O novo ataque do “Power Point”

Por Leonardo Isaac Yarochewsky, no Justificando

Dedico este artigo ao advogado Roberto Teixeira

O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação “Lava Jato”, há muito ultrapassou todos os limites da função que deveria exercer com hombridade e ética como representante do Ministério Público Federal.

Principal acusador da Operação “Lava Jato”, notadamente, no tocante ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dallagnol é o exemplo do que os holofotes da mídia e o processo penal do espetáculo podem fazer, inclusive, com os agentes do Estado. Dallangol, quase um desconhecido, tornou-se com as acusações impróprias e abjetas em face do ex-presidente Lula uma “celebridade” do Ministério Público Federal.

No que se refere ao processo penal do espetáculo, Rubens Casara já salientou que:

“não há espaço para garantir direitos fundamentais. O espetáculo não deseja chegar a nada, nem respeitar qualquer valor, que não seja ele mesmo. A dimensão de garantia, inerente ao processo penal no Estado Democrático de Direito (marcado por limites ao exercício do poder), desaparece para ceder lugar à dimensão de entretenimento… No processo espetacular desaparece o diálogo, a construção dialética da solução do caso penal a partir da atividade das partes, substituído pelo discurso dirigido pelo juiz: um discurso construído para agradar às maiorias de ocasião, forjadas pelos meios de comunicação de massa em detrimento da função contramajoritária de concretizar os direitos fundamentais… O caso penal passa a ser tratado como uma mercadoria que deve ser atrativa para ser consumida. A consequência mais gritante desse fenômeno passa a ser a vulnerabilidade a que fica sujeito o vilão escolhido para o espetáculo”. [1]

No final da tarde do dia 14/9 o procurador da República Deltan Dallagnol apresentou perante a imprensa, em verdadeiro espetáculo circense, denúncia contra o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-primeira-dama Marisa Letícia e mais seis pessoas, onde usou e abusou até da tecnologia (Power Point) para tripudiar sobre a honra e a imagem do ex-presidente e cidadão Lula.

Como bem disseram os defensores de Lula, Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins, em nota divulgada em 15/12 (quinta-feira), nenhum cidadão pode receber o tratamento que foi dispensado a Lula pelo procurador da República Dallagnol, muito menos antes que haja um julgamento justo e imparcial. O processo penal não autoriza que autoridades exponham a imagem, a honra e a reputação das pessoas acusadas, muito menos em rede nacional e com termos e adjetivações manifestamente ofensivas.

O decano do Supremo Tribunal Federal ministro Celso de Mello já salientou que:

O dever de proteção das liberdades fundamentais dos réus, de qualquer réu, representa encargo constitucional de que este Supremo Tribunal Federal não pode demitir‐se, mesmo que o clamor popular se manifeste contrariamente, sob pena de frustração de conquistas históricas que culminaram, após séculos de lutas e reivindicações do próprio povo, na consagração de que o processo penal traduz instrumento garantidor deque a reação do Estado à prática criminosa jamais poderá constituir reação instintiva, arbitrária, injusta ou irracional.

O que distingue o processo penal da justiça pelas próprias mãos, observa Luigi Ferrajoli[2], é o fato de que o processo persegue duas diferentes finalidades: a punição dos culpados juntamente com a tutela dos inocentes.

Ao lado do princípio da presunção de inocência insculpido na Constituição da República não se pode olvidar do respeito à dignidade da pessoa humana como postulado do Estado democrático de direito. Assim, não pode por razão alguma ser o acusado tratado indignamente. Nem mesmo aquele que já foi condenado por sentença transitada em julgado.

O tratamento que vem sendo dado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um tratamento típico de um direito penal e processual penal do inimigo.Lula é tratado pelas autoridades da persecução penal como “não pessoa”, sendo negado a ele direito e garantias.

Referindo-se ao inimigo no direito penal, Raúl Zaffaroni assevera que:

O poder punitivo sempre discriminou os seres humanos e lhes conferiu um tratamento punitivo que não correspondia à condição de pessoas, dado que os considerava apenas como entes perigosos ou daninhos. Esses seres humanos são assinalados como inimigos da sociedade e, por conseguinte, a eles é negado o direito de terem suas infrações sancionadas dentro dos limites do direito penal liberal, isto é, das garantias que hoje o direito internacional dos direitos humanos estabelece universal e regionalmente.[3]

Posteriormente, Zaffaroni observa que:

O conceito de inimigo introduz de contrabando a dinâmica da guerra no Estado de direito, como uma exceção à sua regra ou princípio, sabendo ou não sabendo (a intenção pertence ao campo ético) que isto leva necessariamente ao Estado absoluto, porque o único critério objetivo para medira a periculosidade e o dano do infrator só pode ser o da periculosidade e do dano (real e concreto) de seus próprios atos, isto é, de seus delitos, pelos quais deve ser julgado e, se for o caso, condenado conforme o direito. Na medida em que esse critério objetivo é abandonado, entra-se no campo da subjetividade arbitrária do individualizador do inimigo, que sempre invoca uma necessidade que nunca tem limites, uma Not que não conhece Gebot.[4]

Tratado como inimigo pelos seus algozes, Lula é assaltado em sua dignidade e em sua honra. Sua família, de igual modo, acaba recebendo um tratamento que merece e deveria ser repudiado por todos aqueles que têm apreço ao Estado democrático de direito e aos seus valores fundamentais.

Como se não bastasse, os procuradores “Lava Jato” buscam, agora, criminalizar a defesa do ex-presidente Lula, notadamente, o respeitável advogado Roberto Teixeira que recentemente foi denunciado em conjunto com Lula e outras pessoas. Desmoralizar a defesa é mais uma forma vil, levada a cabo pelos procuradores da República, de atingir o ex-presidente Lula.

Por tudo, é preciso que seja dado um basta na implacável perseguição empreendida pelos procuradores da força tarefa da “Lava Jato” ao cidadão Luiz Inácio Lula da Silva. Lula não deve ser tratado melhor que nenhum outro investigado ou acusado, mas não pode ser tratado como inimigo, “não pessoa”, sem direito e garantias que deve ser assegurada a todo e qualquer cidadão independente de gênero, cor, religião, condição social, condição econômica e preferência política.

Belo Horizonte, 16 de dezembro de 2016.

Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista e Doutor em Ciências Penais

[1] CASARA, R. R. Rubens. Processo penal do espetáculo: ensaios sobre o poder penal, a dogmática e o autoritarismo na sociedade brasileira. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.

[2] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer Sica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

[3] ZAFFARONI, Eugenio Raùl. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 11.

[4] Idem, op. cit. p. 25.

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