A mãe d’água levou

Por Pedro Alexandre Sanches, no Farofafá

Estamos no meio do rio São Francisco, olhando para o horizonte.

Estamos, mais precisamente no município de Cabrobó, em Pernambuco, na Ilha da Assunção, uma reserva de indígenas da etnia truká com 5.000 habitantes.

João Amaro é um pescador truká que convive com o Velho Chico, com o lixo trazido às margens da ilha pelas águas e com a dificuldade de alimentar a esposa e a filha pequena, Isabel.

Desesperado pela fome familiar, João Amaro faz uma promessa à mãe d’água, a Oxum Opara, a divindade dos rios e das cachoeiras, sereia mítica pela qual se apaixonam brasileiros autóctones, afrodescendentes e eurodescendentes.

João promete dar à mãe d’água os olhos da primeira pessoa que encontrar, caso seja bem sucedida a pescaria no São Francisco.

A mãe d’água presenteia João Amaro com peixes, e a primeira pessoa que ele encontra na volta é… sua filha Isabel.

João entra em desespero. Roga a Opara: leve-o, em vez de levar sua filha.

Tenta trancar Isabel na casa de pau-a-pique, para que ela não tenha acesso aos encantos da mãe d’água. Pensa em se mudar para um lugar onde não existam rios (a Grande São Paulo, talvez?).

João tenta por todos os meios descumprir a promessa, o rito, o mito.

É tudo em vão. (Por favor, não me acuse de colocar ~spoilers~ em uma história ancestral de domínio público…) A mãe d’água leva Isabel. O pai da menina pula n’água para procurar a filha e desaparece também. A mãe d’água leva João Amaro, homem-exemplo descumpridor dos mitos, dos ritos, das promessas.

“Opara não se defende. Opara se vinga”, avisara a divindade acostumada a receber oferendas em forma de lixo.

Poderiam ser cenas de uma telenovela global, ou mesmo a vida real nua e crua. Mas o enredo, roteirizado pela coletividade truká da ilha da Assunção e dirigido por Maurílio Truká, conduz o filme de curta-metragem A Promessa (2013), que estará em cartaz em São Paulo na mostra Aldeia SP – Bienal de Cinema Indígena, de 7 a 12 de outubro, no Centro Cultural São Paulo e em diversos CEUs (Centros Educacionais Unificados) das periferias paulistanas.

 

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