ES – Filho de liderança quilombola recebe liberdade provisória

Por Fernanda Couzemenco, Século Diário

“É muito importante esse trabalho de apoiar os quilombolas. Eu, como profissional, era mais cético com relação a isso. Você só vai perceber o quão vulnerável essas etnias são quando se depara com uma situação como essa”. A afirmação é do advogado Wistonrus de Paula Alves, responsável pela defesa do jovem Evaldo Jerônimo Florentino, filho de Berto Florentino, contra-mestre do Ticumbi de Itaúnas – uma das mais importantes tradições folclóricas do Espírito Santo – e liderança quilombola no antigo território do Sapê do Norte, que compreende os municípios de Conceição da Barra e São Mateus.

Assim como outras lideranças quilombolas da região, Berto e sua família têm sido perseguidos há décadas pela Aracruz Celulose (Fibria). Inúmeras são as ações de criminalização das lideranças, na tentativa de enfraquecimento da luta pela reconquista de seu território, usurpado pelas empresas de celulose, com cumplicidade do governo estadual.

Acusado de assassinato de um cabeleireiro em Pedro Canário, Evaldo teve prisão preventiva decretada no último dia 26 de outubro. Ao longo desses 40 dias em que permaneceu preso no Centro de Detenção Provisória de São Mateus, não foi encontrada nenhuma única prova sobre sua real participação no crime. “Nenhum dos exames o colocou no local dos fatos”, informa Wistonrus, lembrando que Evaldo não possui nenhuma passagem na Polícia nem qualquer processo na Justiça anterior a esse.

Diante, portanto, das provas técnicas produzidas, o juiz da Vara Criminal de Pedro Canário, Leandro Cunha, entendeu que, nesse momento processual, não há razão para permanência de Evaldo na prisão. Ainda assim, o rapaz vai continuar em liberdade condicional até a conclusão do processo, devendo se apresentar à Justiça mensalmente.

A audiência de instrução e julgamento, que pode encerrar o caso, está marcada para o dia nove de março do próximo ano. O andamento do processo (nº 0001630-80.2016.8.08.0051) pode ser acompanhado pelo site do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

Ameaça contra todos

O advogado do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) da ONG Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), Jacenildo Reis, que há muito acompanha os casos de criminalização dos quilombolas da região, afirma que essa é a estratégia mais utilizada pela Aracruz Celulose (Fibria), nos últimos anos, para enfraquecer a luta quilombola no Sapê.

“Ela direciona a Polícia a imputar fatos delituosos a alguma liderança ou defensor dos direitos humanos e os leva presos, sob suspeita de algum crime. Até que respondam ao processo e sejam soltos, ficam aniquilados. Muitas vezes, após passar por esse trauma de prisão, pela vergonha de serem algemados dentro da sua comunidade e levados em camburões, deixam de fazer militância, atingindo-se então o objetivo de enfraquecer a luta quilombola”, explica Reis.

“A injustiça contra um é uma ameaça contra todos”, afirma Wistonrus, citando frase célebre do Barão de Montesquieu, filósofo francês autor de O Espírito das Leis. reforçando sua visão clara de que é preciso que a Justiça, a mídia e a sociedade em geral saibam da vulnerabilidade dos quilombolas do Sapê do Norte e possam lhe apoiar em sua luta pela reconquista da terra.

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