Senado vai votar um golpe nos mais pobres, dizendo que é pelo bem da nação, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

Corrupção é uma desgraça. Usar a máquina pública em nome de ganhos particulares idem.

Cão alcança o mesmo nível de indignação do roubo de dinheiro público ou do tomaladacá, porém, as propostas técnicas cujos impactos não são tão facilmente compreendidos pela sociedade. Envernizadas por um discurso bonito, de que é preciso apertar o cinto em momentos de crise, elas acabam por serem aprovadas sem a mesma indignação. Só tempos depois, a massa perceberá que ela apertou o cinto sozinha, enquanto os mais ricos seguiram na fartura. Ou, às vezes, nem isso.

O Senado Federal deve votar, nesta terça (29), um desses exemplos: a proposta de emenda constitucional 55/2016, aprovada na Câmara dos Deputados sob o número 241/2016, que impõe um teto ao crescimento nos gastos públicos por 20 anos.

Com isso, o montante que o governo pode gastar será reajustado pela inflação do ano anterior, o que significa que os recursos para implantar novas ações serão limitados. Se a educação e a saúde públicas, que hoje contam com um piso de investimento, fossem exemplares, vá lá. Mas falta muito para alcançarmos a linha de dignidade.

Ao contrário dos contorcionismos, malabarismos e truques de mágica que o governo Temer faz com as palavras para que você acredite que nada vai acontecer, essa medida irá impactar os investimentos nessas áreas fundamentais, a partir de 2018 e pelas próximas duas décadas.

Atrelar o crescimento de gastos em educação e saúde à inflação tem um efeito cumulativo sentido ao longo do tempo. Talvez nem seja você a sentir a paulada, mas seus filhos e netos sentirão.

O aumento da destinação de recursos em educação e saúde tem ocorrido acima da inflação nas últimas décadas – em parte para responder às demandas sociais presentes na Carta Magna de 1988 e, consequentemente, tentar reduzir o imenso abismo social do país. Se o reajuste tivesse sido apenas pela inflação, o tamanho da oferta de serviços não cresceria, permanecendo tudo como estava.

Ninguém nega que o déficit público precisa ser equacionado e que soluções amargas devem ser propostas e discutidas. E todos terão que dar sua contribuição, ricos e pobres. Mas Michel Temer, seu porta-voz Henrique Meirelles e centenas de congressistas demonstram um carinho grande com o andar de cima ao propor uma medida que limitará gastos que mexem diretamente com a qualidade de vida dos mais pobres e evitam aplicar remédios amargos entre os mais ricos.

Falar de aumento de impostos aos mais ricos é um pecado horrendo nos dias de hoje. Propor a taxação de dividendos recebidos de empresas é crime. Defender a alteração na tabela do Imposto de Renda (criando novas alíquotas para cobrar mais de quem ganha mais e isentando a maior parte da classe média) é um aberração. Isso sem falar que discutir a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas e o aumento na taxação de grandes heranças (seguindo o modelo norte-americano ou europeu) é passível de exílio.

Afinal de contas, debater formas de reduzir a desigualdade crônica sempre foi caso de linchamento ou empalamento em praça pública. Ou, pior: caso de polícia.

Essas medidas sozinhas não resolvem a bancarrota para a qual caminhamos por conta do governo Dilma, mas sinalizaria algo importante: que o país não é mais um lugar no qual os lucros são privatizados pelos mais ricos e os prejuízos são entregues aos mais pobres.

O governo ao invés de buscar medidas que amortecessem o sofrimentos dos mais pobres, que são os que mais sentem uma crise econômica, tenta preservar quem não precisa ser preservado.

Já escrevi tudo isso aqui por conta da votação na Câmara. Agora, retomo com a votação no Senado. Se fosse você, lembraria muito bem dos rostos e nomes dos senadores que votarem a favor da Proposta de Emenda Constitucional 55/2016, tal qual vocês também lembram dos políticos condenados por corrupção. E lembram de ministros que usaram o cargo para fazer pressão a fim de que o prédio em que compraram um apartamento (prédio esse que foi embargado pelo patrimônio histórico) possa ser liberado e construído.

Se tiverem a cara de pau de abrirem a boca para dizerem que defendem educação e saúde, mas também cultura, ciência e tecnologia, esporte… na campanha eleitoral de 2018, condene-os ao esquecimento.

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