Forum Grita Baixada lança Relatório de Violações de Direitos Humanos

Stephanie Reist – RioOnWatch

No dia 15 de setembro na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), o Forum Grita Baixada, Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, e outras organizações da sociedade civil da Baixada Fluminense, na Grande Rio, lançaram o relatório “Um Brasil Dentro do Brasil Pede Socorro: Relatório-denúncia sobre o descaso estatal para com a vida humana na Baixada Fluminense e possíveis soluções urgentes”, destacando a terrível situação dos direitos humanos dentro da região de 13 municípios. O relatório tem seu título “Um Brasil Dentro do Brasil Pede Socorro” devido a imensa diversidade racial, étnica e regional–muitos nordestinos se estabeleceram na área no século XX, em seguida à abolição da escravidão–que existe dentro da Baixada Fluminense.

O relatório aponta que entretanto, ao invés de destacar a extraordinária riqueza cultural,histórica e natural da região, a mídia tem perpetuado por décadas uma imagem da Baixada Fluminense como um fim de mundo, inadequado e inseguro para aqueles dos bairros centrais e mais ricos do Rio. O jornalista Marcelo Auler, que moderou um painel de discussão durante o lançamento, atestou o papel que os tabloides desempenharam em vender a Baixada Fluminense através de imagens de sangue e sofrimento. “Em 1974 quando eu comecei a trabalhar no jornalismo, na rádio Globo, nós tínhamos correspondentes nas hospitais e na Baixada. E eu me lembro de um correspondente que ligava para a gente, e dizia assim: ‘amanhã vai aparecer um corpo e será um grande cartaz para o esquadrão da morte’”.

A violência é de fato uma realidade na Baixada. Enquanto na cidade do Rio de Janeiro ocorrem 18,5 homicídios por 100.000 dos seus 6 milhões de habitantes, na Baixada, uma região de 4 milhões de habitantes, ocorrem 40 por 100.000. Contudo o relatório enfatiza que essa violência, tanto nas ruas quanto a sancionada pelo estado, é em última análise o resultado de décadas de negligência dos governos do município e do Estado do Rio de Janeiro, somada a presença no passado de grupos de extermínio com afiliação com a polícia e a atual dominância de grupos de milícias. No lançamento, Douglas Almeida e Aparecida Pontes do Fórum Grita Baixada destacaram essa violência generalizada através da leitura de incidentes de assassinatos e massacres cometidos pela polícia em cada um dos 13 municípios da região. O Fórum em si foi formado após um desses atos de violência estatal, no qual a Polícia Militar matou 29 pessoas em Queimados e Nova Iguaçu.

No entanto, ao invés de focar apenas nessas estatísticas, o relatório dá ênfase às vozes de moradores da Baixada que sofreram abusos de direitos humanos, inclusive a tomada de uma escola local pela UPP e a compra de votos por políticos locais.

O lançamento também incluiu poemas de dois artistas locais, Coyote e Samuel, que falam sobre a estigmatização e o assassinato de pobres, negros e moradores de favela cometidos pela polícia, pouco investimento público nas favelas e na periferia e a criminalização da pobreza.

O painel de debate foi moderada pelo professor João Carlos Dornelles, coordenador do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da PUC-Rio, Irmã Yolanda Florentino do Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, o Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro Dr. Antonio Carlos Oliveira, professor da UFF e membro do Fórum Grita Baixada Percival Tavares, e professor de sociologia da UFRRJ José Claudio Souza Alves. Todos falaram sobre os desafios enfrentados pela região e também sobre o trabalho incansável da sociedade civil em promover paz e direitos humanos na Baixada.

“A questão da legitimidade desse relatório é muito importante para nós”, afirmou o Defensor Público Oliveira. “Porque, geralmente, nós temos esse esteriótipo da Baixada Fluminense criado e aceito por essa sociedade de massa, a sociedade local, regional e até nacional e internacional. A Baixada Fluminense sempre foi tida como um local violento e todo mundo aceita isso. Eu nasci e fui criado na Baixada Fluminense, trabalho na Baixada Fluminense, e eu ouço isso–que a Baixada Fluminense é um local violento–desde que me entendo por gente. Então para a gente esse é o primeiro relatório de direitos humanos feito por instituições e pela sociedade civil organizada na Baixada Fluminense. Isso é muito importante, pois é um relatório que tem um conhecimento de causa muito grande, não só porque participam das aflições da população da Baixada Fluminense, mas também porque conhecem de dentro todas essas situações e estão dispostas a contribuir para essas soluções apontadas aqui no relatório”.

O relatório identifica a falta de uma política de segurança pública voltada para a comunidade–que “proteja a vida, em oposição à lógica da guerra contra o crime”–como a questão mais importante  enfrentada pelos moradores da Baixada. “Nós, moradores da Baixada, clamamos por um maior comprometimento por parte do governo”, está escrito na última parte do relatório. “Pedimos zelo por nossa qualidade de vida, não só por nossos (necessários e raros) momentos de lazer, mas, especialmente, pelas horas do dia em que passamos nos trajetos de ida e volta do trabalho”.

Faltando menos de duas semanas para as eleições municipais, essas esperanças acumuladas no relatório podem impulsionar os políticos a se referir aos problemas enfrentados pelos moradores, que incluem não apenas violência, mas saneamento básico precário, falta de trabalho local–o que força os moradores a irem para o Centro do Rio–e acesso a um sistema de saúde e educação de qualidade.

Todavia, a violência tem permeado o processo político na Baixada, com 13 candidatos que estavam concorrendo para posições no governo local assassinados, e com os grupos de milícias pressionando moradores a votar em certos candidatos. “Os detalhes [do relatório]”, explica o professor José Claudio Souza Alves, que tem extensivamente pesquisado sobre violência das milícias na região e que está concorrendo para prefeito de Duque de Caxias, “nos fala de vários tipos de operações a fim de controlar áreas e obter ganho nessas áreas, e finalmente obter o ganho mais notável por parte desses grupos que é a obtenção de poder politico. Isso é muito visível na Baixada como um todo”.

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