Lorena Morais Ifé* para site Não Estamos Bem / População Negra e Saúde
Nós, mães negras, ouvimos o tempo todo que precisamos ser fortes. Nos comparam a bichos, suportamos humilhações, damos conta de uma prole, casa e casamento, não precisamos de anestesia, fazemos “barraco” pelos filhos/filhas e pelo marido, não podemos adoecer.
Uma mãe ficou sete dias sem comer nada, sem sentir fome. Uma outra não aguentava ouvir o choro do bebê, parecia que ia enlouquecer. Uma sentia muita dor depois episiotomia e foi traída pelo marido. A outra chorava porque não conseguiu tomar um banho naquele dia. Uma teve seu peito dilacerado pela amamentação. Outra levantou sozinha da maca do hospital, cheia de pontos da cesárea, porque sua filha estava aos berros e a enfermeira dizia da porta “vai deixar a filha chorando, mãe?”. Todos esses relatos são reais, todas elas cuidaram de seus bebês, foram fortes. Mas quem cuidou delas?
Quando meu filho nasceu estava aliviada. Minutos depois queria que ele sumisse da minha frente, me senti exausta. Não conseguia amá-lo, contemplá-lo e mesmo com toda dor tive ao amamentá-lo, meu instinto materno o alimentava. Ele precisava de mim e isso bastava. Depois de alguns dias o amor foi nascendo. Fui aprendendo a amá-lo, fui entendendo o sentido do amor incondicional. Ao mesmo tempo tudo em mim parecia confuso. A mulher que eu era morreu completamente, mas a que nasceu parecia invisível. Ninguém nos vê. Ninguém nos ama. Ninguém cuida de nós. Certa vez que li um texto e essa frase nunca mais saiu da minha cabeça: “a gente precisa salvar a criança e a mãe”.
Me sentia em um quarto escuro e frio a cada crise depressiva, me perguntando porque para mim era tão difícil. Eu nunca consegui ser forte, sempre fui chorona, sempre mendiguei afetos e agora tinha que aprender tudo isso. Eu sentia muita raiva de mim. Ficava desesperada quando lembrava que minha vizinha negra teve nove filhos, hoje todos adultos. Me dava angústia quando sabia que um bebê nasceu, pois só pensava no quão poderia ser difícil para ambos. Sentia inveja quando via uma mãe feliz na rua dizendo que era tudo maravilhoso. Chorava de tanta dor. Não era uma dor física, era uma dor que não sabia explicar. Tudo doía e lá fora diziam: “não foi você que procurou?”, “eu te avisei”, “você ainda não viu nada, hahaha”.
Seja forte, mãe!
Nós, mães negras, ouvimos o tempo todo que precisamos ser fortes. Nos comparam a bichos, suportamos humilhações, damos conta de uma prole, casa e casamento, não precisamos de anestesia, fazemos “barraco” pelos filhos/filhas e pelo marido, não podemos adoecer. E assim perpetuamos isso em casa quando batemos por amor, quando chorar é motivo de mais surras, quando nosso amor grita e oprime.
Será que ninguém consegue perceber que as mães negras precisam ser cuidadas? Que não é só a criança que precisa de um colo? Que a força que nos faz defender a cria é a mesma que nos afasta, porque não fomos e não aprendemos a ser amadas? Por que quando vejo a minha vizinha gritando com as filhas isso me dói tanto? Será que ela não as ama ou será que é mais fácil julgá-la e dizer que escolheu essa vida? Será que a afetividade dela não foi também usurpada? Quem cuida de todas elas?
Buscar ajuda
Quando li o texto de bell hooks, “Vivendo de amor”, entendi porque precisamos ser cuidadas de verdade. As mulheres negras precisam de amor (dar e receber) ou nas palavras de hoje, sororidade.
Na maternidade nos tornamos invisíveis, nossa saúde emocional é negligenciada, vista como frescura, resultado daquilo “que procuramos”. Não existe depressão, estresse ou ansiedade. Temos que secar a barriga o mais rápido possível e ficar bonitas para nosso companheiro, passear com os filhos, receber as visitas sorrindo e feliz. Não podemos chorar, ficar impotentes se um filho nosso sofre racismo, não podemos abraçá-lo, mas mostrar que somos fortes e dizer “algumas verdades”. Adoecer não pode! Quem vai cuidar de tudo?
Em seu texto, bell hooks diz que quando sentimos confusão, dor e não sabemos o que fazer, devemos procurar ajuda. Mas aí a gente para e pensa: “não”. Não podemos procurar ajuda, temos que carregar o fardo da maternidade que é nossa responsabilidade e ser forte. E hooks nos dá uma lição para a vida: “Ter capacidade de pedir ajuda significa que temos poder. Cada vez que buscamos ajuda nosso poder aumenta, ao invés de diminuir. Experimente. Geralmente buscamos ajuda em momentos de crise. Mas podemos evitar a crise se reconhecermos nossa dificuldade em lidar com uma determinada situação. Para as mulheres negras acostumadas a manter o controle das situações, pedir ajuda pode significar a prática do amor, da confiança, reconhecendo que não precisamos resolver tudo sozinhas”.
Confesso, estou fazendo esse exercício de pedir ajuda e me permitir ser ajudada. A maternidade não deve ser solitária, temos que trabalhar no coletivo, todos podem assumir responsabilidades com a cria. A vizinha, a avó, o avô, o amigo que já perdeu noites na festa com você, uma mulher que está disposta a ajudar, a sociedade, que é responsável pela construção desse ser. E digo mais, além da criança, precisamos cuidar da mãe.
*Jornalista formada pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), mãe de primeira viagem e afroempreendora da marca Encrespando. Ama escrever, fazer turbantes e trabalhar com crianças. Busca para seu filho uma educação afrocentrada.
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Foto: Ayalla Decker | Projeto Flores do Sol