Por Rubens Valente e José Marques, na Folha
O hospital São Mateus, em Caarapó (MS), confirmou que um índio foi morto e outros cinco feridos a bala, incluindo uma criança, na barriga, nesta terça-feira (14) após um ataque feito por fazendeiros da região a barracos montados pelos índios na fazenda Ivu, a 20 km da cidade.
Os índios entraram na área neste domingo (12), reivindicando-a como terra tradicional guarani-kaiowá. Os feridos foram atendidos em hospitais de Caarapó e Dourados.
O secretário especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde em Brasília, Rodrigo Rodrigues, informou que a vítima é o agente de saúde indígena Cloudione Rodrigues Souza, de 26 anos, da etnia guarani-kaiowá.
“O jovem agente foi morto covardemente por homens armados que atiraram em cerca de mil indígenas, incluindo quatro agentes de saúde indígena, que estavam reunidos no território próximo à aldeia Teikuê quando foram surpreendidos por homens armados em aproximadamente 60 veículos (camionetes)”, afirmou, em nota.
“Houve um ataque de fazendeiros, usaram balas de borracha e balas de verdade”, disse o professor indígena Eliel Benites, da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados). Segundo Benites, alguns índios “foram tomados como reféns” e o conflito ainda estaria em andamento na área, considerada pelos índios como terra tradicional e denominada de Amambaipeguá 1.
A Folha conversou com um dos índios guarani-kaiowá que está na localidade – e pediu para não ser identificado. Ele diz que está sitiado pelos fazendeiros desde o início da manhã desta terça.
Segundo o índio, os fazendeiros haviam deixado o local nesta segunda (13) após a Polícia Federal ter negociado que o gado seria retirado do terreno, eles voltaram para uma “emboscada”, com armamento pesado e caminhonetes.
Os índios aguardam o retorno da PF ao local. Eles dizem que pretendem sepultar o amigo morto dentro fazenda.
OCUPAÇÃO
Entre 80 e 100 indígenas ocuparam a região no último domingo, disse Benites. De acordo com a Polícia Militar, o conflito aconteceu após os índios tentarem entrar em uma segunda fazenda, o que teria provocado reação dos fazendeiros.
“Ambos os lados estão armados, mas os fazendeiros estão mais escondidos, acho que por isso os índios não conseguiram atingi-los. Uma guarnição nossa esteve no local e foi rendida pelos índios, mas conseguiu ser resgatada pelo Corpo de Bombeiros”, disse o tenente-coronel Carlos Silva.
De acordo com ele, novas trocas de tiro podem acontecer e o clima na região é muito hostil.
O local do conflito foi uma das áreas declaradas como terra indígena nas últimas semanas da gestão da presidente Dilma Rousseff, afastada em 12 de maio para responder a processo de impeachment. Com Michel Temer no poder, lideranças indígenas temem revogação.
Segundo a Funai divulgou na época, a terra tem 55,5 mil hectares e iria atender cerca de 5,8 mil indígenas guarani-kaiowá de quatro comunidades diferentes entre os municípios de Caarapó, Laguna Caarapã e Amambai, todos no MS.
OUTRO LADO
Procurado, o presidente do Sindicato Rural de Caarapó não foi localizado pela Folha. Foram deixados recados em sua casa e na sede do sindicato.
O Ministério da Justiça ainda não se pronunciou. Este o primeiro conflito com mortos e feridos em terra indígena desde a posse do presidente interino, Michel Temer, em maio.
A Secretaria Especial de Saúde Indígena informou que o “processo de retomada das terras da região” havia sido concluído na última semana e que, no momento do conflito os índios se reuniam para definição de ações para atendimento de saúde.
Citando lideranças indígenas locais, afirmou que os homens teriam atirado sem aviso prévio, alegando que o território era de propriedade privada.
“A Sesai repudia veementemente tais atitudes que afrontam a democracia, os valores cidadãos e os direitos humanos conquistados em nosso país e que desabonam a construção de um país verdadeiramente pluriétnico e multicultural”, disse, em nota.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Lara Schneider.