CNPI repudia 3ª reestruturação da Funai, em sete anos, tramada pelo Ministério da Justiça

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

Reunido durante o final da semana passada, em Brasília, o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) divulgou uma resolução onde repudia o que pode vir a ser a 3ª reestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) em sete anos, tramada nos bastidores do Ministério da Justiça. A informação foi repassada por um representante do próprio Ministério. As mudanças passariam a valer por força de um decreto a ser baixado ainda em 2016.  

Na sexta-feira, 25, pela manhã, a bancada indígena suspendeu a reunião porque o ministro da Justiça Alexandre Moraes não compareceu para dar explicações sobre a iminente reestruturação. Emissários do ministro também não falaram a respeito do conteúdo do decreto. “Tão brincando com os povos indígenas”, diz Elizeu Guarani e Kaiowá, um dos representantes indígenas no Conselho.

O Guarani e Kaiowá afirma que os representantes indígenas no CNPI “estão ali em nome dos povos do país. Voltamos para nossas regiões sem a resolução dos problemas da falta de demarcações, questões na educação, na saúde. Voltamos com mais medidas ruins do governo, e sem respostas”, explica. Para o indígena, a pauta levada pelos representantes dos povos está prejudicada.

“Queríamos tratar de três pontos: as recomendações da ONU, como o governo vai implementar, a demarcação das terras indígenas e o marco temporal, que é uma interpretação ruralista da Constituição. O governo acabou não dando resposta nenhuma. Então a gente entende que o governo não quer diálogo, não quer nos respeitar. Por isso a resolução”, analisa Elizeu.    

A resolução do CNPI pede a imediata paralisação da tramitação do processo de reestruturação. Conforme a iniciativa, os conselheiros consideram um “desrespeito do Governo Brasileiro para com este Conselho e os povos indígenas ao tomar esta medida que afeta frontalmente a vida dos povos indígenas”. Pedem ainda ao Ministério Público Federal (MPF) a salvaguarda dos direitos indígenas.

Entre tais direitos está a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2004. A Convenção, com caráter de lei no país, exige que os povos indígenas passem por consulta prévia, livre e informada diante de medidas do Estado impactantes a eles. Reestruturar a Funai significa mudar o órgão indigenista estatal que atende os povos em seus direitos constitucionais.

Para o CNPI, “qualquer outra iniciativa análoga por parte do Governo Brasileiro” deve ser paralisada para que o governo “abra diálogo com este Conselho e com os Povos Indígenas do Brasil a fim de que o direito de Consulta livre, prévia e informada seja devidamente respeitado e atendido”. O exemplo mais latente é a mudança pretendida pelo governo Michel Temer no procedimento de demarcação de terras indígenas.

O orçamento da Funai deverá sofrer um corte de 30% para 2017. Será a menor dotação orçamentária para o órgão indigenista em 14 anos. Com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, a PEC da Morte, que pretende congelar os gastos primários do governo federal pelos próximos 20 anos, o contexto de uma possível reestruturação, conforme integrantes indígenas do CNPI, é catastrófico e imprevisível.

“Sem recursos, a Funai não consegue executar suas funções conforme se estabelece legalmente. No entanto, observamos nos últimos anos um processo deliberado do governo de sucateamento do órgão. Fosse concedida à Funai as condições adequadas de trabalho, além de vontade política para se cumprir a Constituição, não seria necessária uma reestruturação. Entendemos como um golpe na Funai”, afirma o cacique Marcos Xukuru, integrante do CNPI.    

3ª reestruturação em sete anos

Caso o Ministério da Justiça siga adiante com a reestruturação, será responsável pelo terceiro procedimento do gênero nos últimos sete anos. Em 2009 e 2012 outros dois decretos de reestruturação foram baixados. Nas duas ocasiões os povos indígenas não foram consultados, já com a Convenção 169 da OIT tendo força de lei no Brasil. A Funai tampouco conseguiu ser mais efetiva com as reestruturações.

De acordo com o representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no CNPI, Cléber Buzatto, “mais uma vez o governo brasileiro adota um modo de operar alheio ao previsto pela Convenção 169. Mudanças na política indigenista sem a participação dos povos indígenas no processo de decisão servem para atender quais interesses? Não acreditamos que venha para garantir os direitos constitucionais destas populações”.     

Para Buzatto, “a Resolução do CNPI repudia essa atitude de desrespeito e também apela ao governo para que suspenda a publicação deste decreto. O direito consagrado aos povos precisa ser devidamente respeitado e atendido”. A ONU e o Parlamento Europeu apresentaram preocupações com relação a mudanças que afetem os povos indígenas sem a devida consulta, ou que sejam aviltantes aos seus direitos.

O Parlamento Europeu recordou às autoridades brasileiras, em trecho da resolução aprovada na última quinta-feira, 23, a obrigação do país de ” respeitar o direito internacional no domínio dos direitos humanos no que diz respeito às populações indígenas, tal como estabelecido, em especial, pela Constituição Federal Brasileira e a Lei 6.001/73 sobre «o Estatuto do Índio»”.

  

CNPI


O Conselho Nacional de Política Indigenista é um órgão colegiado e consultivo da administração pública federal, responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas – instituído pelo Decreto 8593/15 e instalado pela Portaria Ministerial 491, de 27 de abril de 2016. Paritário, é composto pelo governo, povos indígenas e sociedade civil.

Indígenas durante reunião do CNPI, em abril de 2016. Crédito: Tiago Miotto/Cimi

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