Juiz questiona se orientação política determinou violência policial em SP

Valentino de Andrade, juiz que condenou o governo de SP por violência em manifestações, diz que atuação da polícia não pode estar ao sabor de interesses políticos

Por Claudia Belfort, na Ponte

A sentença do juiz Valentino de Andrade, que condenou o governo do estado de São Paulo a pagar uma indenização de R$ 8 milhões pela violência policial nas manifestações de 2013, está sustentada principalmente no uso político do Estado por parte do governo. Na decisão, ele questiona se a atuação da Polícia Militar não teria sido determinada por razões políticas, diz que o governo não pode adotar um plano como se fosse uma política governamental e critica até a ação do governo Alckmin nas escolas ocupadas por estudantes que protestam contra a reforma do ensino médio.

O juiz chama atenção para a diferente atuação da PM nas manifestações pró-impeachment, em que os policiais buscaram “proteger o exercício de reunião, o que permitiu que aqueles protestos transcorressem tranquilamente” com a repressão desmedida aplicada em 2013, provocada pela “absoluta falta de preparo da PM.” Nos protestos anti-Dilma, a PM chegou a republicar selfies com integrantes dos protestos.

Reprodução BBC/PMSP
Reprodução BBC/PMSP

Em ambos os casos, ele responsabiliza a polícia, e não os manifestantes, pelos atos de violência e pela tranquilidade nos protestos, uma linha argumentativa oposta à do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

Teria a Polícia Militar aplicado o mesmo plano de atuação (nas manifestações pró-impeachment) que se utilizara em 2013, ou conforme a finalidade do protesto aplicou um diferente plano de atuação?

Logo após esse questionamento crítico, o juiz observa que o direito de reunião, por ser também um direito de expressão política, pode levar um governo a determinar uma ação mais rigorosa em protestos “que não lhe sejam agradáveis”.

A hipótese de uma atuação policial pautada por motivações políticas também permeia a determinação do magistrado para que o governo elabore um plano de atuação da polícia, a ser utilizado em todo e qualquer protesto. A ausência de um plano único, alerta, permite que o Estado determine o grau de rigor de uma atuação policial ao sabor de seus interesses políticos. E foi mais afiado ainda:

Tolerar, pois que o Governo do Estado de São Paulo adote um plano de atuação de Sua Polícia Militar que quiser adotar como se fosse uma coisa dele, um política governamental e não como deve ser encarada, como uma coisa pública e de interesse público, desrespeitando os direitos fundamentais como os direitos de reunião de livre manifestação, é viver em um Estado que não pode ser chamado de um “Estado democrático de Direito”

O juiz Valentino também criticou a ação do governo do Estado no “consistente” movimento de ocupação das escolas por usar de um poder “de autotutela que não possui” para permitir a Polícia Militar retirar os alunos das escolas sem buscar a via juridicional. Em 2015, o próprio ouvidor das polícias do Estado de São Paulo condenou a interferência da PM nas escolas.

Na sentença, proferida na última quarta-feira, dia 20, além da indenização, o juiz proibiu o uso de armas de fogo, balas de borracha e gás lacrimogênio, “salvo em situação excepcionalíssima” e a imposição de condições de tempo e lugar para realização de manifestações

A decisão judicial é uma resposta a ação civil pública denunciando a violência policial nas manifestações de 2013. A ação foi ajuizada em abril de 2014 pelo Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública com a participação da Conectas Direitos Humanos e Artigo 19 Brasil.

Destaque: PMs imobilizam rapaz na Av. Consolação em janeiro. Foto Daniel Arroyo.

 

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