Povos indígenas de Roraima analisam conjuntura atual da saúde indígena durante a I Assembleia Extraordinária

Por Ascom/CIR

O primeiro dia da I Assembleia Extraordinária dos Povos Indígenas de Roraima sobre Saúde Indígena foi marcado pela análise de conjuntura da situação da saúde indígena, bem como a avaliação de que não dá mais para continuar com a mesma gestão da política de atenção à saúde indígena dos povos, é preciso renovar e fortalecer as ações para que, de fato e de direito, atenda as reais necessidades das comunidades indígenas e a autonomia pela gestão seja respeitada pelo Estado brasileiro. A Assembleia, um evento que entra para a trajetória de luta dos povos indígenas, em especial, a saúde indígena, reúne mais de dois mil participantes, entre, indígenas, organizações indígenas, trabalhadores da saúde e representantes dos órgãos públicos e entidades sociais, na Casa de Cura, em Boa Vista (RR).

As comunidades indígenas que vieram dos lugares mais longes do Estado, regiões de difícil acesso como Ingaricó, Yanomami e Wai-Wai, bem como as próximas à capital roraimense, foram recepcionadas com a apresentação tradicional Macuxi e Yanonami, simbolizando a forte tradição e cultura dos povos indígenas locais.

Mesmo com a revogação das portarias 1907 e 2141/16, através das portarias 2206 e 2207/2016, devolvendo a autonomia orçamentaria e financeira dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), garantida nas portarias 475/11 e 33/13, para os povos indígenas o atendimento à saúde é cada vez pior, total descaso nas comunidades indígenas, não se ver o “tanto de recursos”, como alegou o Ministro Ricardo Barros em áudio divulgado no último dia 25 de que a saúde indígena “é muita despesa para pouco resultado”.

“Nos últimos anos o movimento indígena tem protagonizado em embate direto contra os governos na luta e pela garantia dos direitos indígenas em várias áreas, em especial, a saúde indígena. Um destes últimos embates foi quando tentaram aniquilar a SESAI, umas das conquistas dos povos indígenas, mas não conseguiram”, avaliou um dos grupos de trabalho apresentado ontem, por volta das oito horas da noite, encerramento do primeiro dia. As avaliações serão apresentadas e aprovadas no documento final da Assembleia.

Essa e outras avaliações são o reflexo da tentativa do Governo por meio do Ministério de Saúde de diminuir a capacidade de gestão da saúde indígena pelos próprios indígenas, fato, que ainda não aconteceu por isso o desmando e mau gerenciamento do recurso da saúde indígena. A esperança é de que, de fato e de direito, os indígenas  tenham a autonomia de gerir o seu próprio recurso.

Pela avaliação dos povos indígenas, o fato é que não tem o resultado esperado, porque a gestão não é de acordo como os povos querem. As comunidades indígenas não tem o conhecimento dos gastos feitos com o recurso destinado ao atendimento, tudo está precário, não há uma infraestrutura adequada, falta de medicamento, faltam transportes como ambulâncias para remoção de pacientes, equipamentos para melhor atendimento das regiões de difícil acesso, além disso, não há uma política de formação, capacitação e valorização dos profissionais indígenas de saúde, esses, que conhecem a realidade de suas comunidades indígenas. Uma das grandes preocupações é com a proposta da municipalização da saúde indígena, assunto que já é descartado pelos povos indígenas, como expressou o líder Davi Kopenawa, no painel sobre experiências como lideranças indígenas: saúde indígena um direito fundamental aos povos indígenas.

Davi se diz preocupado com a saúde dos povos indígenas do Brasil.
Davi se diz preocupado com a saúde dos povos indígenas do Brasil.

Segundo ele, vai matar mais indígena. “Minha preocupação é com o nosso povo indígena do Brasil, porque municipalizar não é a saída, vai matar muito indígena, nós não queremos de novo o massacre do nosso povo indígena”, manifestou Davi Kopenawa, a sua preocupação com os rumos do atendimento da saúde indígena.

 “Mas nós temos a força da mãe natureza, a mãe terra e nós estamos sentado no colo dela, falando sobre a saúde do nosso país. A saída está nas nossas e por isso o meu povo está na luta, vamos fortalecer a luta do povo indígena do Brasil”, concluiu Davi Yanomami.

Outra liderança tradicional, um dos pioneiros na discussão sobre a política de saúde indígena no Brasil, uma vivência e experiência de mais de 30 anos na saúde indígena, Clovis Ambrósio Wapichana, também refletiu de que, embora tenha todas as ameaças de retrocessos aos direitos indígenas, mas o povo está acordado. E contente por viver mais um momento histórico na luta dos povos indígenas de Roraima, manifestou que os povos indígenas do Brasil devem continuar fortalecido e unido.

Fez um breve histórico das primeiras caminhadas na década de 70, ainda na época do movimento popular, desde então, segundo ele, o movimento já era forte e hoje, o povo continua forte para lutar em defesa dos direitos, principalmente, depois da Constituinte de 88, quando os direitos indígenas foram conquistados e esse mesmo é que garante até hoje, os artigos 231 e 232.

Clovis Ambrosio Wapichana, mais de 30 anos na luta pela defesa da saúde indígena específica e diferenciada.
Clovis Ambrosio Wapichana, mais de 30 anos na luta pela defesa da saúde indígena específica e diferenciada.

“O que queremos com toda essa trajetória de luta de tantos anos é que o Governo respeite a nossa cidadania, respeite a nossa especificidade cultural e tradicional, porque nós fazemos parte da sociedade”, expressou Clovis, ao refletir que o recurso destinado à saúde indígena não supre a necessidade dos povos indígenas que são diversos, habitam em regiões diferentes e de difícil acesso, então o recurso que o Ministro diz ser muito, acaba sendo pouco, porque o Governo não conhece a casa dos indígenas. Precisa conhecer.

O Líder Macuxi, Jacir José de Souza, pioneiro na construção do movimento indígena de Roraima relembrou a luta pela demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, como ele recordou, que primeiro a luta do povo foi pela demarcação da terra, depois saúde e educação. Preocupado com as ameaças, os ataques do atual governo, pediu mais força, dos mais jovens que tem estudo, para garantir o direito que eles, lideranças tradicionais, conquistaram nos primórdios do movimento indígena.

Teve uma mesa redonda com o tema “análise coletiva da conjuntura da situação atual da saúde indígena”, onde contou com a presença das organizações indígenas, representantes da conveniada Missão Evangélica Kaiowá, as coordenações dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas do Leste de Roraima (DSEI-Leste) e o Distrito Sanitário Yanomami e Ye`kuana (DSEI-Y) e os conselhos distritais de saúde indígena.

O representante da Missão Evangélica Kaiowá, Ismael Cardeal dos Santos, falou que não é novidade o assunto sobre o chamamento público para mudar o processo de contratação dos serviços de atendimento aos DSEIs, mas que também não sabe qual será o resultado dos processos e que independente disso, a missão da conveniada que atua há 16 anos nas comunidades indígenas é de estarem atentas às preocupações das comunidades e dos trabalhadores que atuam em área. “A Missão sempre se preocupa com a situação das comunidades e dos trabalhadores que atuam em área e a nossa preocupação é como serão os resultados desse processo”, esclareceu Ismael sobre a situação da conveniada e disse ainda, que haverá uma assembleia onde debaterão o assunto e que somente depois, terão uma resposta precisa sobre a continuidade do Convênio nos Distritos.

“Precisamos buscar uma autonomia melhor, porque Brasília não consegue conhecer a realidade das regiões, mas o controle social está aqui, na Assembleia”, destacou o coordenador do DSEI Yanomami e Ye`kuana, João Batista Catalano, na análise de conjuntura da realidade do atendimento do DSE- Y, que atende 314 aldeias e 37 polos e 7 grupos étnicos,  Yanomami e Yekuana, no estado de Roraima e Amazonas.

Disse ainda que uma luta que durou mais de 20 anos não pode acabar com a municipalização da saúde indígena, e que se dependesse dos municípios muitos indígenas não estariam mais presente na luta. Em relação às estruturas atuais, o coordenador pontou que são estruturas construídas ainda na época das Missões, a Missão Catrimani e Meva, por isso essa necessidade de lutar por autonomia de gestão do atendimento a saúde.

O coordenador do Distrito Leste de Roraima, Joseilson Câmara, também apresentou a situação da saúde indígena, lembrando-se dos últimos acontecimentos em relação às portarias. Comparando as realidades dos dois distritos, o coordenador pontou que não são realidades diferentes e que o Leste é ainda mais difícil porque é uma região de fronteira, Venezuela e Guiana, onde a proliferação de doença é maior. Porém, os gastos com a saúde, o que não considera como gasto, e sim, investimento, precisa de qualificação em vários setores, nos profissionais, infraestrutura para que os profissionais realizem os seus trabalhos e destacou que, as estruturas atuais foram construídas pelas próprias comunidades indígenas e pouco recurso público.

O Conselheiro Distrital Yanomami, Alberto Góis, Yanomami, vindo da região de Maturucá, Amazonas, falou que a situação atual da saúde indígena é ruim na conjuntura política. “A nossa saúde indígena é ruim, está precária, nessa conjuntura política partidária e socioeconômica, este governo atual abriu o olho no recurso financeiro que vem em nome das nossas crianças e dos povos indígenas”, analisou Góis.

O coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima, Mario Nicacio, reforçou que a realização da Assembleia Extraordinária acontece não apenas em reação as portarias, mas também para discutir, analisar e propor sobre a gestão da saúde indígena e como ele expressou, “assumir a nossa casa, ter coragem e focar nesse caminho”, referindo–se na gestão da saúde indígena.

Disse ainda que todos falam sobre “OS”, mas ninguém sabe do que trata. Será que nós podemos criar uma “OS Indígena”, indagou Mario Nicacio, ao comentar sobre essa tentativa do Governo de privatizar a saúde indígena. Lembrou que na última Assembleia Geral dos Povos Indígenas, as comunidades indígenas avaliaram que a saúde não melhorou, precisa fortalecer o controle social, precisa de uma prestação de conta mais transparente e esclarecida às comunidades indígenas, entre outras questões que são o reflexo de uma gestão que não atende as necessidades dos povos indígenas.

Por outro lado, propôs criar uma comissão de fiscalização e construção da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), uma construção verdadeiramente indígena e, considerando que essas ameaças surgem nas bancadas de parlamentares sejam a nível municipal, estadual e federal, pediu para que os indígenas e não indígenas também não elejam mais os mesmos políticos que são contra a causa indígena.

A vice – coordenadora da Organização dos Professores Indígenas de Roraima, Irani Barbosa, atual membro titular no Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), analisou que é preciso ter recurso específico por estado e região, considerando as áreas de difícil acesso que em tempo de chuva fica intrafegável e nesse sentido, é necessário avançar e afirmar que, os indígenas, não são a minoria, e sim, a maioria que precisa dessa atenção à saúde com mais respeito.

Irani também lembrou- se da Proposta de Emenda Constitucional 215(PEC 215), dizendo que da mesma forma como conseguiram reverter às portarias da saúde indígena, também o povo indígena é forte para “enterrar” de vez a PEC 215.

As mulheres indígenas são vozes que ecoam forte na luta indígena. Martilza de Lima, coordenadora da Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR) reforçou a análise manifestando a decisão das mulheres indígenas de lutar contra todas as ameaças aos direitos indígenas, e nesse sentido, pela saúde indígena, uma conquista das comunidades. “A saúde foi criada por cada um de nós, mulheres, jovens, hoje são mães, tem os seus filhos e por isso precisamos estar juntos, unidos para lutar”. A coordenadora informou que do encontro de mulheres ocorrido na semana passada, 24 a 26, no Surumu, saiu uma carta de repúdio ao Presidente Michel Temer, onde as mulheres denominam o governo, como um “governo do povo rico e não do povo pobre”. O documento será incluído nos documentos da Assembleia Extraordinária.

O presidente do Conselho do Povo Ingaricó, Raildo Ingaricó, umas das regiões de difícil acesso, somente via área, localizada na região das Serras, Terra Indígena Raposa Serra do Sol, avaliou que mesmo com os problemas da saúde, a mortalidade infantil na região diminuiu, há quase 10% das instalações de abastecimento de água, tem equipe volantes, mas com o aumento da população precisa de mais equipe e fixa. Outra análise foi quanto à questão da política partidária, segundo ele, “os políticos, deputados lutam pelo dinheiro e não pela saúde indígena”, e que “a criação da SESAI foi da luta dos povos indígenas e não dos políticos”, concluiu Raildo. Preocupados com a situação da renovação dos convênios, os trabalhadores que atuam em área, também estiveram na mesa de análise, tanto do Distrito Leste quanto Yanomami. A representante do Leste, Karine Coelho, registrou que os trabalhadores dos DSEIs estão na luta junto com as comunidades indígenas, porque também sentem as dificuldades de trabalho, não tem estrutura, materiais de trabalho, e entre outras, necessidades vivenciadas no dia a dia do trabalho em área.

Bispo da Diocese de Roraima, Dom Mario Antônio participa da abertura da Assembleia
Bispo da Diocese de Roraima, Dom Mario Antônio participa da abertura da Assembleia

A histórica Assembleia Extraordinária contou ainda com a presença do atual Bispo da Diocese de Roraima, Dom Mario Antônio. O bispo, recepcionado pelo grupo tradicional, celebrou com os povos indígenas a alegria de um reencontro e mais uma trajetória da luta coletiva pelos direitos indígenas. “Estamos em comunhão e solidários a luta de vocês, pois onde se fala em saúde, se fala de Deus”, refletiu Dom Mario.

Em uma mensagem de fé, esperança e de coragem, Dom Mario disse que todos estão com a tocha acessa para iluminar aqueles que precisam de vida humana. “Estamos com as tochas acessas para iluminar aqueles que precisam da necessidade da vida humana e todas as outras forças pertinentes à saúde humana”, expressou Dom Mario em um gesto de benção a todos na Assembleia.

À tarde houve trabalho de grupo com as temáticas sobre recursos humanos, direito à consulta, autonomia da SESAI, temas transversais (agricultura e medicina tradicional), controle de recursos, gestão, profissionais indígenas, infraestrutura, alternativas de contratação, e planejamento e controle social.

Foram formados onze grupos de trabalhos que avaliaram o atendimento da saúde indígena, em seguida apresentaram propostas para cada temática e as denúncias. Os resultados foram apresentados ontem à noite e hoje, passam por aprovação no final da Assembleia.

Para o final do evento será elaborado um documento, onde constará a avaliação, as propostas e denúncias da situação da saúde indígena em Roraima, que deverá servir de horizonte para as demais regiões do Brasil.

Uma comissão de lideranças indígenas de Roraima, conforme definida nesta Assembleia, participará da Audiência com o Ministro da Saúde, nos próximos dias, 21 a 24 desse mês, ocasião em que o documento será entregue ao Ministério e posteriormente, aos demais órgãos do poder Executivo, Legislativo e Judiciário.

Na programação de hoje mais debates com duas mesas redondas, uma sobre aos atos administrativos sobre a saúde indígena (Portaria 475/2011; 33/2013; 1.907 e 2.141/2016; Convenção 169 e o Direito de Consulta) e outra sobre os desafios – recursos humanos na saúde indígena (Convênio/contratações; Alternativas/concurso especifico; seletivo; Modelo de contratação; e a municipalização). Em seguida trabalho de grupo, apresentação das propostas e documento final da Assembleia.

Fotos: Jacir J.Filho (colaborador da Ascom/CIR)

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