Hugo Costa – RioOnWatch
Existia um projeto para o Rio, um projeto Olímpico, com uma consultoria internacional contratada para orientar em como aplicar o modelo do Legado Olímpico de Barcelona, tão referenciada mundialmente como exemplo de legado Olímpico, em nossa cidade. Pagamos por esta consultoria em 1995 e ela previa um verdadeiro legado Olímpico para o Rio: a recuperação da Zona Norte da cidade com a construção do Parque Olímpico na Ilha do Fundão. Esta era a proposta da primeira vez que nos candidatamos a sediar as Olimpíadas (Rio-2004). Esta proposta não saiu vencedora devido as fragilidades da cidade (mobilidade urbana, violência e condições de lixo e esgoto da Zona Norte do Rio). Na candidatura posterior, para o Rio-2012, que incluía antes a realização dos Jogos Pan-Americanos, o modelo mercadológico de construção do espaço ganhou seu primeiro espaço na Barra da Tijuca, cujo investimento significou também em uma nova auto estrada para a cidade, para desbravar esta fronteira de expansão da cidade: a Linha Amarela.
Nasce o sonho, mas morre o projeto: nossa vergonha para a candidatura foi na visita oficial do COI, onde norueguês Olav Myrholt, especialista do Comitê Olímpico Internacional (COI) em meio ambiente, ficou horrorizado ao ver esgoto in natura ser despejado na Baía de Guanabara através do Canal do Cunha em 2004. Vinte anos depois uma grande solução, para este grave problema na imagem do Brasil, foi um projeto para esconder o Rio do mundo: ao invés de mudar a situação do local, mudou-se o local! E em uma frase que denota a grande vitória da população carioca e brasileira sobre este grave problema, Carlos Arthur Nuzman (presidente do COB) declara sobre o abandono do plano de legado e a decisão da instalação das Olimpíadas na Barra da Tijuca: “agora, vamos receber os visitantes na sala. A competição está fadada ao êxito”, ignorando tanto o exemplo das Olimpíadas de Londres, anterior a do Rio, que realizou a revitalização da cidade, em Stratford, distrito pobre da cidade; quanto o nosso projeto original que ficava no centro dos bairros com os piores IDH do Rio.
Ele não se enganou e os Jogos foram um grande êxito com todos os esforços, inclusive com placas as margens da Linha Vermelha e Linha Amarela que escondiam o Rio com seu não tão famoso, porém ainda poluído Canal do Cunha, e os bairros que deveriam ter sido alvo do legado Olímpico. O metrô (a obra mais cara das Olimpíadas) funcionou exclusivo para os que tinham ingresso, e percorrendo a linda e poluída linha costeira da cidade, a linha BRT TransOlímpica com serviços também exclusivos em ônibus que infelizmente não eram blindados, em geral, com um “Rio de Janeiro exclusivo”, ou como foi apelidada: uma Bolha Olímpica, ajudaram neste êxito.
O que estimulou esta mudança drástica de locação das Olimpíadas na cidade? A proposta devender um novo Rio, uma nova cidade sendo construída em parceria com a iniciativa privada? Cidade esta que já deixou claro desde o início para quem é, pois: ‘Como é que você vai botar o pobre ali?’ declarou o dono da construtora da Vila dos Atletas. Enquanto o prefeito, na Olimpíadas que ele construiu na mente dele, afirmava que se investia muito na parte mais pobre da cidade (como previa o esquecido plano). Mas a população desta parte pobre da cidade na Zona Norte acumulava seus “legados” e os via comparados aos da nova cidade do Rio de Janeiro.
Acabaram as Olimpíadas, e tudo isto ficou na história, e, infelizmente para o prefeito, na memória de cada morador da Zona Norte que não via o que o marketing dizia. Uma verdadeira guerra de notas oficiais da prefeitura que tentavam provar que a Prefeitura estava certa, e o povo por eles governado, estava equivocado, que nada de errado ocorria na Zona Norte, mas que vários repórteres em sua primeira visita viam. Neste caso, o “para inglês ver” não conseguia esconder do americano, do francês, do polonês ou de qualquer outra mídia internacional que podia observar em uma rápida passagem pela Zona Norte. Ramos, roteiro destas visitas de reportagens, virou mais que um bairro: virou um ícone pelos subúrbios de trabalhadores excluídos do “Legado Olímpico” de sua própria cidade.
Em ano de eleição, as notas oficiais ganhavam palanque, com o candidato do prefeito afirmando o grande investimento feito na região com o BRT TransCarioca. No final, a resposta veio nas urnas: no mapa acima é possível ver onde o candidato do prefeito recebeu mais votos e onde recebeu menos, e não é mera coincidência uma expressiva votação na região da Barra da Tijuca e uma votação pífia na região de Ramos, os dois bairros que protagonizam este texto. São frutos das decisões adotadas, de construir uma nova cidade onde o pobre não tem seu espaço, e de esquecer de que o pobre também vota mesmo lá da distante na “velha Rio de Janeiro”.