Mirando o governo de SP, ministro da Justiça quer erradicar a maconha, por Leonardo Sakamoto

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Enquanto os Estados Unidos – responsável pela fracassada política de guerra às drogas – legaliza, aos poucos, o cultivo e a distribuição de maconha em vários de seus estados, o ministro da Justiça Alexandre de Moraes pretende que um dos objetivos do Plano Nacional de Segurança seja acabar com o comércio e o uso da planta por aqui. Estuda, inclusive, parcerias com outros países da América do Sul para atacar a produção de maconha.

O ministro é uma pessoa inteligente. Sabe que é impossível acabar com a demanda e oferta de maconha por aqui. E entende que, ao redor do mundo, há uma tendência apontando para a sua liberação e não proibição. A política de combate ao psicoativo tem sido usada para encher prisões, fomentar o comércio ilegal de armas, sustentar a corrupção policial, possibilitar o controle sobre determinadas classes sociais.

Contudo, o objetivo dessa ação pode não ser erradicar a oferta de maconha, mas cacifar o ministro para novos voos políticos, como a disputa do governo do Estado de São Paulo em 2018.

Enquanto ele provoca ranger de dentes em quem conhece as estatísticas que mostram que os danos causados pelo combate à maconha são muitos maiores que os problemas trazido pelo psicoativo em si, arranca suspiros e gritos de apoio de parte da população que acredita no discurso de que o uso da maconha é a porta de entrada para o apocalipse e a destruição da família. E se ele conseguir vender a ação como uma ”guerra” do ”bem contra o mal”, pode angariar força para disputar o Palácio dos Bandeirantes.

E ajudar em votos postulantes à Presidência da República próximos a ele.

”Se há uma relação clara entre violência e drogas no Brasil, ela está na dinâmica interna do mercado ilícito e na guerra policial a esse mercado”, afirma Maurício Fiore, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). ”E ainda temos que pensar no outro fenômeno que é incubador de violência: o encarceramento. Mais de um quarto dos encarcerados no Brasil respondem por tráfico de drogas.”

Parte das pessoas que proferem à exaustão argumentos contrários à legalização da maconha não fazem ideia do que estão falando. Repercutem discursos de medo e pavor que lhes são incutidos desde cedo e que ajudam a endossar coletivamente essa política e os sistemas que lucram com elas. Na verdade, a maconha já é liberado no Brasil. Conseguimos comprar em todos os lugares. A legalização levaria à regulamentação desse mercado que, hoje, funciona como uma terra sem lei.

Mudanças de comportamento causados por dependência química podem atingir todos os tipos de substâncias, das consideradas legais e as arbitrariamente consideradas ilegais. Mas nem por isso devemos proibir totalmente álcool, tabaco e açúcar refinado. Afinal, ”droga é aquilo que o outro usa”, como explica Maurício Fiore.

Enquanto isso, seguimos uma política que vê a dependência química como ato criminoso e não uma questão de saúde pública, mantendo uma ditadura imbecil sobre o corpo do indivíduo.

Ironicamente, tendo em vista o sucesso econômico da legalização da maconha para uso recreativo em alguns estados norte-americanos e da quantidade de dinheiro que estão ganhando por lá com isso, é capaz de que o velho mercado seja uma das molas que impulsionem mudanças por aqui.

Isso, é claro, se a política e os políticos não atrapalharem.

 

Comments (2)

  1. Péssimas escolas e crianças sem um lar estruturado é que propiciam iniciação no consumo, na traficância de drogas e outros crimes. Força policial jamais acabará com isso – nem nos EUA conseguiram por um fim a tal fenômeno, mesmo gastando bilhões de dólares. As polícias, em geral, são fortes aliados para sustentar o jôgo do reprime-solta [minha bênção, Lacan!] e cobra “passaporte” ou “contribuição para a caixinha”. Sou pela liberação do plantio, do uso medicinal – na primeira etapa e recreacional em uma segunda fase. As plantações seriam liberadas a partir de um zoneamento geo-econômico, priorizando regiões muito pobres, sem vocação ou boas terras para a agricultura. Na primeira etapa seria definidas cotas de produção do canabidiol e outras substâncias derivadas aplicadas à área de saúde – mesmo que em fase experimental para avaliação médica; o Ministério da Saúde estaria incluído no projeto. Seriam firmados convênios com algumas universidades para a colaboração científica. O MF e as Sec. Estaduais fariam uma proposta de arrecadação tributária e registro das unidades de produção e comercialização. Todos nós sabemos que existem dezenas de outras substâncias do receituário que causam tanta dependência – ou mais – que as derivadas da maconha . O álcool, por acaso, é menos perigoso? O fumo é menos perigoso? Até o consumo descontrolado de açúcar e chocolate pode ser prejudicial. Atualmente já existe uma gama razoável de experiência de plantio, comercialização, consumo/tratamento em vários países, principalmente nos EUA, Holanda, Uruguai, também na Europa. Por fim, o governo deveria instalar uma discussão nacional e aplicar um questionário em plebiscito nacional.

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