosquini (PMCB/RO), que pretende, além de ‘regulamentar’ a mineração nas Terras Indígenas Cinta Larga, oferecer “uma espécie de laboratório ou projeto piloto a orientar, quem sabe, a regulamentação geral da questão minerária em terra indígena”.

Em 12 de novembro, a impoluta já havia rapidamente determinado a apensão do PL 3509/2015, do deputado Luiz Cláudio (PR/RO), esse mais genérico e apresentado na semana anterior, em 4/11/2015. Todos, como sabemos, têm o mesmo objetivo, que é alterar “a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, de que tratam os arts. 176, parágrafo primeiro, e 231, parágrafo terceiro, da Constituição Federal”.

É comovente a rapidez da tramitação de projetos com objetivos lesivos aos direitos indígenas na dita Casa do Povo e no do dito Congresso Nacional. Em particular, aqueles que envolvem a abertura de seus territórios aos interesses das mineradoras. Vale ressaltar que ocorrem sem menções a deuses e a familiares, nascidos ou falecidos, mas as situações e tramitações são igualmente vergonhosas.

No caso específico dos Cinta Larga, as jazidas de diamante existentes em suas terras são há décadas motivo de disputas e de chacinas, levando até eles o que de pior pode existir na chamada civilização branca, da bebida à prostituição, estupros etc. Na segunda semana de maio, o procurador da República Reginaldo Trindade, do MPF em Rondônia, afirmou a respeito: “O barril de pólvora está lá, basta que alguém risque o palito de fósforo para a gente ter uma nova tragédia’’ (mais detalhes AQUI).

O deputado do PR de Rondônia alega considerar exatamente esse estado de coisas, preocupado com os direitos dos Cinta Larga ao bem viver. Tanto que, após comparar as jazidas de diamantes inexploradas e a realidade de ‘miséria’ dos indígenas a alguém que morre de fome apesar de ter em seu quintal uma belíssima e intocada horta, encerra a justificativa do Projeto de Lei com a declaração:

“Os índios têm o direito de buscar a sua felicidade. A partir do momento em que o Estado Brasileiro não possibilita que isso aconteça dentro de um contexto de normalidade, medidas excepcionais precisam ser pensadas.

Além disso, nada pode ser mais repulsivo que o quadro atual, com toda uma comunidade indígena à beira da extinção, com risco grave de novas mortes, o Estado nada arrecadando tec [sic].

Tenhamos, então, coragem para ousar e buscar novos mecanismos para, quem sabe, propiciar dias melhores para os índios, que já sofreram tanto.” (AQUI)

No trecho em destaque acima, o [sic] se refere ao “tec” exatamente anterior, que presumo ser um “etc” mal digitado. Mas a frase que ele encerra causa certa perplexidade. O problema é o final: “o Estado nada arrecadando”. Afinal, o quadro atual é repulsivo por termos “toda uma comunidade indígena à beira da extinção, com risco grave de novas mortes”? Ou por termos esse cenário e, apesar dele, o Estado ainda assim nada arrecadar?

O artigo 1º da PL 5335 estabelece que cabe ao Congresso, “observado o procedimento instituído nesta lei, autorizar a pesquisa e lavra de minério de diamante nas Terras Indígenas Roosevelt, Parque Aripuanã, Serra Morena e Aripuanã, todas demarcadas e habitadas pelo Povo Cinta Larga. O artigo 2º estabelece a necessidade de os indígenas serem ouvidos, de acordo com a Convenção 169 da OIT; o 3º prevê a necessidade de EIA e de RIMA fiscalizados por “órgão competente” (se isso ainda existir em breve); e o 4º cita Funai e MPF. Tudo como se esperaria, principalmente se de fato fosse respeitado.

Já a apregoada qualidade de laboratório ou projeto piloto estaria presente no artigo 6º. Nele o autor diz que a “exploração será realizada, preferencialmente, pelos próprios índios, diretamente ou através de suas organizações comunitárias, com apoio, capacitação e fiscalização rigorosa do poder público”… Parágrafo único: “Caso a exploração envolva a participação de terceiros, a escolha dessas pessoas físicas e jurídicas deverá ocorrer por licitação, onde o componente mais relevante será o interesse maior da comunidade tradicional”.

E mais: “Art. 9º Os valores líquidos arrecadados com a alienação dos diamantes brutos explorados e alienados nos termos desta lei serão depositados em conta específica a ser aberta e revertidos em prol de todo Povo Cinta Larga”.

Como viabilizar a galinha dos ovos de diamante para e pelos próprios Cinta Larga, entretanto? Segundo o artigo 10º, “Todas as despesas decorrentes das atividades descritas na presente lei, desde a exploração até a alienação e reversão do produto em prol da comunidade afetada, serão pagas com recursos obtidos da própria extração”.  Essas despesas estão discriminadas no parágrafo seguinte e compreendem custos operacionais, tarifas, encargos, tributos e preços públicos incidentes nas diversas operações e procedimentos etc.

E aí chegamos ao já esperado parágrafo 3º: “Se houver necessidade, a União adiantará os valores que forem devidos para viabilizar as atividades, promovendo-se a ulterior compensação”. Que novidade!

Mas não só! Caberá também ao Estado, segundo o artigo 11°,  “a capacitação plena dos índios da comunidade afetada para gerir todo o processo descrito nesta lei, desde a extração até a alienação e reversão do produto em prol de todo o povo”. E isso através da oferta de cursos, treinamentos, intercâmbios, fornecimento de material didático, realização de seminários: “todo e qualquer meio que possa repassar aos índios interessados o máximo de conhecimento possível a respeito dos diferentes processos envolvidos na exploração, alienação e aplicação dos recursos”. Ou seja, só mesmo por incompetência e/ou desinteresse dos indígenas a exploração dos diamantes necessitaria ser feita por mineradoras privadas, nacionais ou internacionais!

Não seriam essas ótimas notícias?

Para quem acredita em Papai Noel, a história está contada. Para quem não acredita e considera, como eu, a importância de acompanhar melhor mais este Cavalo de Troia, a íntegra do PL e sua Justificativa podem ser acessados AQUI.

Cáspite!

Garimpo em território Cinta Larga provoca danos ambientais graves. Foto: Marcela Bonfim /AmReal.

 

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