Crise política nacional ameaça obras de urbanização essenciais na Rocinha

Meg Healy* – RioOnWatch

Após a reconfiguração no mês passado do Ministério do Planejamento depois do impeachment da Presidente Dilma Rousseff, as perguntas sobre a situação dos projetos de infraestrutura incompletos financiados sob a sua administração continuam sem resposta. Um dia após assumir o posto, o Presidente Interino Michel Temer e o Ministro do Planejamento Romero Jucá eliminaram o departamento de gestão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e introduziram uma nova iniciativa de infraestrutura, o Programa de Crescimento, Emprego e Geração de Renda, conhecido como “Crescer”.  Apesar do programa Crescer ter efetivamente substituído o PAC na supervisão dos investimentos federais nas grandes obras públicas, a administração do Presidente Temer ainda precisa decidir definitivamente se os projetos financiados pelo PAC continuarão a receber financiamento através do Crescer.

Entre as centenas de iniciativas do PAC atualmente sob o risco de perder financiamento está o empenho de longa data de proporcionar a urbanização da Rocinha, uma das maiores favelas no Rio de Janeiro.

Passado quase oito anos–desde que o PAC na Rocinha injetou os primeiros bilhões de reais em projetos de urbanização–o programa agora está paralisado. Os projetos completados na primeira fase do PAC não incluem projetos de saneamento urgentemente necessários que eram previstos para a próxima fase. Enquanto o futuro destas obras continua incerto, tanto os moradores como os planejadores urbanos defendem estas obras como um passo essencial para melhorar a saúde, a segurança e a qualidade de vida na Rocinha.

Visão Geral do PAC

Estabelecido pelo Presidente Lula em 2007, o PAC investiu em projetos de grande escala de infraestrutura e desenvolvimento urbano em todo o país para criar empregos, estimular o crescimento do setor privado e promover o desenvolvimento. Em 2014, o governo federal havia investido mais de US$1,22 trilhões nestes projetos.

Entre vários projetos no Rio, a primeira fase do PAC (conhecida como PAC 1) forneceu financiamento para projetos de urbanização em três das maiores favelas da cidade: Complexo do Alemão, Manguinhos e Rocinha. Os projetos nas favelas do Rio tiveram como modelo o programa de urbanização Favela-Bairro–projeto mundialmente conhecido que teve sucesso limitado mas de muita importância–que funcionou de 1994 a 2008, e foi sobreposto pela Prefeitura com a implementação de obras públicas nas comunidades através do programa Morar Carioca, que foi introduzido pelo Prefeito Eduardo Paes em 2010, mas depois foi abandonado. Enquanto o orçamento para os projetos do PAC 1 no Complexo do Alemão e em Manguinhos foram parcialmente financiados pelo governo estadual, os projetos do PAC na Rocinha receberam quase todo o financiamento do governo federal. A Rocinha subsequentemente tornou-se um local de interesse para visitas do Presidente Lula em 2010 e da Presidente Dilma em 2013.

Projetos do PAC na Rocinha

O PAC 1 na Rocinha recebeu um orçamento de R$259 milhões e desde 2008 financiou a construção de um complexo esportivo, uma clínica de saúde pública, uma passarela projetada por Oscar Niemeyer, uma biblioteca, e a renovação da Rua 4, agora uma das principais vias de acesso da comunidade. Na época a Rua 4 era excepcionalmente estreita e consequentemente tinha o maior índice de tuberculose no Estado do Rio. Embora apenas este projeto de renovação tenha acarretado o reassentamento de mais de 800 casas, foi claramente realizado para beneficiar a saúde dos moradores e os moradores desalojados receberam dinheiro para comprar uma casa na Rocinha ou um apartamento nas novas unidades habitacionais públicas do Minha Casa Minha Vida construídas praticamente no mesmo local ao longo da Rua 4. Consequentemente, a grande maioria dos moradores desalojados por estes projetos iniciais do PAC continua na Rocinha atualmente e o conjunto habitacional da Rua 4 é visto como um dos poucos exemplos de construções recentes bem-sucedidos quanto à habitação pública no Rio.

A segunda fase do PAC (PAC 2) foi planejada para investir R$457 milhões no saneamento básico e nos menos populares investimentos em acessibilidade. Embora o componente mais visível desta fase seja a instalação de um teleférico–projeto muito contestado pelos moradores, previsto para custar R$152.2 milhões–a maior parte dos fundos foi alocada para melhorar a infraestrutura existente. Quatro ruas (Rua 1, Rua 2, Rua 3 e Rua do Valão) seriam urbanizadas tal como a Rua 4 num esforço para melhorar a acessibilidade aos pedestres e aos veículos de emergência. No caso da Rua do Valão, o redesenvolvimento também cobrirá o esgoto a céu aberto ao longo da rua, possivelmente melhorando as condições de saúde pública dos moradores. Estes planos para alargar e urbanizar as principais vias de acesso envolverão a instalação de sistemas de águas pluviais, o desenvolvimento da estrutura de esgoto e tornaram à coleta de lixo mais regular.

Embora os planos foram concluídos há anos, os projetos do PAC 2 na Rocinha estão paralisados desde fevereiro de 2015 quando o ex-Ministro Joaquim Levy anunciou um congelamento dos investimentos do PAC devido à crise econômica. Nos últimos meses, as autoridades indicaram que a construção na Rocinha poderia possivelmente começar no fim do ano, mas que a turbulência política nos níveis federal e estadual poderia ser uma ameaça.

Atrasos, falta de transparência e considerações quanto às prioridades

Os atrasos atuais não são os primeiros a afetar os investimentos do PAC na Rocinha. Relatos desde 2011 descrevem congelamentos de orçamentos que interromperam projetos durante meses ou anos, deixando os moradores e observadores confusos e frustrados. Os projetos designados do PAC 1 agora foram completados, enquanto uma série de projetos “complementares” que receberam financiamento em ciclos de orçamento posteriores estão quase completos. Estes incluem uma creche, um mercado popular e um plano inclinado com três estações no lado noroeste da comunidade. Apesar da eventual conclusão destes projetos, a confusão quanto ao seu destino reforça um subjacente problema de transparência. Os moradores reclamam que devido a falta de informações eles têm pouca oportunidade de participar, ecoando um problema mais amplo nas recentes ações do governo nas favelas do Rio. Devido aos procedimentos de consulta insatisfatórios, especialmente quanto ao teleférico, a discordância dos moradores com a pretendida obra tem sido proferida, especialmente através do grupo de defesa de direitos Rocinha Sem Fronteiras. Este movimento tem pressionado a favor do saneamento e contra o teleférico desde o início do processo, apontando o teleférico como um projeto de marketing de alto custo, que gera um grande número de remoções e uma potencial gentrificação.

Enquanto os moradores realizam seus próprias debates através do Rocinha Sem Fronteiras, a EMOP, que é a empresa de obras públicas responsável pela coordenação dos projetos do PAC em todo o Estado do Rio de Janeiro, oficialmente insiste na importância da participação da comunidade e na transparência do processo de planejamento. Os representantes da EMOP descrevem que ficaram dois meses na Rocinha completando um “diagnóstico social” sobre as prioridades específicas de infraestrutura e serviços para a comunidade, com um processo de planejamento envolvendo 12 reuniões públicas entre planejadores e moradores e um recenseamento de moradores, casas, negócios e organizações. A EMOP também consultou, mas não adotou, o Plano Diretor desenvolvido pelo arquiteto Luiz Carlos Toledo, que ao longo de cinco anos fez uma pesquisa intensa e mudou o seu escritório para a Rocinha para trabalhar diretamente com os moradores.

Ruth Jurberg, que atua como coordenadora geral do componente social do PAC no Rio de Janeiro desde 2007, descreveu o processo de planejamento como fundamental para estabelecer a confiança entre o governo e os membros da comunidade. Ela afirma que muitos moradores da favela estavam céticos quanto à presença do governo após décadas de abandono, até a sua equipe começar a trabalhar lá. Agora Ruth teme que “estamos perdendo a confiança deles novamente. Não confiam mais em nós. Eles criaram estes projetos conosco e esperavam transformar as suas comunidades, mas agora está parado”.

José Fernandes, um antigo morador da Rocinha e ex-presidente da União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (UPMMR), relata que de um modo geral os projetos de urbanização do PAC melhoraram a qualidade de vida na Rocinha. A urbanização, ele explicou, melhora o saneamento e a saúde das comunidades e também promove a segurança pública e a ascensão social ao introduzir serviços públicos, tais como: programas culturais, escolas para crianças, e clínicas mais acessíveis para as famílias.

“É muito triste ver esta comunidade na Zona Sul do Rio de Janeiro, com toda esta riqueza ao lado em São Conrado, enquanto aqui milhares de moradores vivem em condições miseráveis”. Ele reiterou o significado deste programa como o primeiro indício que o governo se comprometeu a melhorar as condições na Rocinha e descreveu a longa batalha para conseguir serviços básicos e dignidade para os moradores. “A Rocinha vem lutando por estas obras durante anos–nada acontece aqui sem luta”, ele completou.

Xavante também apoia o programa do conjunto habitacional Minha Casa Minha Vida adjacente à Rua 4 para os moradores, expressando o seu contentamento com os projetos de urbanização, explicando que a área estava mais limpa e saudável do que antes do PAC.

“Estou muito satisfeito, porque em comparação ao lugar onde eu morava, há muito mais dignidade aqui–o lixo é coletado várias vezes por dia, as ambulâncias conseguem passar pela rua, está muito melhor”, disse Fabiani, cuja casa foi removida durante a renovação da Rua 4.

Os funcionários da Biblioteca Parque orgulhosamente anunciavam as aulas educacionais e culturais grátis oferecidas aos moradores e demonstravam os recursos das instalações, que são usadas por milhares de moradores todas as semanas, embora estejam preocupados, pois a biblioteca esteve sob ameaça de fechar várias vezes no ano passado por falta de recursos públicos.

Embora os moradores muitas vezes reclamem da insuficiência de funcionários, as instalações de saúde pública–uma Clínica de Família e um posto de saúde–estão em uma localização central e são um acréscimo significativo aos serviços de saúde da comunidade.

Dezenas de moradores entrevistados concordaram que os investimentos feitos no PAC 1 foram um passo na direção certa, mas estão longe de solucionar a miríade de riscos de saúde causada pela insuficiente coleta de lixo, redes de esgoto e drenagem de águas pluviais. O consenso foi que os projetos do PAC 2 são vitais para melhorar o saneamento na comunidade.

Situação atual

A realização das obras do PAC na Rocinha agora depende da estabilidade política a nível estadual e federal. A EMOP sofreu uma série de cortes debilitantes no orçamento por parte do Estado, e teme-se que todo o departamento possa fechar nos próximos meses. É improvável que o PAC continue operando no estado do Rio de Janeiro se isto vier a acontecer. A nível federal, o financiamento depende da vontade política. O PAC continua fortemente associado ao PT, o que significa que a continuação do financiamento pela nova administração–após a abertura do impeachment da Presidente Dilma–pode estar ameaçada. Ruth Jurberg sugeriu que a perspectiva do financiamento dos projetos da Rocinha sob o Presidente Interino Temer é sombria, declarando antes do voto final no Senado, que “se algo acontecer em termos de impeachment acho há uma boa chance deste projeto acabar”.

Se a situação permanecer e mantiver o orçamento da EMOP e do PAC 2 Rocinha intacto, o processo para iniciar estes projetos pode ocorrer rapidamente. A Caixa Econômica Federal, responsável pela supervisão dos contratos do PAC, poderia liberar licitações para os projetos do PAC 2 na Rocinha nos próximos dois ou três meses, o que significa que a construção teoricamente começaria em setembro. O primeiro projeto a ser realizado seria a renovação da Rua do Valão, que tem sido uma prioridade de urbanização durante décadas.

Tendo em vista a situação política atual, o destino do PAC 2 na Rocinha está na balança. Os projetos estão ao mesmo tempo extremamente perto de implementar ou a um passo de serem totalmente cancelados. Aquilo que levou oito anos para ser planejado e criou expectativas, pode facilmente desmoronar. Para os moradores, o PAC representa a promessa de proporcionar melhorias essenciais de saneamento e expansão dos serviços sociais, e fracassar na finalização destes projetos representaria tanto um flagrante fracasso do governo como um retrocesso debilitante nos esforços para melhorar as condições de vida na Rocinha.

*Jody van Mastrigt contribuiu na reportagem.

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